Concorrência nas entrelinhas da negociação M&A

  • Rita Prates
  • 4 Novembro 2021

Num processo de M&A, concorrência e M&A não se devem limitar a encontrar fugazmente no início, largarem-se a meio, para depois se voltarem a encontrar no final para as despedidas.

Os temas de concorrência, em particular no que toca a práticas restritivas da concorrência (v.g. cartéis e abuso de posição dominante), ou procedimentos de controlo de concentrações, não são já temas desconhecidos para as empresas, seja pela sua sofisticação, seja pela atuação vigorosa das autoridades de concorrência, ou pelas pesadas coimas impostas por infração a estas regras.

Talvez tema menos conhecido seja o da violação das regras de não implementação de uma operação de concentração (standstill) num processo de fusões e aquisições (M&A). Talvez aqui, M&A e concorrência devam começar a dar as mãos mais vezes ao longo do processo. Concretize-se:

Aquisições de empresas/ativos e fusão de empresas (operações de concentração) podem ser abrangidas pela obrigação legal de notificação prévia, i.e., obrigação de notificação às autoridades da concorrência, nacional ou Comissão Europeia (CE), antes de adquirido o controlo sobre a empresa-alvo (target), caso as empresas envolvidas atinjam determinados limiares de volumes de negócios, e/ou (por exemplo, no caso português e espanhol) com aquela operação de concentração se crie ou reforce determinada quota de mercado.

Nestes casos, se as operações de concentração forem realizadas antes de uma decisão de não oposição por parte da autoridade da concorrência competente, mesmo que por negligência, a empresa adquirente pode ser sujeita a uma coima por gun jumping, como na gíria se denomina esta infração, que pode chegar a 10% do seu volume de negócios, e os seus administradores e diretores também podem ser sujeitos a coima. Não são consequências despiciendas…

É comum, diz-nos a experiência, que em processos de M&A de uma determinada dimensão, existam preocupações de concorrência na fase de due diligence, para aferir eventuais riscos regulatórios do target, ou para avaliar preliminarmente as eventuais preocupações jusconcorrenciais da projetada transação; e depois, normalmente, só mais no final do processo de M&A, quando chega a altura de cumprir a obrigação legal de notificação prévia da operação à autoridade da concorrência competente. E em todo este tempo do processo de negociação que medeia entre a fase de due diligence até à notificação, fase que por vezes dura largos meses, não existem riscos de gun jumping?

A resposta é: Existem! e é sobre eles que me debruço agora. Para ilustrar alguns desses riscos, socorro-me da recentíssima decisão do Tribunal Geral da UE, que confirmou quase integralmente a Decisão da CE no processo de gunjumping relativo à aquisição da PT Portugal pela Altice, tendo-lhe sido aplicada uma coima no valor de €112 milhões de euros.

Neste caso, a CE, não ignorando a presença de interesses comerciais legítimos e necessários para garantir o sucesso de uma operação de M&A, em especial os que visam a manutenção do valor do target, considerou que a Altice tinha exercido uma “influência determinante” sobre a PT antes de tempo, tendo por isso adquirido o controlo sobre a mesma antes da notificação e da respetiva decisão da CE.

Em particular, a CE considerou que certos direitos de veto contidos no acordo de compra e venda, conferiam à Altice o direito de exercer uma influência determinante sobre a PT logo desde a data da respetiva assinatura; e que a Altice tinha efetivamente exercido influência decisiva sobre aspetos do negócio da PT, v.g. dando instruções à PT sobre como realizar uma campanha de marketing; finalmente, que a Altice – na altura uma concorrente direta da PT em certas áreas do sector das comunicações – também recebera informação comercialmente sensível sobre a PT, fora do quadro de qualquer acordo de confidencialidade.

Este caso é mais um exemplo que as fronteiras entre o que é a legítima manutenção do valor do target vs o exercício ilegal de uma influência determinante, podem ser ténues, e os riscos de infringir as regras de concorrência existem em qualquer estágio de uma transação M&A.

As infrações por gunjumping estão na ordem do dia, a merecer as atenções das autoridades da concorrência nacionais e da Comissão Europeia. A Autoridade da Concorrência (AdC), em 2021, aplicou três coimas a empresas por realizarem operações de concentração antes da decisão de não oposição desta Autoridade.

Assim, mais do que nunca, num processo de M&A, concorrência e M&A não se devem limitar a encontrar fugazmente no início, largarem-se a meio, para depois se voltarem a encontrar no final para as despedidas.

(este artigo expressa as opiniões pessoais do autor e não vincula a AdC)

  • Rita Prates
  • Consultora principal da Vieira de Almeida

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