Quotas: ter ou não ter, essa não é a questão

As quotas de género no mundo empresarial são uma medida controversa, com obstáculos difíceis de contornar: o maior deles é o modelo de poder instalado, cego a desigualdades estruturais.

A presidência portuguesa do Conselho da União Europeia quer desbloquear as quotas de género nos conselhos de administração das empresas. A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, reafirmou este propósito em debate na Assembleia da República, a 28 de abril – no único momento que arrancou uma salva de palmas à audiência. Portugal tem até ao final de junho para pôr em marcha este “dossiê da discórdia”.

Portugal aprovou a Lei da Paridade (2006) e, mais tarde, a da Representação Equilibrada (2017), que hoje estabelecem um limiar mínimo de 40% de mulheres e de homens nos cargos e órgãos de decisão política e administração pública, e um regime de representação equilibrada nos órgãos de administração e de fiscalização das entidades do setor público empresarial e das empresas cotadas em bolsa. Nestas, a proporção de pessoas do mesmo sexo não pode ser inferior a 20%, com o valor a aumentar para 33,3% em empresas com assembleia geral eletiva desde janeiro de 2020. Ou seja, passa a existir, pelo menos, uma mulher em cada cinco (e, mais recentemente, em cada três) administradores. E digo mulher porque, de facto, são estas que se encontram em menor número.

Segundo o último Índice de Igualdade de Género (2020) realizado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE), Portugal tem feito progressos, até a um ritmo superior a outros estados membros e o número de mulheres em conselhos de administração aumentou 14% em três anos. Mas ainda estamos 6,6 pontos abaixo da média europeia.

Não obstante serem uma medida externa e “artificial” de incluir mulheres nos centros de poder das empresas, as quotas são um catalisador da mudança que é necessária até atingirmos um equilíbrio representativo e digno para ambos os géneros.

A questão central neste sistema de quotas é que desafia o status quo e a própria definição de poder. E, com ele, o modelo mental e cultural de poder que partilhamos, e que é masculino.

Por isso, quando falamos na importância da inclusão das mulheres na tomada de decisão, não estamos simplesmente a aumentar a probabilidade de que temas como a igualdade de oportunidades, progressão de carreira, elegibilidade para promoções, conciliação da vida profissional pessoal e familiar, igualdade de remuneração por trabalho (de valor) igual, entre outros, sejam tidos em conta.

As mulheres podem (e devem) ser porta-vozes e agentes de resolução de problemas laborais e sociais. Mas o que é fundamental e absolutamente injusto é manter as mulheres fora dos espaços de poder, quaisquer que sejam os motivos. É imprescindível redefinirmos a nossa noção de “pessoa com poder” e passarmos a incluir as mulheres na “equação”.

Porque um futuro sustentável com lugar para o progresso coletivo e para o desenvolvimento económico tem de ser construído colaborativamente, por mulheres e homens, em plena igualdade, como aliás salienta o secretário-geral da ONU, António Guterres.

O EIGE estima que a UE está a 60 anos de conseguir atingir a igualdade de género. Isto significa que toda a vida ativa da minha filha será feita ainda em desigualdade. E a maior injustiça é que – independentemente da sua educação, capacidade económica, personalidade, competências técnicas ou sociais –, ela estará sempre em desvantagem na sua capacidade de agir de forma efetiva, na sua vontade de fazer a diferença, no seu direito de ser levada a sério.

Por isso, a minha última questão é: será mesmo este cenário que queremos para as gerações futuras?

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