Um em cada cinco portugueses pressionado a “furar” a ética no emprego
Portugal é o pior classificado no Índice de Ética no Trabalho, que avaliou 13 economias. Portugueses justificam má conduta com tempo e obediência ao chefe, mas denunciam pouco porque "nada acontece".
Os trabalhadores portugueses consideram as suas empresas mais honestas (2 pontos percentuais) do que a média dos trabalhadores em 13 países desenvolvidos incluídos num estudo internacional, mas sentem-se mais pressionados (10 p.p.) a comprometer a ética e também observaram mais más condutas (2 p.p.), embora as reportem menos (-8 p.p.).
Estas são as principais conclusões do estudo Ethics at Work: 2021 Survey of Employees, desenvolvido pelo Institute of Business Ethics (IBE) e aplicado num total de 13 países – Portugal, Espanha, França, Itália, Alemanha, Suíça, Reino Unido, Irlanda, EUA, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul. Pela segunda vez, os resultados nacionais contaram com o apoio do Fórum de Ética da Católica Porto Business School.
No Índice de Ética no Trabalho, relativo às perceções sobre a cultura do local de trabalho, Portugal surge com a pontuação mais baixa (76,6). O índice liderado pelos EUA (84,8) está focado em vários aspetos da cultura organizacional, como a capacidade das chefias serem um bom exemplo de comportamento profissional ético, da organização atuar responsavelmente em todas as práticas de negócio (com clientes, fornecedores e parceiros) ou de responsabilizar as pessoas quando quebram princípios e normas de atuação ética.
“Uma das razões para estarmos em último lugar é as pessoas não acreditarem que aconteça alguma coisa se reportarem algo, não acreditarem que sejam tomadas medidas corretivas. É importante mostrar que acontece alguma coisa e começar a haver relatórios sobre o que acontece quando há uma reclamação ou denúncia dentro de uma empresa — e que medidas foram tomadas. Às vezes não tem a ver com pessoas, mas com procedimentos”, sustenta Ana Roque, da Católica Porto Business School.
Falamos dos programas, dos códigos, dos regulamentos e das formações. Mas depois aquilo que as pessoas veem todos os dias tem sempre mais força. E isso é a ética informal e a cultura.
A co-coordenadora do Fórum da Ética, a par de Helena Gonçalves, pede uma “reflexão séria” sobre estas questões por parte da alta direção e das chefias intermédias. Para “perceberem elas próprias onde estão e qual o caminho” e, numa espécie de apelo à coerência e consistência, “para os colaboradores sentirem que não é um momento pontual, mas que a organização tem a ética incorporada nas suas políticas, nos seus procedimentos e na sua vida”.
“Há uma diferença entre ética formal e informal. Falamos dos programas, dos mecanismos, dos códigos, das linhas, dos regulamentos e das formações. Mas depois aquilo que as pessoas veem todos os dias tem sempre mais força. E isso é a ética informal e a cultura [da empresa]”, acrescenta Ana Roque, em declarações ao ECO.
Do abuso de autoridade ao assédio
Apresentado esta tarde numa conferência realizada no campus da Foz da Católica Porto, o estudo começa por mostrar que os portugueses são dos que consideram mais ações “inaceitáveis”. Como utilizar a impressora ou a gasolina da empresa para fins pessoais, favorecer familiares ou amigos no recrutamento ou adjudicação de contratos, exagerar as despesas com deslocações ou fingir estar doente para tirar o dia de folga.
Também do ponto de vista do negócio, as várias situações listadas como “irregularidades menores” também foram apontadas como menos aceitáveis, face à média global. Por exemplo, quando são questionados sobre se pequenas violações das regras são inevitáveis numa empresa moderna, sobre a hipótese de “aumentar artificialmente os lucros nos registos desde que nenhum dinheiro seja roubado” ou a preocupação com irregularidades menores “desde que se cumpram prazos e orçamentos”.
Por outro lado, o estudo mostra que os portugueses (20%) estão entre os que mais dizem que no último ano tiveram conhecimento de condutas do empregador ou de colegas que, na sua opinião, violaram a lei ou as normas éticas da empresa. São apenas superados pelos sul-africanos, pelos espanhóis e pelos americanos.
E que tipos de incumprimento chegaram ao seu conhecimento? Abuso de autoridade (40%); declaração incorreta do número de horas trabalhadas (31%); bullying / assédio (29%); práticas de contratação inadequadas por favorecimento de familiares ou amigos (29%); utilização indevida de dados, quebra de confidencialidade ou violações de privacidade (21%); e discriminação por etnia, género ou idade (21%).
