Com o consumo a disparar, economistas antecipam redução da poupança

Os portugueses consumiram no segundo trimestre quase tanto quanto no pré-crise. Após ano e meio de aumento da taxa de poupança, será que esta vai cair? O INE dá a resposta esta quinta-feira.

No segundo trimestre deste ano, o consumo privado disparou 17,5% graças à redução das restrições e ao endividamento dos particulares crescer como não se via há uma década. Entre abril e junho deste ano, os portugueses consumiram quase tanto quanto tinham consumido no quarto trimestre de 2019, o último antes da pandemia. Contudo, o rendimento disponível também terá continuado a aumentar. Será que a taxa de poupança desceu? O Instituto Nacional de Estatística (INE) vai responder a essa pergunta esta quinta-feira, mas os economistas contactados pelo ECO apontam para esse cenário.

Desde logo, é preciso perceber que a taxa divulgada pelo INE é a média dos últimos quatro trimestres e não apenas do trimestre em consideração. Tal acontece para alisar a taxa e evitar oscilação que não permita fazer uma leitura dos dados. Isto porque tanto no segundo trimestre (subsídio de férias) como no quarto trimestre (subsídio de natal) a taxa de poupança desse período apenas tende a ser superior.

Dito isto, o que é a taxa de poupança? A poupança é a parte do rendimento disponível que não é despendida enquanto despesa de consumo, como explica o INE. Ou seja, para simplificar, é a fatia do salário que os portugueses não gastam e guardam. Daí que faça sentido olhar não só para a evolução do rendimento disponível — o qual não foi afetado significativamente pela pandemia –, mas também para o consumo privado, o qual afundou por causa das restrições mas recuperou muito no segundo trimestre.

Estas duas explicações são importantes para se perceber o que vai acontecer à taxa de poupança. Por exemplo, a taxa até pode ter sido menor no segundo trimestre isolado, mas como faz média com os três trimestres anteriores, os quais registaram taxas historicamente elevadas, poderá ainda assim apresentar um valor elevado. Além disso, não basta o consumo privado ter disparado, uma vez que falta saber o que aconteceu ao rendimento, dado que ainda não está disponível.

A expectativa dos economistas questionados pelo ECO é que haja de facto uma redução no segundo trimestre. “Provavelmente haverá uma redução da taxa de poupança no trimestre, dado que o consumo aumentou de forma significativa (8,5% no trimestre)“, prevê Paula Carvalho, economista-chefe do BPI/CaixaBank. A mesma opinião é partilhada pelo professor João Borges Assunção, da Católica: “O que me parece normal é uma redução significativa da taxa de poupança das famílias que no ano terminado no 1º trimestre estava em 14,2%, um valor historicamente elevado“, nota, apontando para um número entre os 10 e os 12%, o que ainda assim é um “valor elevado” face aos níveis pré-pandemia.

António da Ascensão Costa, do ISEG, também corrobora: “Deverá ter ocorrido uma redução da taxa de poupança pois o Consumo Privado nas Contas nacionais foi o agregado da Procura Interna que mais cresceu”, diz ao ECO, notando que “em certa medida, a queda da taxa de poupança é um bom indicador para o 3º e 4º trimestres“.

Para Paula Carvalho, se esta descida da taxa de poupança se confirmar, tal “sugere que o consumo está a ser impulsionado por intenções de compra ou necessidades que foram sendo adiadas durante os períodos de confinamento e maior incerteza, tendência que deverá manter-se no segundo semestre“. Esse “efeito dos ressaltos de curto prazo no consumo privado” deverão continuar a dominar a evolução da taxa de poupança “nos próximos trimestres”, antecipa João Borges de Assunção.

Taxa de poupança em máximos históricos

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE).

A expectativa de Paula Carvalho é que, “tendo em conta o cenário de crescimento sustentado e desemprego em redução ligeira, a taxa de poupança desça gradualmente, tendendo para mais próximo dos valores médios registados antes da pandemia“.

