Bastonário vai fiscalizar contas das sociedades de advogados

15 escritórios foram contactados sobre faturação, mas apenas a VdA, Miranda e a Abreu responderam porque o tema continua a ser tabu. Bastonário avisa que vai fazer uma fiscalização efetiva das contas.

A Advocatus contactou 15 dos mais relevantes escritórios no mercado nacional para responderem a questões sobre faturação e rentabilidade. Apenas a VdA, Miranda e a Abreu Advogados responderam às quatro questões lançadas porque continua a ser um tema tabu. Bastonário da Ordem dos Advogados avisa que vai fazer uma fiscalização mais efetiva do depósito das contas.

Questões

  1. Como é que se consegue chegar a um valor correto e fidedigno da faturação de um escritório? Com ou sem IVA?
  2. Calculando o valor tendo em conta o número de sócios?
  3. Não seria mais pertinente o cálculo ser o da rentabilidade e não da faturação, por questões óbvias?
  4. Não estaria na altura dos escritórios fazerem um ‘acordo de cavalheiros’ e assumirem esses valores mas com um consenso na forma como esses valores são calculados?

  1. A faturação de um escritório (a sua receita) deve ser calculada líquida de IVA. Em primeiro lugar, porque o IVA faturado aos clientes não é, obviamente, receita do escritório, mas sim receita fiscal do Estado. E, em segundo lugar, porque o cálculo líquido de IVA permite uma comparação mais precisa entre as faturações dos vários escritórios, corrigindo as distorções provocadas por diferentes perfis de clientes – uns a quem é faturado IVA (designadamente clientes nacionais) e outros cujas faturas não repercutem o custo económico desse imposto (por exemplo, clientes internacionais).
  2. Sendo apenas um rácio entre lucro e receita, a rentabilidade, por si só, não nos permite ter uma visão correta do rendimento dos sócios. Escritórios com um rácio alto entre lucro e receita mas com pouco volume de faturação terão uma rentabilidade maior do que um escritório com baixo rácio entre lucro e receita mas com volumes de faturação elevados. No entanto, a remuneração dos sócios de escritórios com menor rentabilidade mais maior volume poderá efetivamente ser superior à dos escritórios com elevada rentabilidade mas pouco volume.
  3. Trata-se, no fundo, de uma questão puramente aritmética: uma rentabilidade de 25% com um volume de faturação de 30 milhões gera mais rendimento para os sócios do que uma rentabilidade de 35% com um volume de faturação de 5 milhões. A rentabilidade não pode ser desligada do volume (ou dimensão) da faturação nem do número de sócios que compõem o escritório. Por esta razão, cremos que a métrica relevante é aquela há muito utilizada pelos escritórios americanos e ingleses: o PeP (profit per equity partner ou lucro por sócio de capital), que nos dá o real valor do rendimento que o escritório proporciona aos seus sócios.
  4. O mercado português é um mercado ainda muito fechado e tradicional e, portanto, pouco aberto a partilhar informação interna. Cremos, no entanto, que um menor conservadorismo nesta matéria traria vantagens aos escritórios. Vantagens, desde logo, proporcionadas por um benchmarking real e efetivo em matérias como remuneração dos associados, atribuição de prémios e lucros dos sócios, eliminando a especulação com que estas comparações são feitas pelos escritórios no desenho das suas políticas e na análise do mercado. Recorrendo novamente aos exemplos norte-americano e inglês, é algo totalmente enraizado na cultura dos respetivos mercados. É pública e acessível a todos os interessados a informação relativa ao número de advogados, à remuneração dos vários escalões de associados, aos prémios atribuídos em cada ano, à faturação total do escritório e ao lucro por sócio de capital. Dito isto, cremos que não estão ainda reunidas as condições para que o mercado português adote os mesmos princípios de partilha e publicação das métricas das operações dos escritórios.

  1. A melhor forma seria com a intervenção de um terceiro que revisse e validasse as contas de todas as firmas. Desde que o critério seja uniforme, não é muito relevante com ou sem IVA.
  2. Esse é um dos KPIs normalmente utilizado, muito simples de apurar uma vez conhecida a faturação.
  3. Sim, mas não é habitual a rentabilidade ser divulgada (até porque a forma de apuramento varia muito, em função dos modelos de distribuição de resultados). Mas há KPIs que são indicadores de rentabilidade e que são fáceis de apurar depois de conhecida a faturação.
  4. Sim. Infelizmente não tem sido possível estabelecer esse acordo.