“Homens e mulheres estão de acordo quanto à má prática mais comum: abuso de autoridade. A partir daí algumas coisas mudam. Se procurarmos em todas as categorias do estudo quem mais sentiu bullying encontramos este perfil: mulher, gestora do setor financeiro, que trabalha em grandes organizações. São também elas — as gestoras do setor financeiro e serviços –, que mais referem as práticas de recrutamento impróprias”, lê-se na apresentação do estudo “A voz dos portugueses: ética no trabalho 2021”.
Tempo e obediência “furam” ética laboral portuguesa
Um em cada cinco (21%) trabalhadores portugueses já se sentiu pressionado a comprometer os atuais princípios e normas de atuação ética da empresa. É o valor mais elevado entre os países analisados e compara com a média global de 11%. As principais pressões sentidas para atuar de forma não ética são justificadas pelo “tempo” e por estar “a cumprir as ordens do patrão”, escolhidos por 39%. Seguidos, na mesma proporção (27%), pelo “cumprimento de objetivos ou prazos irrealistas” e pela “pressão por parte de colegas para trabalhar em equipa”.
No relatório divulgado esta terça-feira, as coordenadoras do Fórum de Ética da Católica Porto Business School salientam que “a obediência e o tempo são temas importantes para a reflexão ética”. “São simultaneamente pressões e justificações. A obediência e o tempo, ao aparecem como algo não controlado pelo autor da má prática, colocam-na fora do âmbito da responsabilidade individual, fora da escolha, fora da ética”, contextualizam.
Qual o papel das chefias? Apenas 63% dos inquiridos em Portugal refere a chefia direta como bom exemplo de comportamento profissional ético – compara com 71% a nível global. Além disso, dá pouco apoio na aplicação das normas éticas da empresa e menos explicações sobre a importância da honestidade e da ética nas funções a desempenhar. Finalmente, um terço dos inquiridos admite mesmo que a chefia direta recompensa quem apresenta bons resultados, mesmo que adote práticas eticamente questionáveis.
“Queixar-me para quê?”
Se, por um lado, os portugueses são os que mais veem más práticas e se sentem mais pressionados a furar as normas éticas, por outro, estão igualmente entre os que menos reportam esse tipo de situações. Apenas 46% – vs. 57% a nível global e apenas abaixo dos suíços – “levantou a questão ou falou sobre os seus receios junto da direção, com outra pessoa adequada ou utilizou outro mecanismo”.
E depois de ser feito esse relato a nível interno, menos de metade (46%) diz ficar satisfeito com os resultados dessa denúncia. É o pior resultado no conjunto dos 13 países incluídos nessa análise e fica novamente muito abaixo da média global (62%) e a larga distância dos americanos (75%), que são os que ficam mais satisfeitos com as consequências retiradas pela organização.
![](https://ecoonline.s3.amazonaws.com/uploads/2021/11/helena-goncalves.jpg)
“Os portugueses são dos que menos reportam e quem menos está satisfeito quando reporta. Isso não tem necessariamente a ver com retaliação, área em que Portugal está na média [42% vs. 43%]. Pode ter a ver com a confirmação da expectativa de que não vai acontecer nada – “não acreditei que seria tomada qualquer ação corretiva” –, que é a principal razão para não reportar, apesar de não ser a da média”, interpretam Helena Gonçalves e Ana Roque.
Os portugueses são dos que menos reportam e quem menos está satisfeito quando reporta. Pode ter a ver com a confirmação da expectativa de que não vai acontecer nada, que é a principal razão para não reportar.
Aliás, no universo de 13 países analisados, é em Portugal que menos trabalhadores referem que a organização “pune os colaboradores que violem os princípios e normas de atuação ética da organização” (56%, contra 63% a nível global) e também que as pessoas na organização são mesmo responsabilizadas por causa dessas quebras comportamentais (60% vs. 68%).
“Ainda que os mecanismos de SpeakUp e aconselhamento tenham crescido, a par com a formação em ética, ainda estamos posicionados na metade inferior da tabela”, frisa o estudo. Por exemplo, a empresa disponibilizar aos trabalhadores um meio de reportar incumprimentos de forma confidencial, sem indicar o nome ou outras informações que possam identificá-los facilmente; ou oferecer aconselhamento ou um canal de informações onde pode obter conselhos sobre uma conduta ética no trabalho.
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