Políticas públicas devem ser “pensadas para as empresas que ainda não existem”
Fernando Alexandre desafia o próximo governo a não desenhar os fundos europeus “à medida de certas empresas” e a flexibilizar as leis laborais, aconselhando os gestores a abrir portas à academia.
Portugal precisa de “pensar as políticas públicas para empresas que ainda não existem”, isto é, precisa de “criar um ambiente que favoreça o aparecimento de empresas inovadoras”. O alerta foi deixado esta terça-feira pelo economista Fernando Alexandre, lamentando não ver nos decisores políticos a “sensibilidade” para entenderem sequer a importância do bom funcionamento dos mercados.
No encerramento da 4.ª edição da Fábrica 2030, organizada pelo ECO no Palácio da Bolsa, no Porto, o professor da Universidade do Minho deu o exemplo da definição dos fundos europeus, que “não podem ser desenhados à medida para determinadas empresas”. Pelo contrário, têm de ser encontradas “soluções de que a sociedade e a economia precisem”, sendo que “depois as empresas e as universidades é que têm de se chegar à frente com as soluções”.
Respondendo ao mote da conferência sobre como pôr o país a crescer, depois de duas décadas a divergir de outras economias europeias, Fernando Alexandre lembrou que os exemplos de excelência, como a parceria da Bosch com a Universidade do Minho, “são poucos, não têm escala nem capacidade para arrastar a economia como um todo”.
“Chegámos ao século XXI com políticos e políticas do século XX, sendo que no século XX tínhamos tido políticos do século XIX [risos]. Continuamos desfasados, a pensar da mesma maneira. Dessa forma, nem conseguimos fazer o diagnóstico correto e as políticas não serão as adequadas para a mudança de que precisamos”, acrescentou.
Impostos, trabalho e qualidade da gestão
Desde logo, é preciso “melhorar a qualidade das instituições”, particularizando a relevância das entidades reguladoras – “é ótimo que tenhamos empresas líderes, mas expostas à concorrência, que façam crescer a economia” –, baixar a carga fiscal sobre as empresas – “por que não eliminar a derrama, como um sinal?” – e flexibilizar a legislação laboral, dando às empresas “condições para se adaptarem às novas condições tecnológicas e de mercado”.
“Têm de ter flexibilidade, condições de financiamento e talento disponível para poderem contratar e despedir. Por isso, é preciso condições para haver um ajustamento rápido no funcionamento dos mercados. E temos imensa rigidez em muitas dimensões, a começar na própria legislação laboral, que continua a ser uma das mais rígidas da OCDE – e a discussão dos últimos meses no âmbito do OE para 2022 era voltar a uma legislação que tinha tido maus resultados”, desabafou.
As empresas têm de ter flexibilidade, condições de financiamento e talento disponível para poderem contratar e despedir.
Fernando Alexandre sustentou ainda que “a flexibilidade permite a adaptação à mudança” numa fase de transformação estrutural da economia, como acontece por causa da digitalização ou da transição energética. “Se não damos condições às empresas para adaptarem o stock de trabalhadores, elas perdem competitividade”, completou, notando que essas pessoas têm se ser “protegidas e requalificadas”.
Questionado sobre as decisões que podiam ser adotadas para apoiar a economia, o ex-secretário de Estado da Administração Interna no governo liderado por Pedro Passos Coelho referiu que “começámos mal porque metemos logo 4 mil milhões na TAP e a margem para as outras coisas fica muito reduzida”. É que “muitas vezes andamos a discutir trocos no Orçamento do Estado, não há dinheiro para fazer nada que faça a diferença, e para algumas situações o dinheiro aparece – infelizmente, para projetos sem o retorno esperado no futuro”.
A finalizar a intervenção nesta conferência, e já depois de considerar “ridícula” a discussão dos orçamentos para as Universidades porque “era mais barato ser sempre o mesmo [valor], em vez de se andar semanas a discutir migalhas”, Fernando Alexandre analisou que a cultura das instituições de ensino e de investigação começa a mudar. Já se vendo, por exemplo, físicos de partículas da UM a resolver problemas na linha de produção de fábricas de plásticos da região Norte, com “curiosidade para resolver problemas práticos”.
“E as empresas também não se podem sentir intimidadas. A qualidade da gestão também é um problema da parte das empresas. A disponibilidade para ter à sua volta pessoas de elevada qualidade, exige confiança por parte dos gestores. E essa confiança vem do conhecimento. Quando têm conhecimento, têm confiança. E isso é que permite ter equipas qualificadas e mais abertas a receber contributos da academia”, concluiu.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Políticas públicas devem ser “pensadas para as empresas que ainda não existem”
{{ noCommentsLabel }}