  1. A faturação de um escritório deveria ser avaliada sem IVA, uma vez que este não é sempre igual na faturação das firmas, estando dependente do tipo de serviço prestado e do beneficiário do mesmo. Por exemplo, uma firma com uma elevada presença internacional terá, provavelmente, um peso proporcional de IVA inferior, quando comparada com outra com maior peso do negócio nacional. Mas mais importante que o IVA será assegurar que quando se fazem estas análises, se usam dados que sejam comparáveis.
  2. O volume de receita por sócio é um indicador importante de comparação, revelando a capacidade de alavancagem de uma firma e a rentabilidade das suas equipas, mas existem vários outros critérios. Mais uma vez, o importante será encontrar critérios comuns e transparentes e comparar as mesmas realidades. Um dos critérios pode ser assegurar que se compara por mercado. Em Portugal atuam Sociedades muito diferentes entre si, nacionais, nacionais com presença internacional e internacionais, é importante segregar os dados para que sejam comparáveis.
  3. São análises distintas e com objetivos diversos. Mais do que escolher um ou outro, interessa saber que tipo de informação se quer analisar e assegurar que na análise comparativa as premissas são as mesmas.
  4. A transparência é um dos valores que integram o ADN da Abreu Advogados e algo que temos vindo a defender desde a nossa fundação, medidas que possam vir a aumentar a transparência no setor, necessariamente dentro do enquadramento legal aplicável, são sempre vistas com bons olhos. A Ordem dos Advogados poderá ter um papel importante nesta matéria.

“Pretendemos fazer uma fiscalização mais efetiva das contas das sociedades”, diz bastonário

Os escritórios de advogados são obrigados a declarar a faturação à ordem dos advogados?

Sim. O artigo 213.º, n.º 8 do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), relativamente à regulamentação da constituição e funcionamento das Sociedades de Advogados remete para o Regime Jurídico das Sociedades de Profissionais que estejam sujeitas ao Regime das Associações Públicas Profissionais, aprovado pela Lei n.º 53/2015, de 11 de junho. Por seu turno, nos termos do disposto na alínea h), do n.º 2, do artigo 28º da referida Lei n.º 53/2015, de 11 de Junho, encontra-se prevista a obrigação da Assembleia Geral da Sociedade de Advogados de deliberar a aprovação do relatório e contas de exercício, “(…) os quais devem ser depositados na associação pública profissional no decurso dos 60 dias seguintes à sua aprovação”. Assim, no que diz respeito às Sociedades de Advogados, por força do disposto na referida alínea h), do n.º 2, do artigo 28º da referida Lei n.º 53/2015, de 11 de junho, os relatórios e contas de exercício, após deliberação em Assembleia Geral, devem ser depositadas na Ordem dos Advogados, no decurso dos 60 dias seguintes à aprovação por deliberação da Assembleia Geral.

Qual é a sua posição face a esta questão da faturação nas sociedades de advogados? Deveria ser uma informação pública?

Sem o acordo da própria sociedade de advogados, a revelação ou publicitação, qualquer que seja a forma, de contas depositadas na Ordem dos Advogados ou de quaisquer elementos constantes dessas contas apenas pode ocorrer quando solicitada por razões de interesse público ou por razões de interesse privado que se devam sobrepor ao direito à reserva que, nessa matéria, assiste às sociedades de advogados, e após autorização do Conselho Geral da Ordem”. Essas recomendações têm sido seguidas pelo Conselho Geral adotado sempre que se suscita qualquer pedido de acesso às contas das Sociedades de Advogados depositadas na Ordem dos Advogados.

Não está na altura de haver um consenso nesta matéria? Vai se sabendo valores mas não oficiais…

Penso que existe consenso sobre este regime desde 2006. Naturalmente que, havendo autorização das sociedades de advogados envolvidas, poderá ser divulgada essa informação. Sem essa autorização, não vejo que se justifique essa divulgação.

Quais os critérios deveriam existir para chegar a esse valor? Com ou sem iva? Faturação por sócio?

Os serviços de advocacia estão sujeitos à taxa normal de IVA, que deve ser discriminada na fatura. A faturação é feita pela própria sociedade, embora como as mesmas estão sujeitas à transparência fiscal, a tributação ocorra diretamente na esfera dos sócios.

Gostaria de deixar alguma marca no seu mandato relativa a esta questão?

Sim. Pretendemos fazer uma fiscalização mais efetiva relativamente ao depósito das contas das sociedades de advogados na Ordem.

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