O valor oculto do feminismo no recrutamento
Como recrutadora acredito profundamente que sou uma agente importante na criação de diversidade nas empresas onde me insiro.
A palavra feminismo tem sido controversa nos últimos anos e das duas uma: ou porque ouvimos falar pouco sobre ela ou porque nos encheram os ouvidos de muita coisa, pouco contextualizada. Gostava que, no dia que escrevo isto, diversos anos depois de se ter iniciado a luta pela igualdade de género, este tema fosse claro e não tivéssemos medo de, nos diferentes contextos, nos afirmarmos como feministas.
Às vezes é exaustivo explicar o óbvio: que o feminismo não é o oposto do machismo. Mas acredito que uma boa maneira de nos mantermos determinados é lembrar que essas obviedades são resultado de um percurso que nós percorremos para chegar a essas reflexões. Logo, o óbvio só se faz óbvio para nós, e não há outro caminho para construir uma sociedade igualitária que não passe pela desconstrução de estereótipos nos diferentes contextos da nossa vida.
Acredito que contagiar uma ou duas pessoas é o suficiente para mudar o mundo, pelo que hoje falarei especificamente para aquelas que trabalham na mesma área que eu: recrutamento em tecnologia.
Se fecharmos os olhos e pensarmos sobre um developer que precisamos de contratar, acredito que a primeira imagem mental seja tão simples como pensar num homem. E o porquê de isto acontecer é fácil de explicar: porque tem sido um lugar deles ao longo dos anos, desde as salas das universidades até às standing desks do escritório. A tecnologia desempenha um papel demasiado importante para ser um lugar restrito com oportunidades apenas para uma fração e, como recrutadora, acredito profundamente que sou uma agente importante na criação de diversidade nas empresas onde me insiro.
Comecei a minha jornada como talent acquisition specialist em 2018 e, desde então, ouço falar sobre targets de diversidade de género e o quão importante é eu preconizar essas medidas para o negócio. Acredito que, contudo, muitas das vezes poderemos utilizar o termo sem propriedade apenas porque olhamos para o lado e todos estão a falar dele. Acontece isto enquanto pessoas individuais e certamente acontecerá num meio empresarial tão competitivo em que temos de nos diferenciar perante o escasso talento que queremos atrair. Assim, é importante não só procurar abrir este mundo às mulheres, como também continuar a lembrar que não queremos construir um mundo matriarcal, mas sim um mundo justo e igualitário. Como um recrutador o pode fazer? Primeiro, existem dois passos importantes a ter em conta:
- Só consegues contribuir para uma política de igualdade de género se acreditas no feminismo e se, de facto, não tens medo desta palavra. Como saber se és feminista? Fácil! Se és uma pessoa que acredita na igualdade social, política e económica dos sexos, então podes vestir esta camisola.
- Como recrutador és a personificação da porta de entrada na tua empresa. Como feminista deves perceber que a tua ação não passa apenas pela implementação das políticas obrigatórias de diversidade da empresa, mas por incluíres o teu estilo individual, em todo e cada processo que geres desde o dia da abertura da vaga.
Como é que isto se pode materializar? Deixo abaixo algumas medidas que poderão ser tomadas neste sentido:
- Job posts neutros: Quando se trata de contratar e manter uma equipa diversificada devemos desde logo publicitar as nossas posições em aberto como neutras. A linguagem que usamos na descrição do cargo ajuda a atrair ou impedir que diversos candidatos se candidatem ao seu cargo em aberto. Para atrair mais candidatas, evitar usar muitas palavras “masculinas” nos anúncios é fundamental.
- Sourcing equilibrado: Não acredito que devemos como premissa inicial fazer sourcing de perfis tendo em conta o seu género como requisito! Procuramos criar igualdade de oportunidades e não a discriminação positiva do género feminino. E, relembro, o feminismo não quer facilitar o percurso das mulheres, só quer que possa ser o mesmo perante os mesmos fatores! Contudo, como as construções sociais vivem em nós e desconstruí-las exige trabalho, devemos de forma recorrente olhar para as nossas pipelines e perceber se temos poucas mulheres dentro das mesmas. Isto acontece porque o mercado não oferece talento diverso ou porque nos focamos, ainda que inconscientemente, apenas no óbvio? E aí sim, focar em alcançar resultados mais balanceados!
- Revisão anónima: Procurar implementar um sistema que garante a revisão anónima é um passo para não cairmos no erro! Implementar um sistema em que revemos os perfis com base no skillset e caráter, sem acesso a nome, foto ou idade, poderá ajudar-nos a reduzir a nossa tendência em nos deixarmos levar pelas nossas construções sociais… De que um developer tem barba e usa óculos, por exemplo!
- Influenciar, questionar e desconstruir: um recrutador tem como papel influenciar os seus managers sobre tendências de mercado, dando uma resposta ao negócio significativa e levando o mesmo a implementar boas práticas. Sentir que não temos voz na decisão final, não faz sentido! Pelo que quando enfrentamos explicações pouco claras, tanto no que pode ser uma decisão positiva ou negativamente discriminatória, a questão que se levanta é, “Porquê?”. Pedir factos com base nos requisitos técnicos inicialmente partilhados é uma postura assertiva que devemos adotar. No final do dia poderemos estar a ajudar a desconstruir preconceitos que inconscientemente eram até então desconhecidos.
Acredito que muito mais medidas podem ser elaboradas e que quando implementamos uma visão feminista nos nossos processos só podem acontecer coisas boas! Hoje em dia está mais provado do que nunca que o talento diverso traz novas perspetivas aos desafios do negócio e influencia inevitavelmente a forma como os consumidores olham para nós. E, no fim de contas, estaremos a fazer apenas o mais correto.
Criar mais e melhores oportunidades para as mulheres é, também, um dever que temos no mundo da tecnologia, porque não pode ser apenas o código a tornar-se cada vez mais evoluído… Nós enquanto seres humanos teremos sempre esse dever, primeiro!
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