Concorrência defende “particular vigilância” aos “cartéis de crise” que tentam manter preços altos
A Autoridade da Concorrência defende "manter uma particular vigilância" relativamente aos “cartéis de crise” que " concordam em reduzir a capacidade e mantêm os preços elevados”.
A presidente da Autoridade da Concorrência (AdC) alertou esta quarta-feira para a necessidade de uma “particular vigilância” em relação aos “cartéis de crise”, em que as empresas afetadas por uma retração económica se articulam para manter os preços altos.
“No contexto atual, a aplicação da lei da concorrência na luta contra os cartéis é mais importante do que nunca”, afirmou Margarida Matos Rosa, explicando que o reforço global da despesa pública em curso para fomentar a recuperação económica, a adaptação a novos padrões digitais e ambientais e a revisão dos modelos de negócio pelas empresas podem potenciar “comportamentos de colusão”.
“Todos estes fatores contribuem para que estejamos atualmente num contexto que pode induzir comportamentos de colusão. Por isso, temos de manter uma particular vigilância em relação aos chamados cartéis de crise, que são aqueles em que as empresas afetadas por uma crise concordam em reduzir a capacidade e mantêm os preços elevados”, acrescentou.
Margarida Matos Rosa falava na abertura do Cartel Workshop da ICN (International Competition Network, Rede Internacional de Concorrência), um fórum de discussão entre autoridades da concorrência e peritos não-governamentais que, este ano, é organizado em Lisboa pela AdC e reúne (num modelo misto, presencial e ‘online’), mais de 500 especialistas no combate a cartéis de mais de 50 jurisdições, incluindo EUA, Alemanha e França.
Salientando que “tudo isto ocorre num momento em que muitas famílias e empresas se encontram numa situação de vulnerabilidade financeira”, a presidente da AdC destacou que os organismos competentes têm de “estar empenhados em que os esforços dos contribuintes, famílias e empresas não sejam apropriados de forma indevida pelos membros de um cartel”.
“Como o fazemos? Temos de nos manter focados e atualizados sobre todas as dimensões da aplicação da lei sobre cartéis: prevenção, deteção, investigação e sanções dissuasoras”, sustentou.
De acordo com a líder do regulador, “a luta contra os cartéis está no cerne da aplicação da lei da concorrência”, e por isso a AdC tem mantido “o combate aos cartéis” como a sua “principal prioridade”.
Daqui resultaram, nos últimos cinco anos, sanções a “dezenas de empresas e associações de empresas”, “num total de mais de 900 milhões de euros de coimas aplicadas”, das quais “mais de 80% respeitaram a práticas horizontais ilegais”.
“A concorrência é um catalisador para uma recuperação económica com maior inovação, mais inclusiva e mais resiliente. Por isso, precisamos de mais, não menos, concorrência nas nossas economias”, realçou.
Reiterando que “a aplicação da lei da concorrência e o combate aos cartéis permitem uma recuperação económica mais forte”, Margarida Matos Rosa disse serem muitas as “dimensões em que a recuperação económica e o combate aos cartéis se cruzam”, sendo os cartéis de crise um desses casos.
Outro dos exemplos avançados pela presidente da AdC foram os “cartéis nos mercados de trabalho”, em que “as empresas podem conluiar-se para coordenar as suas estratégias nos mercados de trabalho, nomeadamente ao envolverem-se em acordos de não angariação de trabalhadores e de fixação de salários, ou mesmo coordenar estratégias de despedimento de trabalhadores”.
“Os empregadores devem adotar uma conduta independente e concorrencial. Ao fazê-lo, estarão a contribuir para níveis mais elevados de eficiência e inovação, que são ainda mais essenciais num contexto de recuperação económica”, defendeu.
Outro aspeto que, segundo Margarida Matos Rosa, contribui para uma recuperação económica mais resiliente é o “combate à colusão entre concorrentes na contratação pública”.
“Com os níveis de investimento público a elevarem-se, é fundamental evitar o desperdício de fundos devido à falta de concorrência nos procedimentos de contratação pública. É assim crucial assegurar que os concursos públicos sejam concebidos de forma eficiente, de modo a que promovam a participação do maior número possível de empresas e a concorrência”, disse, acrescentando: “Isto também reduz o risco de se formarem cartéis para o concurso”.
Neste sentido, a AdC disse ter em curso uma campanha de combate aos cartéis nos concursos públicos que “teve já vários resultados positivos, desde um aumento na quantidade e qualidade das informações reportadas até mais procedimentos de contratação pública com desenho mais eficiente”, tendo levado “à abertura de importantes investigações em setores como a manutenção ferroviária, e, mais recentemente, em serviços de segurança e vigilância e dois no setor da saúde”.
Finalmente, a líder da Autoridade da Concorrência apontou como “a investigação e sanção de cartéis em setores com impacto direto nas famílias é particularmente relevante em tempos de crise económica”.
“Na AdC temos sancionado acordos de hub-and-spoke no setor da grande distribuição”, referiu, recordando que o organismo “emitiu quatro decisões sancionatórias sobre este tipo de práticas nos últimos 11 meses” e salientando que “estes esquemas privam os consumidores de mais escolha e melhores preços em muitos bens essenciais”.
Em cima da mesa de debate no Cartel Workshop da ICN, que decorre desta quarta-feira até sexta-feira, estará também a eficácia dos meios de investigação das autoridades de concorrência na sua missão de prevenir e combater os acordos anticoncorrenciais, num contexto em que a tecnologia digital “mudou os modelos de negócio e a forma como as empresas e as autoridades de concorrência trabalham”.
Outro dos temas em discussão será o dos “desafios futuros na aplicação da Lei da Concorrência, com enfoque na era digital”, em que “é importante compreender a utilização de algoritmos e de inteligência artificial, incluindo no combate aos cartéis”.
Margarida Matos Rosa terminou a sua intervenção reconhecendo o “compromisso contínuo” das várias autoridades presentes “na aplicação da lei da concorrência durante a pandemia, incluindo a realização de diligências de busca e apreensão”.
“Demonstraram que as autoridades da concorrência são instituições determinadas, dissuasoras e transparentes. Juntos, garantimos um combate aos cartéis robusto durante este período. Mantivemos a perceção dos riscos decorrentes de comportamentos ilegais mais elevada do que as potenciais recompensas”, rematou.
Segundo dados da AdC, em 2021 o regulador aplicou coimas superiores a 120 milhões de euros em oito decisões condenatórias e quatro notas de ilicitude relativas a ‘hub-and-spoke’, cartéis e ‘gun-jumping’ em setores como a saúde e contratos públicos.
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