As tecnologias de informação cresceram 2% em Portugal em 2020, em contra-ciclo com a fortíssima quebra do PIB. Para o vice-presidente da IDC, o 5G é um game changer, tal como o smartphone há 12 anos.
Além da Cloud, da Internet of Things ou da Inteligência Artificial, há novas tecnologias que vão crescer de forma acelerada nos próximos anos, transformando os modelos de negócio. É o caso do investimento em realidade aumentada, que deverá duplicar anualmente nos próximos cinco anos, e do blockchain, que crescerá 40%. Números partilhados por Gabriel Coimbra, vice-presidente da consultora IDC, que diz também que “O 5G é um game changer, tal como aconteceu há 12 anos atrás com o smartphone, que mudou as nossas vidas”.
Números que estarão evidência no evento IDC Directions, que arrancou na segunda-feira, dia 27, e prolonga-se até dia 1 de outubro. Já na sua 24ª edição, este fórum digital é um dos maiores eventos de Tecnologias de Informação (TI) e de transformação digital no país. A pandemia acelerou a transição também em Portugal, com o investimento em TI a crescer 2% em 2020, em contraciclo com a economia, e a presença online das empresas a dar um salto brutal.
A IDC estima que, em 2023, mais de metade da economia mundial esteja digitalizada, ou seja que mais de metade dos produtos e serviços estejam conectados. Que mercados e que áreas de atividade estão mais avançados?
Devido ao contexto que vivemos atualmente é um facto curioso notar que pela primeira vez verificamos uma correlação inversa entre economia e investimento em tecnologias. Ou seja, o ano passado registou uma das maiores quebras do PIB a nível global, mas contrariamente às outras crises, como as de 2000 e de 2010, em que o investimento em Tecnologias de Informação (TI) caiu, desta vez isso não aconteceu. A nível global, a economia caiu cerca de 5% e o mercado da TI incrementou quase 3%. Em Portugal, a quebra do PIB foi ainda maior e as TI cresceram 2%. Ou seja, houve uma mudança de paradigma económico, onde as TI e o digital se tornaram um driver da recuperação económica.
A pandemia veio acelerar a transformação digital que já estava a acontecer nos últimos anos. Demos um salto tecnológico quântico: a sociedade em geral deu um salto de 10 anos, e nas empresas, esse salto foi de dois, três anos ou mais anos. Esta digitalização não aconteceu ao nível dos processos, como no passado, mas representou uma mudança na forma como as organizações se relacionam com os seus clientes e, sobretudo, como desenvolvem produtos e serviços. Atualmente, desde o setor automóvel ao retalho, passando pela indústria e pelos serviços, todos incorporam na sua relação com os clientes os canais digitais. Os próprios produtos estão hoje também conectados. Se pensarmos num carro que está ligado à rede, esse é um produto digital, ou numa máquina de café conectada é um produto digital. Hoje uma encomenda a um restaurante feita através de uma aplicação é um produto digital. Quando dizemos que mais de 50% da economia será digital queremos dizer que, em todos os setores, metade do relacionamento com o cliente, na sua oferta de produtos e serviços, incorpora o digital. Já observamos isso hoje em setores mais avançados, como as telecomunicações e a banca, e começamos também a ver no setor dos seguros, no retalho, na indústria ou na restauração.
A crise pandémica foi um acelerador para a transformação digital e muitas empresas, sobretudo pequenas e microempresas, que tinham os seus projetos atrasados, tiveram de os avançar mais rapidamente. Sentiu-se um aumento da procura de serviços de TI por estas empresas?
Houve uma procura grande de soluções tecnológicas que permitissem às empresas ser mais resilientes ao longo desta crise. Se olharmos para dois indicadores sobre a economia digital em Portugal – durante o ano passado inquirimos mais de mil empresas sobre o tema -, verificámos que, em 2019, só 39% do total das empresas (grandes, médias, pequenas e micro) tinham presença online, nomeadamente através de website. No final de 2020, a nossa estimativa é que esta presença tenha aumentado para os 60%. No caso do comércio eletrónico, o crescimento foi de 16% para 27%, isto apenas no espaço de poucos meses.
Portanto, isso mostra que o mercado necessitou mesmo acelerar todos estes processos de digitalização para sobreviver….
É curioso verificar que, ao longo dos últimos 10 anos, o incremento anual era muito pequeno: em 2017 a presença online era de 35%, em 2018 era de 37% e, em 2019, esta percentagem era de 39%. O crescimento da presença online das empresas portuguesas era muito linear e, em 2020, demos um salto brutal para os 60%, por isso não tenho dúvidas que a crise foi um acelerar destes processos. O mercado empresarial deu um salto de três, quatro ou mesmo cinco anos, naquilo que era a adoção digital por parte das empresas.
Sabemos que houve um grande número de empresas que não conseguiram sobreviver. Um segmento de mercado foi resiliente, mas não podemos dizer que todo o mercado foi resiliente.
Quer dizer então que o balanço que faz da resiliência digital das empresas nacionais durante a pandemia é positivo?
Convém referir que houve muitas que deram esse salto, mas também houve muitas outras que não deram. Quanto à resiliência, não temos dados concretos sobre quantas empresas resistiram. O que sabemos é que houve um determinado número de empresas que conseguiram ser resilientes e se adaptaram, que deram um salto tecnológico e que conseguiram manter-se ativas. Mas também sabemos que houve um grande número de empresas que não conseguiram sobreviver. Um segmento de mercado foi resiliente, mas não podemos dizer que todo o mercado foi resiliente.
