Portugal com posição clara em “divergência de fundo” sobre energia
"A divergência já não está no objetivo, está no caminho para alcançar esse objetivo”, explicou o primeiro-ministro, referindo que o nuclear e as taxas de carbono impediram um consenso da UE.
O primeiro-ministro, António Costa, explicou esta sexta-feira que os Estados-membros da União Europeia não chegaram a uma posição comum sobre a energia devido a “uma divergência de fundo” em torno de matérias sobre as quais Portugal tem posições claras.
Em declarações aos jornalistas já de madrugada, depois de um Conselho Europeu celebrado na quarta-feira em Bruxelas, que se prolongou por 14 horas e no fim do qual os 27 não adotaram conclusões sobre a questão dos preços da energia, um dos principais temas em agenda, Costa indicou que o nuclear e as taxas de carbono foram as duas matérias que impediram um consenso.
“Não foi possível adotar nenhuma resolução relativamente à questão da energia, não obstante todos terem expressado uma grande preocupação com a situação de volatilidade dos preços da energia, devido a uma divergência de fundo e que se revelou inultrapassável, não propriamente sobre a questão dos preços, mas sobre dois temas essenciais”, revelou.
Segundo o primeiro-ministro, “por um lado, um conjunto de países insistem que se deve considerar a energia nuclear como uma energia importante para a transição climática, e uma maioria significativa de países que recusa ver a energia nuclear como uma energia verde e segura, e que, portanto, deva ser vista como uma boa energia para assegurar a transição climática”.
Recordando que o acordo a 27 sobre o objetivo da neutralidade carbónica na UE em 2050 já foi alcançado, e durante a presidência portuguesa do Conselho da UE no primeiro semestre do ano, com a aprovação da Lei do Clima, o chefe de Governo apontou que “a divergência já não está no objetivo, está no caminho para alcançar esse objetivo”.
“Há países que entendem que só conseguirão alcançar esse objetivo com recurso à energia nuclear, e são países tão diversos como a Polónia ou a França. Há países que recusam a solução da energia nuclear, países como Portugal, que sempre recusou. Há países que no passado adotaram a energia nuclear e tomaram a decisão de a descontinuar, como é o caso da Alemanha ou da Espanha. E há países que estão neste momento ainda a desativar as suas próprias centrais nucleares”, elencou.
“Mas eu diria que, entre os 27 Estados-membros, a grande maioria recusa a energia nuclear como uma solução para alcançar este objetivo. Há, contudo, outros países que entendem que essa é uma via aceitável. Portugal, como sabe, nunca adotou essa via, portanto não seria seguramente agora que a iria adotar”, completou.
António Costa explicou que o segundo ponto de divergência deve-se ao facto de “alguns Estados-membros entenderem que é necessário pôr termo às taxas sobre a emissão de carbono, que têm sido um instrumento muito importante para induzir os investimentos necessários para apoiar a transição climática”.
“E a situação em Portugal é particularmente exemplar, tendo em conta que, num contexto de grande subida da energia, nós temos uma redução de energia elétrica no mercado regulado e uma grande redução da tarifa de ligação à rede por parte da indústria, o que só é possível graças ao facto de termos começado a investir cedo nas energias renováveis, e termos hoje já uma incorporação muito elevada no nosso ‘mix’ energético de energias renováveis”, argumentou, apontando que tal também contribuiu para Portugal registar hoje uma taxa de inflação baixa.
Na conferência de imprensa no final da cimeira que dirigiu, o presidente do Conselho Europeu disse que os chefes de Governo e de Estado da UE não chegaram a um acordo sobre respostas a dar face à acentuada crise do setor energético, embora considerem este um “assunto sério”.
“No último Conselho, sugerimos que a Comissão promovesse estudos ao mercado – e isso foi feito, mas [nesta cimeira] percebemos que havia opiniões divergentes sobre a mesa e não foi possível chegar a um acordo relativamente às conclusões”, revelou Charles Michel, em conferência de imprensa após uma cimeira europeia, em Bruxelas.
Numa altura de crise energética, e em que os preços da luz e o gás batem máximos e estão voláteis, o presidente do Conselho Europeu vincou, ainda assim, que este “é um assunto sério, é um assunto importante, que tem impacto nos agregados familiares, no seu poder de compra, e também na competitividade das empresas”. Por essa razão, o responsável belga garantiu que o assunto voltará a estar na agenda numa próxima cimeira.
A escalada dos preços da luz – devido à subida no mercado do gás, à maior procura e à descida das temperaturas – ameaça exacerbar a pobreza energética na Europa e causar dificuldades no pagamento das contas de aquecimento neste outono e neste inverno.
A discussão surge depois de, na quarta-feira, a Comissão Europeia ter adotado um conjunto de propostas legislativas para “descarbonizar o mercado de gás da UE”, promovendo a transição para gases renováveis e com baixo teor de carbono, incluindo o hidrogénio.
Com a proposta, o executivo comunitário abriu a porta à possibilidade de compras conjuntas de gás pelos países que o desejarem, mas sempre numa base voluntária e limitadas a casos de emergência, nos quais não se enquadram por exemplo uma escalada dos preços como a atual. É aqui que as visões dos Estados-membros divergem.
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