Poupámos mais do que nunca na pandemia. Vamos gastar tudo agora?
Os portugueses pouparam o dobro na pandemia face ao "normal". Será que vão gastar essa poupança extra? Os economistas antecipam uma redução da poupança, mas duvidam que se gaste o "extra" acumulado.
A taxa de poupança dos portugueses começou a encolher no segundo trimestre deste ano com o arranque do desconfinamento e essa trajetória de descida deverá manter-se nos próximos trimestres. Porém, há várias questões que se colocam: a taxa de poupança vai reduzir-se para os níveis pré-pandemia? E os portugueses vão gastar o “extra” acumulado durante a pandemia? Para o Dia Mundial da Poupança, que se assinala a 31 de outubro, o ECO foi à procura de respostas.
Os economistas consultados pelo ECO confirmam a ideia de que a taxa de poupança vai continuar a cair de forma natural. “Sim, prevemos que se mantenha a tendência de redução gradual“, confirma Paula Carvalho, economista-chefe do BPI/CaixaBank. Uma opinião corroborada por Rui Constantino que diz que “a taxa de poupança deve descer, até porque uma parte da poupança acrescida decorreu da impossibilidade física de realizar despesa (em bens e serviços não alimentares)”.
Para o economista-chefe do Santander Totta “o desconfinamento permite voltar a realizar despesa”, o que terá “impactos na capacidade de realização da poupança“. Isso já se verificou nos dados do segundo trimestre deste ano em que a taxa baixou para 11,5% — após um pico de 14,2% no primeiro trimestre — por causa do consumo ter disparado com o desconfinamento iniciado em março e acelerado nos meses seguintes.
A taxa de poupança — que é a parte do rendimento disponível que não é despendida enquanto despesa de consumo — divulgada pelo INE corresponde à média dos últimos quatro trimestres e não apenas do trimestre. Será necessário esperar pelos próximos dados para saber se a trajetória se manterá ou não. A leitura dos dados específicos de cada trimestre não é a ideal por causa da oscilação ditada pelo subsídio de férias (segundo trimestre) e pelo subsídio de natal (quarto trimestre).
Taxa de poupança já baixou no segundo trimestre de 2021
Porém, a taxa não vai voltar ao “velho normal” em que oscilava entre os 6% e os 8%. A expectativa é que estabilize “acima dos níveis pré-covid”, prevê Paula Carvalho, sem especificar um valor. Tal pode ocorrer por diversas razões, nomeadamente uma que era levantada por economistas do BCE num estudo recente: os contribuintes podem começar a interiorizar que o atual aumento da dívida pública será pago com mais impostos no futuro e, por isso, aumentam a poupança em antecipação.
Rui Constantino também prevê que “a poupança passe a ser menor do que tivemos durante o pico da pandemia, mas superior ao que tínhamos no período pré-pandemia“. Tal acontece porque uma parte da despesa não realizada durante a pandemia “não se pode repor”, como é o caso de férias, jantares, espectáculos, entre outros. Já a aquisição de bens duradouros foi “adiada pontualmente”, mas está “a ser realizada”.
Outra das questões essenciais em cima da mesa é saber se os portugueses vão gastar a poupança “extra” acumulada durante a pandemia, o que poderia dar um estímulo à economia. Em causa estão 9,5 mil milhões de euros de poupança face ao que seria comum num ano sem pandemia, o que equivale a quase 5% do PIB português. Essa poupança “forçada” levou a taxa para os 14,2% do rendimento disponível no primeiro trimestre, o valor mais elevado desde pelo menos 1999, ano em que começa a série do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Paula Carvalho admite que “parte da poupança deverá ser canalizada para consumo, embora de forma progressiva“, até porque houve consumo adiado durante a pandemia por causa das restrições, “mas depende da evolução da conjuntura e das perspetivas sobre o futuro imediato“. A economista-chefe do BPI/CaixaBank dá respaldo aos argumentos do Banco de Portugal e do Banco Central Europeu (BCE) de que a “maior parcela de acumulação de poupança terá ocorrido nos agregados de maior rendimento, que revelam menor propensão ao consumo imediato“.
Ainda assim, “o desfazer de parte da poupança acumulada será uma componente relevante no estímulo ao consumo nos próximos meses/anos“, concede, o que é uma boa notícia para a economia portuguesa na ótica da procura interna. Os economistas do Banco de Portugal também escreviam em junho que “não pode ser excluída a possibilidade de uma parcela destes recursos ser canalizada para consumo”.
Contudo, a crise política, dependendo da sua duração e incerteza, poderá ter consequências no sentimento económico dos empresários e dos cidadãos. A evolução da economia, nomeadamente o ritmo da recuperação e o estado do mercado de trabalho, deverão ser determinantes para as expectativas de poupança dos cidadãos.
Aumento dos preços “limitará marginalmente” a poupança
Outro fator que pode influenciar as intenções de poupança dos portugueses nos próximos meses é o aumento dos preços de alguns bens, nomeadamente dos combustíveis. Para já, Rui Constantino não valoriza demasiado este fenómeno: “O aumento dos preços, nesta normalização da despesa, é um pormenor menor“, diz, para logo de seguida ressalvar que isso não quer dizer “que não afeta o poder de compra das famílias”.
Paula Carvalho também desvaloriza o potencial impacto da subida dos preços que se observa atualmente: este efeito “limitará marginalmente a acumulação de poupança, mas não nos parece que venha a ser muito relevante”. No caso dos combustíveis, por exemplo, o Governo já aprovou medidas para colmatar parcialmente o aumento.
Contudo, os exemplos de aumento dos preços acumulam-se: o índice de preços na produção da indústria transformadora disparou 10% em setembro, os preços internacionais dos alimentos estão em máximos de dez anos, houve um aumento de assaltos a automóveis para furto de catalisadores que têm metais cujo preço tem vindo a subir e teme-se que a escassez de matérias-primas, cujo preço tem escalado, seja de chips seja de contentores marítimos, possa provocar falhas de abastecimento em breve, entre outros casos.
O próprio Presidente da República tem alertado para esta situação. “Não há arranque económico com os combustíveis a subirem sucessivamente de preço“, disse Marcelo Rebelo de Sousa, desejando que “a situação não se prolongue nos termos que existem hoje para além de março e abril, porque aí começaria a pesar ainda mais naquilo que todos desejamos, que é a recuperação do tempo perdido na economia na Europa e no mundo”.
Portugueses deverão continuar a poupar menos que os europeus
Apesar de estacionar num nível superior ao que se verificava antes da pandemia, a taxa de poupança dos cidadãos portugueses deverá continuar aquém da média da União Europeia. “Não parece provável que essa situação se altere significativamente“, considera Paula Carvalho.
De facto, mesmo com o aumento expressivo da poupança dos portugueses durante a pandemia (para o dobro do valor pré-pandemia), Portugal continuou a figurar entre os países europeus com menor poupança dos cidadãos dado que este efeito da Covid-19 na taxa de poupança foi transversal aos 27 Estados-membros, os quais tiveram, em geral, restrições semelhantes.
Os dados do Eurostat mostram que, em média, a taxa de poupança da Zona Euro foi superior a 20% durante a pandemia, ainda que também tenha caído para 19% no segundo trimestre deste ano. Ainda assim, esse valor é quase o dobro dos 11,5% registados em Portugal pelo que o diferencial não se alterou significativamente, mesmo com a Covid-19.
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