O Auto da Barca do Défice Excessivo: o Comandante, o Anjo da Guarda e o Diabo
Portugal apresentará, nas contas finais de 2016, o défice orçamental mais baixo desde o 25 de abril, e dirá em Bruxelas que sem retificativos atingiu o seu objetivo
Quem será o Anjo da Guarda? Quem será o Mafarrico? Quem ocupa com eles com a Barca do Défice Excessivo? A Barca do Défice Excessivo já teve vários comandantes – de todos os partidos de Governo. Foi sempre conduzida em mar revolto, quase nunca chegou a bom porto. Dele se aproximou em 2007, mas logo em 2009 voltou a desviar-se até que novo comandante – Centeno – a reconduziu no caminho certo, com um mix de políticas eficazes, com menos crescimento que o pretendido, mas com muito menos desemprego (com impactos positivos na despesa e na receita). Teve um Anjo da Guarda – e seus coadjuvantes: um Primeiro-ministro comprometido com a meta do défice, e dois partidos à esquerda que nos momentos decisivos não claudicaram. E o comandante da Barca do Défice Excessivo lá foi insistindo: ‘A rota é segura apesar do mar revolto!’. Não temos “gentil maré”.
Portugal apresentará, nas contas finais de 2016, o défice orçamental mais baixo desde o 25 de abril, e dirá em Bruxelas que sem retificativos atingiu o seu objetivo. E mais: a Barca do vizinho vai bem mais ‘desviada’ que a nossa. É certo que a Espanha cresce. Pois cresce, mas com um défice orçamental que duplica o português em percentagem do PIB. Se Portugal tivesse o mesmo nível de défice, o que não é desejável, também cresceria bem mais do que os esperados 1,2% a 1,3% do PIB.
Mas o Mafarrico – o Diabo – está à espreita. Esperando que o Comandante cometa erros. E vai-lhe colocando obstáculos no caminho. Ora criando sucessivos casos em torno da CGD, quer, ainda antes, desviando as atenções das suas responsabilidades, procurando um enredo diferente para o caso Banif. O Mafarrico sabe que se o Comandante tirar os olhos do objetivo isso se traduzirá em mais dificuldades, e também sabe que o Diabo está nos detalhes, e que esses pequenos episódios não ‘matam, mas moem’. Mas Portugal – a vida dos portugueses – precisa com urgência da confirmação de encerramento do procedimento de défice excessivo, de um primeiro trimestre de boa execução orçamental e de uma resolução ‘menos má’ do caso ‘Novo Banco’. Este é o percurso necessário – não suficiente – para que Portugal, perante a saída progressiva do BCE do mercado dívida soberana (o que já se vai notando nos juros no mercado secundário), possa ultrapassar a ‘tormenta’ na política europeia em 2017.
O Diabo – que também está cá dentro e não vem apenas de fora – quer agarrar a o leme da barca, ainda que isso implique uma forte ‘guinada’ e os portugueses, a bordo, voltem a sofrer cortes nos salários, nas pensões, e uma degradação das prestações sociais. Nesse dia, se ele algum dia esse dia chegasse, à pergunta do povo ‘remador’ – que não do Fidalgo como na Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente “Porém, por que terra passais?”, o Diabo voltaria a responder: “Para o Inferno, Senhor”.
E por isso, com a experiência do passado, dos equívocos em torno do PEC4, e da política custe o que custar, mesmo violando direitos fundamentais, os portugueses conhecem bem as feições do Diabo e esperam que o Comandante tenha a força do Anjo da Guarda para resistir e prosseguir o caminho. Não levar o país para “o Inferno” significa levar a barca até ao encerramento do procedimento de défice excessivo, sem atingir quem tem o leme nas mãos. O Mafarrico ataca quem tem o leme, mas seremos nós os remadores da barca que nos conduzirá ao ‘Inferno’ se nos deixarmos ir na cantiga de ataque ao Comandante. Lembrem-se que hoje não temos “gentil maré”. E que sempre que que procurámos com obstinação e ansiedade tomar o leme sem ter em atenção as condições de ‘maré’ o povo português pagou com severidade essa ousadia.
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