Ações populares: um novo risco para as “grandes” empresas a atuar em Portugal?
Os processos abusivos e as ações populares deixaram de ser uma realidade conhecida sobretudo em outros países para se tornarem num sério aviso e preocupação acrescida para a estratégia das empresas.
São um dos temas da atualidade e há razões para continuarem a sê-lo nos próximos tempos. O número de ações populares (ou class actions) instauradas na Europa, seja por infração do direito da concorrência ou do direito do consumidor, tem vindo a aumentar de forma expressiva, batendo recordes ano após ano. Só em 2020, foram movidas 109 ações populares, contra 70 em 2019 e 48 em 2018. Estes dados, que constam de um relatório do escritório de advocacia internacional CMS sobre estas atividades no Reino Unido e em toda a Europa, durante o período de 2016 a 2020, são bem elucidativos da importância de um tema que está a afetar vários setores, da tecnologia às instituições financeiras.
Se olharmos para Portugal, esta é uma tendência que também merece um olhar atento. Embora a Lei da Ação Popular (Lei nº 83/95) remonte a 1995, apenas no último ano se tem assistido a uma intensa atividade ao nível das ações populares movidas contra grandes empresas. Estas Ações Judiciais têm sido intentadas maioritariamente pela Ius Omnibus, uma associação que tem como objetivo proteger e defender os interesses dos consumidores. Desde dezembro de 2020, a Ius Omnibus já moveu Ações Populares contra diversas empresas por valores acumulados superiores a mil Milhões de Euros em pedidos de indemnização.
Para o aumento das ações populares em Portugal, contribuíram um conjunto de alterações de índole jurídica. Desde logo, a nova Lei do Private Enforcement (Lei nº23/2018), que estabelece as regras relativas a pedidos de indemnização por infração ao direito da concorrência, transpondo para a ordem jurídica nacional a Diretiva (EU) 2014/104. Esta lei é aplicável independentemente da infração que fundamenta o pedido de indeminização já ter sido declarada pela Autoridade da Concorrência Portuguesa, pela Comissão Europeia, por um tribunal nacional ou pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Adicionalmente, a Diretiva (EU) 2020/1828 – que ainda não foi transposta para o Direito Nacional – prevê que as associações que tem como objetivo defender os consumidores possam, num futuro próximo, intentar ações coletivas transfronteiriças. Ao nível dos mecanismos de financiamento, a existência de litigation funds internacionais disponíveis para financiar a atividade da Ius Omnibus, revelou-se também um fator essencial para mover as “grandes” Ações Judiciais.
Todos estes fatores vem abrir caminho para que o número de ações populares continue a subir em flecha – por um lado, porque qualquer decisão condenatória da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia pode ser alvo de um pedido de indeminização em massa, e por outro, porque em breve poderão ser intentadas ações populares por associações de outros Estados Membros. Por isso, este será um risco que as empresas não devem descurar.
Neste contexto, calcular os montantes envolvidos no dano causado nem sempre se revela uma tarefa fácil, e merece uma aprofundada reflexão, em particular sobre as situações que têm por base uma decisão condenatória da Autoridade da Concorrência ou da Comissão Europeia. Estas apresentam, normalmente, desafios muito próprios no que respeita à quantificação do dano, nomeadamente no que respeita o aumento de preço (efeito preço), a diminuição da procura (efeito volume) e ainda efeitos causados por exclusão de concorrentes. Quando a infração do direito da concorrência ocorre num contexto de uma cadeia de valor com vários níveis de verticalidade, é ainda necessário estimar qual a percentagem do dano que é efetivamente suportado pelo consumidor final. É o que sucede, por exemplo, na análise de situações de Fixação de Preços de Revenda, em que, além dos efeitos supramencionados, é ainda necessário verificar se este dano é efetivamente transferido para o consumidor final.
Seguramente que este é um tema que continuará a dar que falar no futuro. Os processos abusivos e as ações populares deixaram de ser uma realidade conhecida sobretudo em outros países, ou retratada em séries e filmes populares como Suits ou Erin Brockovich, para se tornarem num sério aviso e numa preocupação acrescida para a estratégia de qualquer empresa.
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