Para António da Ascensão Costa também é claro que “tendencialmente, em condições de normalização da crise sanitária e de aumento da confiança, a taxa de poupança tenderá a decrescer e a voltar a níveis próximos dos registados antes da pandemia“. Porém, o professor do ISEG avisa que “este processo pode causar ou agravar desequilíbrios, nomeadamente o desequilíbrio externo, se a produção interna não tiver capacidade de resposta”, o que pode tornar-se um problema de “médo prazo” para o país.

Já Jorge Borges de Assunção prevê uma outra tendência numa fase posterior: “Quando for mais claro o novo nível de rendimento disponível das famílias quando os apoios extraordinários ao emprego começarem a reduzir-se será possível que a poupança torne a aumentar por motivos de precaução”.

Portugueses acumularam 9,5 mil milhões acima do que é normal, mas será que o vão gastar?

No primeiro trimestre deste ano, período marcado pelo segundo confinamento, a taxa de poupança dos portugueses subiu ainda mais, para 14,2% do rendimento disponível. Desde pelo menos 1999, o primeiro ano para o qual há dados do INE, que os portugueses não poupavam tanto do seu rendimento disponível (quase um sexto do total). A taxa mais elevada até ao momento tinha sido registada no terceiro trimestre de 2002 (13,8%), altura da introdução do euro.

Os dados do gabinete de estatísticas permitem concluir que os portugueses pouparam mais 9,5 mil milhões de euros (o equivalente a cerca de 5% do PIB), face ao que seria comum num ano normal, desde o início da pandemia. O principal contributo para esse aumento vem da queda do consumo privado que é provocado pelas restrições à mobilidade para conter o número de casos e internamentos, sendo que o rendimento disponível estabilizou — é de assinalar que este é o valor agregado, o qual esconde realidades muito diferentes consoante o setor da economia, faixa etária ou classe social.

Ao todo, o Banco de Portugal calcula que haja uma poupança adicional, de certa forma “forçada” pela pandemia, dos portugueses de 17,5 mil milhões entre 2019 e 2023 face ao cenário pré-pandemia. Esta é “uma almofada de crescimento se e quando as decisões das famílias face a esta poupança se traduzirem em aumentos do consumo”, assinalou então Mário Centeno na conferência de imprensa do boletim económico de junho, notando que a propensão para transformar a riqueza em consumo é menor do que para gastar o rendimento corrente.

Caso a taxa de poupança de facto baixe, tal quererá dizer que os portugueses gastaram uma parte maior do seu rendimento disponível, mas não será possível concluir daqui que foram recorrer à poupança acumulada durante a pandemia. Essa é a dúvida com que os economistas se confrontam neste momento.

No boletim do BdP assumia-se que “a poupança acumulada pelas famílias durante a pandemia se traduz, em termos agregados, num aumento persistente da riqueza”, ou seja, não se transforma em consumo. “As características dos principais aforradores – de rendimentos mais elevados e com menor propensão ao consumo – suportam esta hipótese”, argumentavam os economistas do banco central. No entanto, “não pode ser excluída a possibilidade de uma parcela destes recursos ser canalizada para consumo”, admitiam.

A mesma opinião foi publicada num estudo do BCE assinado pelas economistas Maria Grazia Attinasi, Alina Bobasu e Ana-Simona Manu que analisa três economias avançadas fora da Zona Euro — os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão — para chegar à conclusão de que há uma série de argumentos que apoiam a tese de que as poupanças acumuladas não se transformarão maioritariamente em consumo. Um dos motivos dados no estudo é que os consumidores podem ter usado e continuar a usar estas poupanças acumuladas para reembolsar dívida ou investir em ativos, como o imobiliário. Além disso, os contribuintes podem começar a interiorizar que o atual aumento da dívida pública será pago com mais impostos no futuro e, por isso, aumentam a poupança em antecipação.

Já os economistas da Católica admitiam recentemente que esta “reserva de consumo” constituída pelos portugueses no último ano e meio “pode vir a constituir-se como um importante fator de recuperação da economia portuguesa”, caso se transforme num aumento do consumo. “Tal dependerá, naturalmente, da evolução do mercado de trabalho e do rendimento disponível das famílias, bem como do retorno aos níveis de confiança e sentimento económico anteriores à pandemia”, notavam, relembrando que o aumento da taxa de poupança também se observou no início de outras crises pelo “motivo de precaução”.

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