Mercado automóvel foi esmagado pela pandemia. Está a crescer face a 2020, mas os números são ilusórios, diz Hélder Pedro. Recuperação só no próximo ano e com carros mais pequenos: os utilitários.
Portugal registou uma das maiores quebras de vendas de automóveis novos entre os países da União Europeia, em 2020. Este ano, os números têm vindo a crescer, registando aumentos expressivos mas que, diz Hélder Pedro, são ilusórios. Continuam muito abaixo do que era o normal antes da pandemia.
“Estamos 40% abaixo daquilo que será um ano normal. É a comparação mais realista”, diz o secretário-geral da ACAP, em entrevista ao ECO, apontando “culpas” à pandemia, mas também ao Governo.
As famílias retraíram os gastos, por receios quanto à economia. O rent-a-car, muito dependente do turismo, continua sem retomar, enquanto as empresas são confrontadas com alterações fiscais que pesam no mercado.
Tudo isto tem consequências num setor que tem um peso elevado na economia. Seja via exportações, seja pelos impostos que gera para os cofres públicos. E as empresas do setor lutam para sobreviverem, tentando a todo o custo segurar os postos de trabalho à espera do regresso à normalidade, que já só será em 2022.
As vendas de automóveis estão a recuperar, mas estão ainda longe dos níveis pré-pandemia. Porquê?
Tivemos uma queda bastante grande por causa da pandemia. Foi a terceira maior queda, em termos percentuais, em toda a União Europeia. Portugal foi, aliás, dos mercados que mais caiu porque em muitos mercados, logo em junho, os governos instituíram planos de incentivos à renovação do parque automóvel — medidas de apoio à troca de carros antigos por novos — e, nalguns casos, aumentaram em 50% os incentivos à compra de automóveis elétricos. Por exemplo, na Alemanha as vendas de elétricos subiram 300%. Este ano, o mercado português começou paulatinamente a recuperar, com valores ilusórios acima do ano passado.
Crescimentos de mais de 100% e 200%…
Mas quando comparamos esses números, temos de nos lembrar que no ano passado os stands estiveram encerrados desde 4 de março até meados de maio, por causa do confinamento. O que nós fazemos, e que é o que se faz também noutros países, é comparar com 2019, o ano antes da pandemia. Aí, estamos 40% abaixo daquilo que será um ano normal. É a comparação mais realista.
É a que reflete melhor o mercado?
É a que reflete melhor. Aliás, os espanhóis nem comparam com 2020, comparam logo 2021 com 2019, porque o que interessa é perceber quando é que recuperamos os valores pré-pandemia.
Qual a importância do turismo, ou da falta dele?
Portugal é um país com turismo. Turismo significa rent-a-car, pelo que as frotas compravam ao setor, representando cerca de 28% do mercado. No ano passado, o rent-a-car, registou quedas de 73% a 74%.
A pandemia, quando chegou, foi no momento da renovação das frotas. Com o desconfinamento, não houve a necessidade de fazer essa renovação?
Tem havido alguma procura, mas muito lenta, não em valores pré-pandemia. Isto porque há uma grande incerteza sobre o que será o ano turístico. Há quem diga que ainda vamos a tempo de salvar o verão, mas há também quem diga que não, que já é muito tarde. Quem desistiu das férias em Portugal, lembrando-nos aqui as restrições que a Alemanha, e depois também França e o Reino Unido, impuseram ao país, não é fácil… Agora que há mais abertura, as pessoas já reprogramaram as suas férias. Não é fácil, agora, inverter esse turismo para Portugal.
"Não falando em modelos concretos, mas os segmentos B e C — o A é o de entrada — têm andado numa disputa. Isto para dizer que tem havido um downsizing para os utilitários.”
E a mudança na fiscalidade dos híbridos está a travar o apetite das empresas?
A questão dos híbridos apanhou-nos de surpresa. Nos híbridos convencionais praticamente retiraram-se os benefícios fiscais… Aliás, para as empresas, há aqui duas más noticias este ano: os híbridos convencionais não conseguem cumprir com os critérios técnicos, critério que o próprio PAN admitiu que tinha insuficiências técnicas porque foi discutido à última hora no momento de aprovação do OE2021, passam a pagar 100%, acabando-se o benefício fiscal, o que é desincentivador para as empresas, e os plug-in, uns cumprem outros não. São carros com menores emissões, mas alguns não cumprem com os critérios de autonomia o que vem dificultar a venda deste segmento. Os híbridos convencionais e plug-in representam, mesmo assim, 21% do mercado.
