Parecer jurídico considera “inconstitucional” fixação de margens máximas nos combustíveis
Um parecer jurídico divulgado pela Apetro considera “inconstitucional” a fixação pelo Governo de margens máximas na comercialização de combustíveis.
Um parecer jurídico divulgado esta sexta-feira pela Apetro considera “inconstitucional” a fixação pelo Governo de margens máximas na comercialização de combustíveis e um estudo da Deloitte alerta para os “riscos” para o regular funcionamento do setor e “impactos” no consumidor.
Em causa está a proposta de lei n.º 109/XIV/2.ª (GOV), cujo texto final foi esta sexta-feira aprovado na Assembleia da República e que “altera o regime jurídico vigente no sentido de habilitar o Governo a intervir com a fixação de margens máximas em todas as componentes das cadeias de valor de gasolina e gasóleo simples e de GPL engarrafado”.
De acordo com o Governo, autor da proposta aprovada esta sexta-feira em plenário, o objetivo é permitir ao executivo limitar as margens na comercialização de combustíveis por portaria, caso considere que estão demasiado altas “sem justificação”.
Nos termos do diploma, “independentemente da declaração de situação de crise energética […], por razões de interesse público e por forma a assegurar o regular funcionamento do mercado e a proteção dos consumidores, podem ser excecionalmente fixadas margens máximas em qualquer uma das componentes comerciais que formam o preço de venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL engarrafado”.
Um parecer jurídico pedido pela Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) à Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados (SRS) conclui, contudo, pela “desconformidade da proposta de lei face à Constituição da República Portuguesa e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”.
Segundo sustenta, “não há estado de necessidade ou emergência administrativa que justifique a norma em branco que a proposta de lei confere ao Governo”.
“De facto, a proposta de lei não fundamenta a intervenção regulatória do Governo, […] nem em qualquer crise energética, nem qualquer estado de necessidade ou administrativa: o Governo poderia intervir em qualquer circunstância que entendesse qualificar como ‘evento de distorção do mercado’ – o que chega a ser uma norma administrativa totalmente vazia de conteúdo”, considera.
Para justificar a “inconstitucionalidade” da proposta de lei, a SRS aponta o facto de colidir com o princípio de “liberdade de fixação de preços por parte dos operadores” e com a “exigência da proteção da confiança, decorrente do princípio da segurança jurídica”, dado o seu” caráter vago, genérico e incerto, que […] impede qualquer planeamento financeiro e de gestão da atividade dos operadores económicos”.
O parecer jurídico refere ainda que a proposta de lei “configura uma manifesta restrição ao direito de iniciativa privada” e que “o impacto possível da medida no preço final é diminuto”, pelo que “o legislador escolheu uma medida eventualmente eficaz, mas irremediavelmente ineficiente”.
“Se, por um lado, o peso de venda ao público é composto em cerca de 10% pelas margens sobre a quais se pretende intervir – assim restringindo a liberdade de gestão de empresa, componente da iniciativa económica privada – por outro, esse mesmo preço final é composto em mais de 50% por impostos (designadamente o Imposto sobre o Valor Acrescentado e o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos)”, precisa.
Segundo acrescenta, “tal significa que, estando o Governo preocupado com o preço de venda ao público dos combustíveis, tem ao seu alcance uma medida – a descida de impostos, nomeadamente do ISP – que, sendo adequada à produção do efeito de descida do preço final dos combustíveis, assegura esse mesmo efeito sem restringir qualquer direito, liberdade e garantia”.
Também hoje divulgado pela Apetro foi um estudo de impacto pedido pela associação à consultora Deloitte, que conclui que “a proposta de lei assenta num conjunto de premissas que não refletem a realidade do setor, existindo riscos e impactos associados à aplicação de um mecanismo desta natureza”.
“A intervenção do Governo nas margens apresenta maior nível de risco para o funcionamento regular do mercado do que benefícios que aporta para o consumidor”, sustenta, salientando que a medida “não terá precedentes na União Europeia, tendo sido identificados alguns casos com limitação do PMVP [Preço Médio de Venda ao Público] que impactam a concorrência”.
De acordo com as conclusões do estudo, “a evolução da margem bruta unitária [no setor dos combustíveis em Portugal] está em linha com o verificado na UE [União Europeia] e “não tem associado um crescimento da margem líquida dos operadores”, sendo a carga fiscal o fator determinante para o aumento da diferença do PMVP face à média da UE nos últimos anos”.
“A evolução da margem bruta unitária (por litro) não tem associado um crescimento da margem líquida para os operadores”, sustenta a Deloitte, apontando que “a carga fiscal é a componente mais relevante na composição do PMVP, tendo o seu peso aumentado nos últimos anos” (entre dois e oito pontos percentuais nos últimos cinco anos, estando atualmente “acima da média europeia”).
Segundo a consultora, “intervenções estatais desta natureza acarretam riscos para o regular funcionamento do setor”, nomeadamente a “redução da [sua] atratividade”, “da rede de distribuição e ‘players’ com menor dimensão” e “da capacidade de investimento do setor”, a par do “aumento do preço final para o consumidor”, da “distorção da concorrência no setor” e da “afetação dos volumes no mercado nacional”.
A Deloitte alerta ainda para “um conjunto de impactos a nível do consumidor, socioeconómico e de receita e despesa do Estado”.
Para o consumidor, precisa, pode estar em causa um “aumento do preço final” e uma “redução da qualidade de serviço”, enquanto a nível socioeconómico há um risco de “degradação do VAB [Valor Acrescentado Bruto]”, de “aumento de atividades informais” e de “redução do emprego e do investimento no setor”.
Já ao nível da receita e despesa pública, a consultora adverte para a possível “redução da receita fiscal”, “aumento da evasão fiscal”, “redução das contribuições para a Segurança Social” e “aumento da despesa pública”.
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