Teletrabalho pós-pandemia – que futuro?

  • Isabel Valente Dias
  • 1 Outubro 2021

A crescente importância do teletrabalho está a conduzir a alterações relevantes na morfologia do trabalho e das relações laborais, que colocam novos desafios ao legislador e ao aplicador do Direito.

No último ano e meio verificou-se uma verdadeira massificação do teletrabalho, ainda que num contexto excecional de prevenção e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19. Num momento em que se anseia pelo regresso à normalidade, começa a ser cada vez mais evidente que, no que respeita ao trabalho, há mudanças que vieram para ficar.

A pandemia contribuiu decisivamente para a aceleração do processo de transição digital das empresas e desenvolvimento de novos modelos de prestação do trabalho, de que o exemplo mais paradigmático é o teletrabalho, que – embora legalmente consagrado desde 2003 – era, até março de 2020, um fenómeno residual. Hoje são muitos os trabalhadores e empregadores que reconhecem as vantagens desta forma de prestação da atividade laboral e se mostram favoráveis à sua adoção no pós-pandemia, sobretudo através de modelos híbridos, que alternam o trabalho remoto e o trabalho presencial.

A crescente importância do teletrabalho está a conduzir a alterações relevantes na morfologia do trabalho e das relações laborais, que colocam novos desafios ao legislador e ao aplicador do Direito.

As formas tradicionais de controlo e supervisão presencial da atividade laboral são substituídas por outras formas e metodologias de controlo à distância, com recurso a novas tecnologias, que podem ser consideradas lesivas da privacidade e direitos fundamentais dos trabalhadores, suscitando problemas de delimitação dos contornos e limites do poder de direção do empregador.

O teletrabalho torna também menos nítida a fronteira entre o tempo de trabalho e de descanso, surgindo, por vezes, associado a uma ideia de flexibilidade temporal da prestação de trabalho, que nem sempre se afigura compatível com o quadro juslaboral existente. A necessidade de assegurar o efetivo descanso dos trabalhadores poderá justificar, tal como sucedeu noutros ordenamentos jurídicos, a consagração expressa de um direito à desconexão.

Além disso, o teletrabalho permite flexibilidade geográfica, facilitando a mobilidade dos trabalhadores e a contratação de profissionais em qualquer parte do mundo, o que contrasta com o paradigma tradicional do trabalho presencial, circunscrito a um espaço geográfico limitado. É, por isso, previsível que, em determinados setores de atividade, os processos de recrutamento se tornem cada vez mais globais, suscitando-se com maior frequência questões jurídicas complexas decorrentes da constituição de relações de trabalho plurilocalizadas (e.g. questões relacionadas com a lei aplicável ao contrato de trabalho, determinação do regime de segurança social aplicável, entre outras).

O teletrabalho começa a ser perspetivado, cada vez mais, como um instrumento de flexibilização do trabalho, que permite às empresas atrair, motivar e reter profissionais. Trilhado este caminho – que parece irreversível – importará agora dotar este instituto de um regime jurídico adequado a esta nova realidade e que confira segurança jurídica aos empregadores e trabalhadores que pretendam fazer uso do mesmo. Para tanto, afigura-se necessário rever e adaptar o regime jurídico do teletrabalho, atualmente previsto nos artigos 165.º a 171.º do Código do Trabalho, por forma a dar resposta cabal aos problemas que se têm vindo a suscitar, aproveitando a experiência dos últimos meses, bem como tornar este instrumento mais maleável e ajustável às necessidades e expectativas das empresas e dos trabalhadores na fase pós-pandemia.

  • Isabel Valente Dias
  • Advogada sénior da Morais Leitão

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