Responsabilidade das Plataformas

  • Ana Ferreira Neves
  • 1 Outubro 2021

O caminho é de maior transparência, previsão de regras concretas para atuar perante conteúdo ilícito e maior proteção do consumidor, patamares essenciais para atingir um ambiente online mais seguro.

O mercado digital tem sido um tópico recorrente de discussão nos últimos anos. O desenvolvimento tecnológico a que temos assistido nas últimas décadas não tem precedentes e coloca novas questões e desafios quanto à necessidade de uma maior transparência e proteção dos consumidores. As instituições europeias têm adotado várias medidas legislativas que pretendem alcançar estes objetivos e tornar o meio online mais seguro. Se olharmos para os anos mais recentes vemos a importância que foi dada à proteção de dados pessoais com o RGPD, à matéria relativa aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais (Diretiva 2019/770) e às questões levantadas pelas plataformas digitais. Empresas como a Uber e o Airbnb, redes sociais ou marketplaces como o eBay são exemplos de plataformas para as quais os instrumentos legais existentes não se afiguravam suficientes.

Com vista a dar resposta aos problemas identificados nas plataformas digitais relacionados com a falta de transparência na relação com os consumidores, falta de escrutínio dos seus utilizadores profissionais, não responsabilização pelos conteúdos disponibilizados ou indefinição dos critérios a adotar na retirada de conteúdos ilícitos, a Comissão Europeia apresentou uma proposta de regulamento, o Digital Services Act, cujo foco é regular algumas destas matérias, com graus de exigência distintos consoante se trate de plataformas digitais ou de plataformas digitais de grandes dimensões.

Cabe salientar que no âmbito das relações entre os utilizadores profissionais e as plataformas digitais o Regulamento 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, já tinha vindo estabelecer regras. Assim, este regulamento veio prever várias obrigações entre as quais a de as plataformas assegurarem cláusulas contratuais claras e que prevejam os motivos para tomar decisões de suspensão, cessação ou outras restrições dos seus serviços, assim como a indicação dos principais parâmetros que determinam a classificação dos seus utilizadores e se esta classificação é influenciada por remuneração a pagar por estes.

A questão da responsabilidade das plataformas não foi objeto de tratamento neste regulamento. Este tema tem sido campo fértil de discussão entre os que consideram que é necessária uma maior proteção dos lesados cujos direitos de propriedade intelectual e privacidade são violados e os que entendem que uma responsabilidade direta das plataformas é um ónus extremamente elevado que tornaria estes negócios inviáveis.

Nesta matéria a proposta do Digital Services Act não é muito inovadora face ao regime hoje previsto no Decreto Lei 7/2004 de 7 de janeiro, no âmbito do qual vigora o princípio de isenção de responsabilidade e a ausência de um dever geral de vigilância dos prestadores intermediários de serviços. As plataformas apenas são responsáveis se tiverem conhecimento de um conteúdo manifestamente ilegal e não retirarem ou bloquearem acesso ao mesmo.

Caso o Digital Services Act venha a ser corporizado num regulamento nos termos atualmente previstos manter-se-á assim o pilar da isenção de responsabilidade e a ausência de um dever geral de vigilância. Adicionalmente, estabelecer-se-ão requisitos para as notificações às plataformas de pedidos de retirada de conteúdos ilícitos e as decisões terão nestes casos de ser fundamentadas. Exigir-se-á também às plataformas obrigações de due diligence relativamente aos seus utilizadores profissionais. Por outro lado, e este é um avanço relevante em termos de proteção do consumidor, as plataformas que atuam como marketplaces poderão ser responsabilizadas sempre que apresentem um elemento específico da informação ou permitam que a transação leve um consumidor médio e razoavelmente informado a acreditar que a informação ou produto ou serviço objeto da transação é fornecido pela plataforma.

O caminho é assim de maior transparência, previsão de regras concretas para atuar perante conteúdo ilícito e maior proteção do consumidor, patamares essenciais para atingir um ambiente online mais seguro.

  • Ana Ferreira Neves
  • Associada principal da Garrigues

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