EAD, das caixas de papelão à nuvem digital
A EAD, Empresa de Arquivo de Documentação, é uma firma portuguesa analógica. Gere mais de 500 quilómetros de arquivos em caixas de cartão, mas aposta agora num serviço de backups na 'cloud'.
Ditam as regras de segurança que uma cópia nunca deve ser mantida perto da origem da informação. E cada vez mais, as empresas percebem a importância de ter backups da informação que produzem, reduzindo o risco de perda de dados. Pôr esses backups num computador remoto é uma solução. E a cloud, a nuvem digital, é um mercado em constante valorização.
A mesma cloud na qual aposta agora uma companhia como a EAD, sigla para Empresa de Arquivo de Documentação, fundada por Paulo Veiga em 1993, quando os computadores ainda eram um futurismo de gente maluca. Esta empresa, com sede em Palmela e mais de 20 anos de experiência em manutenção e gestão de arquivos analógicos, lançou um serviço para retirar os backups das empresas e pô-los na nuvem — ou, mais propriamente, num pequeno datacenter na Matinha.
“Temos quase 500 quilómetros de arquivos nas nossas instalações, em caixas de cartão”, conta ao ECO o presidente executivo da EAD e responsável pela Casa do Benfica de Palmela, Paulo Veiga. “Sabemos que temos de estar presentes em todos os nichos de mercado que tenham a ver com dados, com informação, com conhecimento, com documentos. E nós começámos a perceber que tínhamos o negócio mal montado”, admite.
"Começámos a perceber que tínhamos o negócio mal montado.”
Para já, não descarta o mundo analógico: “Tenho muitas tapes em cofre [um formato analógico de arquivo de informação]. Ainda agora recebemos 16.000 tapes de um cliente tradicional. As grandes organizações têm muita resistência à mudança e isto da cloud não é o que parece para todos. Assusta um bocado”, sublinha. Mas foi numa ida à feira anual Cloud Expo Europe, em Londres, que surgiu a oportunidade e a ideia de lançar um serviço desse género, em parceria com uma grande empresa internacional: a Carbonite.
“A nossa cloud é uma cloud privada. O nosso datacenter primário está na Matinha. O ferro é nosso, a rack [estrutura que agrupa várias máquinas] é nossa e temos capacidade para 12 TB instalados. Não é muito, mas já é alguma coisa. Neste momento temos metade [ocupado], não só com isto da cloud, que deve ter um terabyte ou dois”, revela. Por um lado, a ideia é que, quando uma empresa decide “investir num novo sistema de backups“, a EAD consiga proporcionar “uma solução de cloud” bem portuguesa e em território nacional. Por outro, a Carbonite apenas licencia o software.
As grandes organizações têm muita resistência à mudança e isto da cloud não é o que parece para todos. Assusta um bocado.
Ainda assim, o negócio da EAD ainda assenta muito no analógico. E quanto à derradeira questão do futuro do papel, o responsável pela companhia não acredita que vá acabar totalmente: “O papel adapta-se à nossa maneira de ser, porque eu faço uma leitura rápida, transversal, tiro uma nota, imprimo, levo para casa. Nessa perspetiva, não consigo abdicar [dele]. Nem as organizações”, garante.
E sintetiza: “O mundo vai ser digital? Vai. Os nossos filhos e os nossos netos vão ler o Expresso no tablet? Vão, acredito que sim. Eu já não consigo. Eu sou da geração X, não sou do milénio. E ainda tenho de beber um chá, fumar um cigarro e ler o Expresso [em papel] de manhã. E recebo a assinatura digital, recebo a Visão digital, e não tenho paciência para a ir sacar”, confessa Paulo Veiga.
Um empreendedor antes de virar moda
Duas décadas são muito tempo. Mas vale a pena recuar um pouco para conhecer a história da origem da EAD, que se cruza com o percurso de vida do fundador. A ideia nasceu quando, no quarto ano dos cinco que passou pelo ISEG, Paulo Veiga veio com a base desta empresa de gestão documental. Estávamos em 1993. Nessa altura, “startup” era um conceito desconhecido da generalidade do público.
A Paulo Veiga valeu um business angel, “que foi um antigo professor meu da faculdade”. “Estava à procura de alunos para fazer umas empresas e os marrões, os gajos bons com as médias de 16 e 17, foram todos para o Banco de Portugal, para o Totta. Eu estava a ver que tinha de fazer pela vida porque acabei o curso com média de 11,5″, recorda. O professor foi quem o ajudou a fundar a firma, que esteve para se chamar “Companhia Portuguesa de Arquivos”. O Registo Nacional de Pessoas Coletivas não deixou, e ficou EAD. “É horrível”, ironiza.
Mais tarde, recebeu a proposta para vender 51% da empresa aos CTT, por 2,4 milhões de euros. Aceitou: “Alguém nos CTT disse que isto fazia sentido na cadeia de valor dos correios. E os correios abordaram-nos. Não acredito no destino: os correios são encarnados. Nós somos encarnados. Sou do Benfica. Tenho Carteiro no nome. E a minha mãe nasceu no Dia Mundial dos Correios. Pensava que aquela relação era para sempre”, brinca novamente.
[Os CTT] perceberam sempre que o empresário e empreendedor era eu e que, se aquilo ficasse lá, era comido pela estrutura.
A relação durou oito anos, até Paulo Veiga recomprar a parcela por 2,75 milhões e euros. Uma experiência proveitosa, que se mantém ainda hoje sob a forma de uma parceria: “Foi muito bom para o desenvolvimento, quer da minha equipa de gestão, quer da EAD, esta passagem por uma grande casa. A empresa faturava o dobro, tinha mais certificações, mais competências. Mas perceberam sempre que o empresário e empreendedor era eu e que, se aquilo ficasse lá, era comido pela estrutura”, frisa o empresário.
Desde então, a empresa mantém-se em rota de crescimento. O segredo? “Fomos evoluindo, ao longo dos anos, fomos analisando sempre as tendências do mercado. Temos uma riqueza única deste histórico e temos o know-how que fomos adaptando às necessidades portuguesas”, diz. Mas apesar de já ter sido considerada uma das melhores empresas portuguesas para se trabalhar, Paulo Veiga não é “um líder de pessoas”.
É o próprio quem o diz: “Fui sempre um bocado interesseiro. Eu quero que pessoas normais sintam que são excecionais. A minha liderança é de manipulação. Tenho um bocadinho esta tendência e faço muito empowerment. É assumido. Sou um manipulador de pessoas”, remata ao ECO. E acrescenta: “A seguir a comprar, o que eu gosto mais de fazer é vender. Eu faço muita psicologia desde que acordo. Negoceio tudo, estou sempre a negociar”, garante.
"A minha liderança é de manipulação. (…) É assumido. Sou um manipulador de pessoas.”
Resta falar dos números. A EAD prevê fechar as contas de 2016 com uma faturação na ordem dos 4,8 milhões de euros. Em 2015, faturou 4,5 milhões de euros, de acordo com dados cedidos pela própria companhia. Metade do volume de negócios recai sobre a custódia e gestão de arquivos intermédios, seguindo-se a digitalização de documentos, com uma fatia de 24%. Em 2016, a empresa digitalizou quase 20 milhões de documentos. Quanto ao modelo de cloud agora lançado, existem já cinco clientes a usufruir do serviço.
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