Qual foi, em 2020, a despesa total do mercado nacional em TI e que estimativas tem para os próximos anos? Qual o crescimento estimado deste investimento?
Em 2020, o mercado das Telecomunicações e das TI atingiu os 8 mil milhões de euros. Se olharmos para estes dois mercados em conjunto, o crescimento foi nulo. Porém, se olharmos só para o mercado das tecnologias, que já vale 4 mil milhões de euros, esse crescimento foi de 2%, crescimento que está em contraciclo com a economia. E mais: nem todos os segmentos das TI crescem da mesma forma. Na IDC analisamos as tecnologias mais disruptivas, como a Cloud, a Cibersegurança, a Mobilidade, a Inteligência Artificial (IA), a Internet of Things (IoT), o Blockchain (a que chamamos de terceira plataforma e de aceleradores de inovação) e estas cresceram a dois dígitos enquanto as tecnologias de segunda plataforma, obsoletas, decresceram 2%.
Que leitura pode ser feita desses dados, em termos de mercado? Que a transição da segunda para a terceira plataforma está a acontecer a bom ritmo?
A leitura é que já antes estávamos a assistir à transição da segunda para a terceira plataforma, com as empresas a passarem os seus sistemas para a Cloud, a serem cada vez mais móveis, a utilizarem o IoT e a começarem a utilizar uma série de tecnologias mais disruptivas. Esta crise não só acelerou a adoção da tecnologia, como acelerou ainda mais a transição da segunda para a terceira plataforma. Em 2020 foi o ano em que vimos a maior aceleração na adopção de tecnologias como a Cloud, o IoT, a IA.
Depois há áreas com crescimentos maiores: a realidade aumentada que deverá crescer 99% anualmente nos próximos cinco e o blockchain que crescerá 40%.
Dessas tecnologias quais são as que estão a conquistar maior terreno nesta fase de transição digital?
A IDC analisa vários segmentos e todos eles registaram crescimento. Prevemos que nos próximos cinco anos, a Cloud cresça cerca de 11% ao ano, as soluções de IoT deverão crescer 12% ao ano e as soluções Inteligência Artificial estão a crescer 25%. As soluções de robótica estão a aumentar 10%, as de segurança 8% anualmente. Depois há áreas com crescimentos maiores: a realidade aumentada que deverá crescer 99% anualmente nos próximos cinco e o blockchain que crescerá 40%. Como são tecnologias mais recentes e mais disruptivas é normal que os valores de mercados ainda não sejam significativos, logo os crescimentos são também mais elevados.
De que forma a adoção desta tecnologia impactou a forma de fazer novos negócios?
Todo este este processo de aceleração tecnológica que falamos também acelerou a disrupção do negócio. Ou seja, à medida que vimos a adoção dessas tecnologias vimos também uma maior aceleração da disrupção dos modelos de negócios. Temos cada vez mais novos modelos desenvolvidos utilizando essas mesmas tecnologias. Cada vez mais há uma tentativa de criar ecossistemas digitais, de indústrias mais interligadas, as indústrias relacionadas com a mobilidade urbana, com os pagamentos, até com a própria conectividade das nossas residências, tudo isto cria uma série de novos modelos de negócio.
O 5G é um game changer, tal como aconteceu há 12 anos com o smartphone, que mudou as nossas vidas.
De que forma o 5G, que está com algum atraso de implementação no nosso país, vem acelerar a maior disrupção e novos modelos de negócio?
O 5G é um game changer, tal como aconteceu há 12 anos atrás com o smartphone, que mudou as nossas vidas e que permitiu que com um telemóvel na mão conseguíssemos ter uma série de serviços que antes não era possível. O 5G vai elevar isso a um outro patamar. Vai permitir que tudo esteja conectado e que seja possível interagir de forma inteligente, não apenas com as outras pessoas, mas com todos os objetos e com tudo o que está à nossa volta. E essa conetividade vai criar mais uma disrupção em termos de modelos de negócios, porque passam a existir dados relacionados não só com as pessoas, como também com as coisas. Na nossa perspetiva o 5G vai de facto criar disrupções grandes em todos os setores. Se o 5G estivesse disponível hoje estaríamos já num outro nível dos negócios. O facto de acelerar a velocidade da mudança, quem iniciar mais cedo tem uma vantagem enorme, porque o tempo de espera vai criar uma lacuna em termos de desenvolvimento e, por isso, é fundamental ter o 5G disponível, pois outros países já estão a criar o seu caminho.
Quais são os maiores entraves para a transformação digital das empresas portuguesas?
Esta questão prende-se muito com a visão e a ambição das empresas. Na minha perspetiva faltam as duas. Depois, por outro lado, também faltam muitas competências digitais, nos vários níveis. Na liderança, sem dúvida, mas também faltam competências ao nível mais intermédio e técnico. Em Portugal temos bom talento, precisamos é de maior quantidade. Temos excelentes universidades que estão muito bem posicionadas a nível europeu e mundial, mas precisamos atrair mais. Não digo só pessoas, mas também mais empresas e criar mais dinâmica no ecossistema, para que haja um espírito mais empreendedor, mais ambicioso, com visão. Nos últimos 10 anos houve também um salto quântico naquilo que foi a capacidade de Portugal estar no mapa dos ecossistemas de empreendedorismo e de startups emergentes. Ainda não estamos a competir com os grandes centros, mas naquilo que são os novos players já nos estamos a posicionar como um potencial hub empreendedor a nível europeu. Mas, de facto, é preciso acelerar ainda mais, temos de continuar a dar saltos.
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“Presença online das empresas nacionais aumentou de 39% para 60% num ano”
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