No caso das famílias, há receio sobre o futuro? É isso que as retrai?
O automóvel é o segundo bem mais caro a seguir à habitação. Como tal, as famílias ponderam, e bem, antes de comprarem. Mas vimos dois paradigmas: um foi no ano passado, logo a seguir ao confinamento, em que houve muitas famílias que continuaram a deslocar-se e não queriam andar em transportes públicos, registando-se um aumento da procura no mercado de usados. Depois, assistimos a um maior aumento da poupança das famílias porque as pessoas não sabem qual vai ser o futuro próximo, se há desemprego ou não, se há rutura social. Isso está a levar a uma retração na procura. As famílias querem ver a evolução da economia para fazerem a troca do seu carro.
Medimos sempre o ciclo da economia pelo carro mais vendido. Em que segmento estamos?
Estamos num ciclo de downsizing. Não falando em modelos concretos, mas os segmentos B e C — o A é o de entrada — têm andado numa disputa. Isto para dizer que tem havido um downsizing para os utilitários. Mas isto também tem que ver com a questão da redução das emissões — é preciso ter modelos com emissões mais baixas — mas também com a fiscalidade, que tem em conta as emissões.
E os importados? O que está a acontecer neste mercado? Há um crescimento?
Sim, tem havido. Em 2020, foram registados à volta de 58 mil veículos contra 72 mil no ano anterior. Mas isto tem a ver também com a queda do mercado. Acompanhou a descida da economia. Porque a percentagem, medida através do mercado de novos, continua a andar à volta dos 30% a 32%. Neste momento há alguma redução de oferta no mercado de usados, pelo que os importados vêm colmatar essa situação.
Quando é que o mercado de automóveis novos volta aos níveis pré-pandemia? Só para o ano?
Nós esperávamos que fosse em 2021, mas neste momento acreditamos que será só para o ano. Isto continua muito parado. Achamos que só em 2022 poderemos voltar aos níveis pré-pandemia.
As empresas estão a tentar manter os postos de trabalho, há um esforço nesse sentido, mas não está a ser fácil a vida de concessionários e comerciantes de automóveis.
Em termos de impacto no setor. Há ideia do custo financeiro que está a ter no setor como um todo?
Não temos um valor, mas temos noção do custo que esta pandemia está a ter. Está a ser muito difícil para as estruturas empresariais suportarem a redução da procura. Nos primeiros meses da pandemia, o Governo criou mecanismos a que as empresas do setor automóvel recorreram, nomeadamente o lay-off. Entretanto, os apoios terminaram. O Governo continua a anunciar novas linhas de crédito, mas são linhas já muito focadas em micro e pequenas empresas e o setor automóvel dada a faturação do bem em questão muito dificilmente são micro ou pequenas empresas, são médias e grandes empresas. As empresas estão a tentar manter os postos de trabalho, há um esforço nesse sentido, mas não está a ser fácil a vida de concessionários e comerciantes de automóveis.
Quantas pessoas perderam o emprego no setor?
Não temos ainda esse impacto, mas a ideia que temos é que os nossos associados fizeram um grande esforço para manterem os postos de trabalho.
Esses postos de trabalho vão ser necessário no pós-pandemia? É que o setor está mais digital.
O setor automóvel já emagreceu bastante nestes últimos anos. Neste momento fala-se muito no digital, que é fundamental. O que assistimos nesta crise foi a dois tipos de situações que consideramos positivas. Primeiro, as empresas desmaterializaram os processos de venda de automóveis, houve a digitalização dos papéis, as pessoas deixaram de ir aos stands… Em segundo lugar, apostaram na divulgação dos seus produtos nos canais online, que também já existia, mas não desta forma. Isso veio para ficar, mas não acreditamos que tenha implicações na redução de pessoal. O automóvel obriga as pessoas a terem contacto com o bem. As pessoas vão muito ver o carro ao vivo. Querem ter esse contacto. Não vão encomendar sem fazer isso.
É uma decisão emotiva…
É muito emotiva. E é sensorial. E é tomada em família, que também vai ver o carro. Isso continuará a existir. Agora, o digital é fundamental e as empresas apostaram muito nesses canais digitais e na desmaterialização dos processos, para ser tudo feito online.
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“Só em 2022 as vendas de carros podem voltar aos níveis pré-pandemia”
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