Empresários e especialistas defendem que é tempo de aligeirar medidas restritivas

Reabertura das discotecas divide as opiniões. Especialistas ouvidos pelo ECO dizem não, os empresários têm uma posição menos clara. Peritos voltam a reunir hoje no Infarmed.

Aligeirar, mas com equilíbrio. Não passar do 8 ao 80 para depois se voltar a confinar. Empresários e especialistas em saúde pública ouvidos pelo ECO estão de acordo: Portugal está numa nova fase e, por isso, as medidas em vigor até aqui podem ser repensadas à boleia do processo de vacinação, mas também da consolidação do processo de testagem. Os empresários acrescentam mais um ponto: “É preciso olhar para a situação económica do país para além da saúde”.

Esta terça-feira peritos da Direção-Geral da Saúde, do Instituto Ricardo Jorge e especialistas em saúde pública voltam a reunir-se no Infarmed para fazer o ponto de situação da evolução e dos impactos da pandemia — que já passou a endemia, como sublinhou domingo o Presidente da República. As vozes vão subindo de tom a pedir mudanças.

“Com a generalização da testagem, os avanços no plano de vacinação e a emissão diária de novos certificados digitais não faz sentido manter as restrições de horários”, diz Bernardo Trindade, antigo secretário de Estado do Turismo e gestor dos hotéis da família (grupo Porto Bay).

“Estamos numa fase diferente” em que a “atividade de doença tem muito menos repercussão” na situação, sublinha o diretor do serviço de Pneumologia dos Hospitais da Unidade de Coimbra, considerando que há espaço para aligeirar algumas restrições e permitir uma “atividade económica e social mais alargada”. Mas, até que haja, pelo menos 60% da população com a vacinação completa “é importante que se mantenham algumas restrições”, como a utilização de máscara, o distanciamento físico, a etiqueta respiratória e a higienização das mãos, alerta Carlos Robalo Cordeiro. Marques Mendes, no seu cometário semanal na SIC, revelou que os especialistas vão propor ao Governo, “e em princípio deverá ser aceite” acabar com as limitações horárias nos restaurantes, nos teatros, nos espetáculos, nas lojas comerciais”. O também conselheiro de Estado acrescentou que em o fim do recolher obrigatório entre as 23 horas e as cinco da manhã também deverá cair.

Com a generalização da testagem, os avanços no plano de vacinação e a emissão diária de novos certificados digitais não faz sentido manter as restrições de horários.

Bernardo Trindade

Apesar de Portugal estar longe dos picos registados no passado foi o segundo país da UE com maior média de óbitos na última semana. E quanto aos novos casos diários de infeção por SARS-CoV-2 por milhão de habitantes, Portugal manteve na última semana a quinta posição entre os Estados-membros da UE, com uma média de 313,46 casos por dia por milhão de habitantes.

Os empresários também são defensores desse gradualismo, apesar de também haver queixas relativamente ao que entendem serem excessos. “Já tivemos de isolar completamente um turno inteiro devido a um ou outro trabalhador estar em contacto com alguém infetado, mesmo com o esquema de vacinação completo”, queixa-se Albano Fernandes. O presidente executivo da AMF Safety Shoes critica o facto de quem tiver em contacto com um caso positivo ter de ficar 14 dias de quarentena. “Fico com ideia que não existe bom senso”, diz.

Carlos Barbot partilha a sua estranheza: “Quem tem Covid fica dez dias em casa e quem tem contacto com alguém positivo fica 14. Não sou médico, mas é difícil de entender”, desabafa.

O médico de saúde pública, Bernardo Gomes, explica que esta não é uma “medida” de contenção do vírus, mas antes “uma norma”. “Para sermos consistentes e permitir um regresso parcial”, as normas relativas a isolamentos terão de ser ajustadas, admite. Para os vacinados que estiveram em contacto com casos de risco terá de existir uma “abordagem probabilística” e a norma deverá ter três eixos: restrição social, encurtamento do tempo do isolamento profilático e “outras formas alternativas que não passem pelo isolamento profilático”, por exemplo testes rápidos. Se as pessoas manifestarem sintomas o cenário é diferente, recorda.

O diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra corrobora: “Julgo que vai haver uma revisão dessa norma”. Sem avançar detalhes “para não haver confusão na comunicação”, reserva a análise da medida para a reunião, mas lembra que, “tal como está a acontecer noutros países, com mais população vacinada, esta deve ser adaptada”.

Para César Araújo, o problema desta medida é o absentismo que gera nas empresas, comprometendo a retoma. “Temos um absentismo superior a 20% na indústria do vestuário. As empresas com um absentismo tão elevado estão desestruturadas”, diz o presidente da Anivec. “Não podemos dizer que a vacina é eficaz e depois confinar as pessoas”, defende o também presidente da Calvelex sugerindo que “os trabalhadores com o esquema de vacinação completo têm que começar a fazer a sua vida normal”.

Abertura de bares e discotecas divide opiniões

“As pessoas com um certificado válido ou um teste negativo à Covid 19 devem fazer a sua vida normal e isto aplica-se a todos os setores, incluindo as discotecas e os espaços de diversão. Temos que ser coerentes”, diz César Araújo.

