Um novo trabalho para lá das ideologias e das eleições
Sem ouvir empresas e trabalhadores entregues a um “menu” de ideias mais ou menos geniais desenhadas em laboratório, corre-se o risco de atraiçoar todos.
Não tenhamos ilusões: se há ramo do Direito permeável às ideologias e à discussão político-partidária, ele é o Direito do Trabalho. Cada nova legislatura traz a sua revisão da lei laboral, cada crise a impõe, cada recuperação a recomenda, cada estagnação a aconselha, cada discussão do orçamento de Estado a “põe em cima da mesa”. Por muito desvelo que tenhamos em comprar a última edição do Código do Trabalho, ela é já – se nos é permitido glosar o título de uma obra de Garcia Marquez – uma espécie de crónica de uma desatualização anunciada.
Admito que seja assim em outras geografias, mas entre nós o fenómeno destaca-se pela intensidade, pela rejeição metódica de qualquer estabilidade das leis do trabalho.
Mas a verdade é que o contexto acelerador da mudança trazido pela Pandemia trouxe desafios que não cabem no espartilho da discussão partidária a pensar no próximo ato eleitoral.
Na verdade, demos em dois anos, no mundo ocidental, um salto provavelmente equivalente ao de um século, pois que as novas formas de trabalhar (e de viver) trazem desafios de dimensões épicas, envolvendo tremendas ameaças (distanciamento, isolamento, perda de privacidade, perda de cultura organizacional, desaparecimento de fronteiras entre o pessoa e o profissional) e enormes oportunidades (equilíbrio entre trabalho presencial e remoto, fomento da igualdade entre mulheres e homens, inclusão de trabalhadores portadores de deficiência, maior sustentabilidade ambiental).
As opções legislativas que se tomem deveriam ter o atrevimento de pensar o Direito do Trabalho a médio e longo prazo e só o conseguirão fazer se resistirem a duas preversas tentações: uma, a de “castigar” o teletrabalho (designadamente em matéria de custos), encarando-o com a desconfiança de quem nele encara uma quase estocada final no modelo laboral mais “proletário”; outra a de o receber como o paraíso na terra, abandonando as trincheiras do trabalho presencial e passando a atividade laborativa a ser insuscetível de regulação, deixada à sua sorte e vista como espécie de (mais uma) dimensão da vida doméstica, ou da vida pessoal.
Empresas e trabalhadores precisarão do trabalho remoto. Em conjunto. E os dois lados devem ser cuidadosamente ouvidos, fora do ruído da luta, para se poderem encontrar equilíbrios que torne o trabalho remoto uma ferramenta de flexibilidade sem desumanizar o trabalhador e as organizações, que ajude a empresa a não ter de manter sempre a lógica fordista do cartão de ponto, mas sem a esvaziar; que ajude o trabalhador a esgeirar-se do manto protetor da rigidez de horário – manto que tantas vezes o sufoca também.
Por outro lado, os passos deveriam ser pequenos e prudentes, ajustando a legislação vigente no estritamente necessário, para poder avançar na lógica “tentativa erro”. Parece a receita ideal para nem fazer de conta que está tudo na mesma, nem fingir que já sabemos bem onde tudo isto vai chegar.
Neste quadro, é muito fácil perceber que nenhum partido ou quadrante político tem condições para, isolado, encontrar as melhores soluções e que o “novo mundo” exige soluções pragmáticas que tentem ir de encontro ao que as empresas e os trabalhadores querem.
Não tenhamos ilusões: sem ouvir empresas e trabalhadores, se se optar por legislar para o curto prazo em matéria laboral, entregues a um “menu” de ideias mais ou menos geniais desenhadas em laboratório, corre-se o risco de atraiçoar todos. E, portanto, de estar a legislar para … ninguém – mesmo que com a presunção (sem água benta) de supostamente se saber o que é bom para uns e outros.
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