Juros altos, juros negativos. Como assim?
Investidores pagam a Portugal para absorver dívida de curto prazo. Mas cobram mais ao país para deter dívida de longo prazo. Porquê? Analistas estranham comportamento do mercado, mas lançam palpites.
Por que é que Portugal vê os custos de financiamento de curto prazo cair para mínimos históricos em terreno negativo, como aconteceu no leilão desta quarta-feira, quando as taxas a longo prazo disparam? Os analistas não disfarçam algum desconforto quando tentam responder a esta pergunta. Mas lançam palpites. Com a taxa de depósitos do Banco Central Europeu (BCE) nos -0,4%, compensa aos bancos apostar em títulos com maturidades muito curtas mesmo que a taxas negativas. Além disso, os bilhetes de Tesouro da Zona Euro beneficiam de uma perceção de risco do mercado que as obrigações não têm: não sofreram com o perdão grego.
O IGCP levantou hoje 1.250 milhões de euros em dívida a três e 11 meses. E pagou os juros mais negativos de sempre. Isto é, os investidores não se importaram de pagar para absorver estes títulos portugueses de muito curto prazo. Ainda assim, há uma semana, o resultado do leilão de obrigações a sete anos cifrou-se numa subida dos custos de financiamento em oito meses para o dobro. Em janeiro, a emissão sindicada resultou também num agravamento acentuado dos custos de financiamento da República. Em ambas as operações, os investidores cobraram mais a Portugal para comprar a nossa dívida.
“É um tema difícil de entender”, admite Filipe Silva, diretor da Gestão de Ativos do Banco Carregosa. “Explica-se, essencialmente, pela falta de alternativas de investimento. Investir no curto prazo pode ser uma escolha dos investidores não para ganhar, mas para perder menos. Para os bancos, depositar dinheiro no BCE custa-lhes 0,4% negativos. Ter a dívida em bilhetes do Tesouro a três meses custa 0,2% negativos“, explica.
Taxa na dívida a 11 menos em mínimos abaixo de zero
Desde junho de 2014 que a autoridade monetária tem a taxa de depósitos das instituições nos cofres do banco central em valores negativos, com o objetivo de estimular os bancos a concederem mais crédito à economia. A medida faz parte de um plano mais amplo do BCE para fazer descolar a atividade económica na Zona Euro, fortemente castigada com a crise financeira.
Deste plano faz ainda parte o agressivo programa de compra de ativos no setor público, através do qual a instituição liderada por Mario Draghi adquire dívida dos governos diretamente aos investidores, contribuindo para um ambiente de baixos juros da dívida. Só que há regras no programa que restringem o alcance da bazuca. E por causa disso o BCE está a ficar sem obrigações portuguesas para comprar, situação que está a provocar alguma turbulência no mercado obrigacionista português e levou yield da dívida a dez anos a escalar para cima de 4%. Isto explica em parte a subida dos custos de financiamento no longo prazo. Há mais razões.
O perdão grego
David Schnautz, estratego do Commerzbank, sublinha que a decisão do BCE de alargar as compras para obrigações com um período de maturidade entre um e dois anos também ajuda a contextualizar um pouco esta divergência “notável” nos custos de financiamento de curto prazo face ao financiamento longo prazo. Acrescenta, ainda assim, outro fator que perdura na mente dos investidores quando surge a decisão de investir em obrigações: a reestruturação da dívida grega.
“Comparando a situação dos bilhetes com a situação nas obrigações… foi especialmente complicado para a dívida mais frágil sobretudo depois da reestruturação das obrigações gregas, algo que não aconteceu com os bilhetes gregos, confirmando que estes instrumentos comportam um risco de crédito diferente”, considera este especialista.
Taxa na dívida a sete anos duplica
Quaisquer que sejam as justificações que ajudam a explicar a baixa nos custos de curto prazo, mais fácil se torna apontar causas para o facto de cada ida ao mercado de obrigações (longo prazo) estar a ser cada vez mais penoso para Portugal.
Em janeiro, o BCE comprou menos dívida portuguesa, um travão a fundo que sinaliza a menor a margem da intervenção autoridade monetária no mercado obrigacionista português que tem ajudado a proteger Portugal dos humores dos investidores.
E isto acontece numa altura em que a taxa de inflação na Zona Euro começa a dar argumentos para um aperto na política monetária, seja por via do fim dos estímulos monetários menos convencionais (programa de compra de dívida), seja por via da taxa de juro diretora, cuja subida virá provocar uma reavaliação dos ativos na região — tal como já está a acontecer nos EUA.
"Temos plena consciência dos constrangimentos existentes e que é necessário garantir o financiamento da economia portuguesa. Temos de acautelar todos os mecanismos que permitam que esse financiamento se concretize.”
Por outro lado, além dos fatores externos, Portugal não tem dado descanso aos investidores. Sobretudo porque o sistema bancário continua a ser um fator de incerteza, conforme já explicitaram por várias vezes as agências de rating. Há sobretudo o receio de que os dossiês Caixa Geral de Depósitos e Novo Banco venham a penalizar as contas públicas.
Na frente económica, os últimos dias até poderão ter significado um balão de oxigénio. A economia cresceu mais do que o esperado, segundo revelou o INE esta terça-feira. E já esta quarta-feira Mário Centeno, ministro das Finanças, assegurou que o défice orçamental português terá ficado num nível não superior a 2,1%, bem abaixo da meta da Comissão Europeia. Tudo para mercado ver.
“Temos plena consciência dos constrangimentos existentes e que é necessário garantir o financiamento da economia portuguesa. Temos de acautelar todos os mecanismos que permitam que esse financiamento se concretize”, explicou Centeno. E frisou ainda: “Temos o grande desafio que é a melhoria das condições desse financiamento”.
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