PRR para que vos quero

O PRR prevê que cada euro investido ao longo do período 2021-2026 se traduza num ganho acumulado mais de cinco vezes superior ao longo dos próximos 20 anos.

Como era esperado, a Comissão Europeia adoptou quarta-feira uma avaliação positiva do Plano de Recuperação e Resiliência português. Parafraseando Churchill, estamos agora mais próximos do princípio do fim que do fim do princípio, mas o processo ainda não se encontra concluído do ponto de vista formal. Nos termos do número 1 do artigo 20.º do Regulamento 2021/241 que criou o Mecanismo de Recuperação e Resiliência, cabe ao Conselho aprovar a avaliação do Plano por meio de uma decisão de execução proposta pela Comissão em que se estabelecem as reformas e os projectos de investimento a executar pelo Estado-Membro, incluindo os marcos e as metas, bem como as contribuições financeiras. Essa proposta foi divulgada quarta-feira, acompanhada de um anexo e de um documento de trabalho de avaliação do PRR português.

O tom da avaliação é globalmente positivo, considerando a Comissão que o Plano se encontra alinhado com o principal objectivo do Mecanismo — promover a coesão económica, social e territorial da União — e que, uma vez totalmente aplicado, poderá conduzir a mudanças estruturais com um impacto duradouro.

No tocante às estimativas de custos individuais indicados para todos os investimentos e reformas, apesar de destacar a boa fundamentação e detalhe genéricos dos mesmos, que permite reputá-los de razoáveis, plausíveis e proporcionais, a Comissão refere a persistência de algumas lacunas. Este é mesmo o único dos critérios de avaliação a que não foi atribuído um “A”. É tão raro Portugal ter uma classificação em que abundam os “AA” que vale a pena sublinhá-la.

A Comissão chamou a atenção para o investimento estruturalmente baixo na década de 2011-2020 em Portugal, 4% abaixo da média europeia, bem como para a proporção do investimento público em relação ao PIB, que permaneceu reduzida e também abaixo da média, considerando que um período tão prolongado de investimento público continuamente moderado abriu uma lacuna considerável em relação ao índice de referência da UE. Face a estes dados, conclui pela existência de espaço para mais investimento público que alimente a produtividade através do capital humano e da inovação tecnológica e melhore as condições para o investimento privado.

Quanto à capacidade das empresas portuguesas para fazerem face à nova realidade económica, cada vez mais assente na digitalização, a Comissão, a propósito da Componente 16 – Transição digital do tecido empresarial, recordou o Digital Economy and Society Index (DESI 2020), no qual o país surge em décimo nono lugar a nível da União Europeia, e as dimensões em que este apresenta especiais fragilidades (capital humano, utilização de serviços de internet, e alguns aspectos da integração de tecnologias digitais). O PRR deverá servir para potenciar uma alteração nos modelos de negócio bem como dos processos produtivos e a criação de novos canais para a comercialização de produtos e serviços.

Mas esta componente não terá sucesso sem a concretização dos objectivos plasmados na Componente 18 (Justiça económica e ambiente de negócios). Não é certamente por acaso que a Comissão sublinha que as medidas mais importantes para potenciar as mudanças estruturais preconizadas respeitam precisamente à criação de um ambiente mais favorável aos negócios, indicando que deverão verificar-se alterações no sistema de justiça, a constituição e reforço do Banco Português de Fomento (essencial para a capitalização do tecido empresarial) e a necessidade de redução de entraves burocráticos e de barreiras ao investimento.

O diagnóstico constante deste documento não é especialmente diferente de tantos outros. Os entraves e obstáculos, bem como as fraquezas e as limitações nacionais não são novas. Há muito que consomem energias, multiplicam esforços desnecessários e frustram iniciativas e expectativas de quem inova e quer investir.

É conhecida a ambição colocada no papel multiplicador de cada euro dos mais de 16 mil milhões previstos: o PRR prevê que cada euro investido ao longo do período 2021-2026 se traduza num ganho acumulado mais de cinco vezes superior ao longo dos próximos 20 anos. O período é curto para tanta ambição e para a sua execução.

O Governo deu recentemente nova prova de que compreende a urgência envolvida neste período singular, tendo anunciado a aprovação de um decreto-lei que estabelece um regime excepcional de execução orçamental e de simplificação dos procedimentos dos projectos aprovados no âmbito do PRR, visando agilizar a concretização das medidas de política ou dos investimentos em causa de forma célere sem descurar a respectiva transparência. Esperamos que esta seja efectivamente translúcida como o seu modelo de governação prenuncia.

Diz o nosso povo que depressa e bem não há quem e que devagar se vai ao longe. Cabe agora ao mesmo povo provar que a sabedoria popular nem sempre acerta e, passada a fase da crítica justa quanto às prioridades e à distribuição de verbas entre sector público e privado, imprimir ritmo (e consequência) à mudança desejada. É caso para dizer: PRR para que vos quero!

Nota: Por opção própria, o autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

  • Consultor para os Assuntos Europeus da Abreu Advogados

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