A reabertura das discotecas é o ponto que mais divide as opiniões. Os especialistas ouvidos pelo ECO dizem não, os empresários têm uma posição menos clara. “Para esse tipo de exposição maior é melhor esperar um pouco mais”, diz Jacinto Reis, um empresário de quarta geração de uma média empresa, a Jacinto, cujas origens remontam a 1954. Bernardo Trindade considera que sendo respeitada a questão da capacidade até se poderia gradualmente começar a abrir uma atividade que está encerrada desde o início da pandemia e que, por isso, o Executivo decidiu alargar o acesso ao Apoiar a estas empresas, mesmo depois do programa ter sido dado como encerrado.

Temos um absentismo superior a 20% na indústria do vestuário. As empresas com um absentismo tão elevado estão desestruturadas. Não podemos dizer que a vacina é eficaz e depois confinar as pessoas, assim, os trabalhadores com o esquema de vacinação completo têm que começar a fazer a sua vida normal.

César Araújo

A necessidade de manter os apoios é defendida pelos empresários: Bernardo Trindade sugere, desde logo, o prolongamento das medidas de apoio à manutenção de emprego até abril de 2022, e que no âmbito do apoio à retoma os trabalhadores pudessem beneficiar de formação. Ou seja, a componente do salário que é garantida pela Segurança Social poderia traduzir-se em formação, porque, no setor do turismo “já há dificuldade em recrutar rececionistas, barmen, empregados de mesa ou de cozinha”. Ao fim de dois anos de crise pandémica, as pessoas mesmo com formação tiverem de procurar outras alternativas, explica o antigo secretário de Estado do Turismo, frisando que o problema “é à escala global”.

A AHRESP já pediu uma audiência com caráter de urgência ao primeiro-ministro tendo em conta a “falta de resposta até à data ao Plano apresentado ao Governo a 12 de julho”. Em causa está a “sobrevivência do setor e a falta de clareza de informação junto da população e dos empresários da restauração”, dizem.

A Pro.Var, outra das associações do setor, fez esta segunda-feira uma manifestação silenciosa, numa referência às salas vazias dos restaurantes. “Já há empresa familiares em situação crítica, porque com a exigência de apresentar testes para se poder fazer uma refeição no interior do restaurante está a afastar os clientes”, conta Daniel Serra. O presidente desta associação avança que o setor já perdeu mais de cinco mil milhões de euros e que são precisas mais ajudas, nomeadamente “reativar o Apoiar na vertente restauração e rendas, mas também permitir acesso ao lay-off e reduzir o IVA da comida de 13% para 6%”.

Mas, acima de tudo, a Pro.Var quer que os restaurantes sejam libertos da responsabilidade de testar os seus clientes, lamentando que tenham sido utilizados como “balão de ensaio” nesta medida, que causou perdas “muito mais avultadas do que o esperado”. “A expectativa é a de que o Governo transfira essa responsabilidade para os portugueses e seja abolida qualquer leitura de autotestes”, diz Daniel Serra acrescentando, “claro, o alargamento dos horários para todas as regiões do país”.

Bernardo Trindade contrapõe que a testagem generalizada ajudaria a diminuir as restrições à economia, não apenas de hotéis e restaurantes, mas também de espetáculos musicais e desportivos. E dá o exemplo do Grupo Port Bay que oferece os testes aos seus clientes. O gestor lembra que este “vai ser um verão de portugueses” e, por isso, é preciso criar “condições de confiança”. A abertura do hotel Teatro até ao final do mês é um sinal de aposta na retoma.

“O importante é o turismo”, defende Carlos Barbot, porque “não é em agosto que os outros setores vão recuperar”, sublinha o presidente executivo das tintas Barbot. Evocando os exemplos do passado, diz esperar que o país já tenha aprendido a lição e “não voltar a ir do oito ao oitenta, porque, senão, estamos novamente confinados dentro de 15 dias”, alerta.

“Estamos numa fase de planalto, ao nível das infeções, mas continuamos com uma carga de internamentos robusta”, lembra Bernardo Gomes, por isso defende “uma cautela adicional até 15 de agosto”. Já Carlos Robalo Cordeiro sublinha a importância da matriz de risco proposta pela Ordem dos Médicos. “As medidas que são propostas deviam respeitar o indicador que propusemos (matriz) com as medidas elencadas para cada nível”, e o recolhimento obrigatório, por exemplo, só seria aplicado “num nível superior”, isto é, “a partir do nível crítico, quando há uma ameaça maior”.

Mas para os empresários ouvidos o recolhimento obrigatório seria uma das restrições que poderiam ser eliminadas e que deverá ser, segundo Marques Mendes.

O momento de avançar com um desconfinamento total como fez o Reino Unido ainda não chegou. Aliás, António Costa atirou o momento da “libertação total” para setembro. Mas Jacinto Reis admite que a situação “não se pode prolongar muito mais tempo”. “É insuportável do ponto de vista económico, sobretudo ao nível da restauração e da hotelaria, que têm sofrido muito”, defende. “A situação económica não está muito boa, por isso temos de olhar para a situação económica do país para além da saúde”, diz.

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