Regras do teletrabalho mudaram. Esclareça as dúvidas
Numa altura em que a adoção do teletrabalho é obrigatória por causa da pandemia, entram em vigor as novas regras dessa modalidade de trabalho que foram aprovadas pelo PS e BE com a "ajuda" do PSD.
As regras do teletrabalho mudam, a partir deste sábado. Numa altura em que, face ao agravamento da pandemia, é obrigatório trabalhar de modo remoto, entram em vigor as alterações ao Código do Trabalho aprovadas pela Assembleia da República, passando a estar previsto, por exemplo, o pagamento aos teletrabalhadores das despesas adicionais da internet e da energia e a proibição de os empregadores contactarem os trabalhadores no período de descanso, exceto em situações de força maior.
As mudanças à legislação do teletrabalho foram aprovadas no início de novembro, com os votos favoráveis do PS e do Bloco de Esquerda e com a abstenção do PSD, depois de uma maratona de votações na especialidade. Em reação, a socialista Ana Catarina Mendes fez questão de sublinhar que as mudanças em causa vinham proteger os trabalhadores e os empregadores. E o bloquista José Soeiro defendeu que materializam “vitórias importantes para os trabalhadores“.
O “sim” do Chefe de Estado chegaria 20 dias depois, acompanhado de dois avisos. Por um lado, Marcelo Rebelo de Sousa aproveitou para salientar que espera que, “no futuro, matérias como esta sejam apreciadas em Concertação Social“. E por outro, alertou para a “complexa aplicação” de algumas das mexidas aprovadas.
Questionada sobre este último desafio — em particular no que diz respeito ao cálculo das despesas implicadas no teletrabalho –, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, recusou, contudo, produzir mais legislação. “Como sabe, estas regras resultam de uma aprovação que foi feita em sede parlamentar e, portanto, não está prevista qualquer alteração legislativa relativamente ao teletrabalho“, disse a governante. E acrescentou: “Naturalmente [que] dúvidas que vão surgindo também se vão procurando estabilizar, clarificando a cada momento as dúvidas que vão surgindo“.
É, portanto, neste quadro — e numa altura em que o teletrabalho é obrigatório para as funções compatíveis, mesmo sem acordo entre trabalhador e empregador — que estas alterações ao Código do Trabalho entram em vigor. Mas, afinal, o que vai mudar?
Definição muda. O que se passa a entender por teletrabalho?
A lei que saiu da Assembleia da República densifica a definição e a abrangência do teletrabalho, que passa a ser considerado a prestação de trabalho em regime de subordinação jurídica do trabalhador a um empregador, em local não determinado por este (o Código do Trabalho referia até aqui somente que as funções eram habitualmente prestadas fora da empresa), através do recurso a tecnologias de informação e comunicação.
A nova definição também ressalva que as regras relativas, por exemplo, aos equipamentos e à privacidade devem ser aplicadas, na parte compatível, a todas as situações de trabalho à distância sem subordinação jurídica, desde que haja dependência económica, o que abre a porta a que os trabalhadores independentes economicamente dependentes também beneficiem destas alterações legislativas.
O que deve constar do acordo para prestação de teletrabalho?
A lei que entra agora em vigor estabelece que a implementação do teletrabalho “depende sempre de acordo escrito“, que tanto pode constar do contrato de trabalho inicial como ser autónomo, e que define o regime de permanência ou de alternância dos períodos de trabalho à distância e de trabalho presencial.
Desse acordo deve constar também a periodicidade e modo de concretização dos contactos presenciais, a retribuição do trabalhador (incluindo as prestações complementares e acessórias), a identificação do local em que o trabalhador realizará habitualmente o seu trabalho e o horário de trabalho, além dos pontos que já são hoje exigidos, como a propriedade dos instrumentos de trabalho e o período normal de trabalho.
Teletrabalho pode ser imposto pelo empregador?
Não, o empregador pode propor a adoção do teletrabalho, mas somente isso. Caso o trabalhador se oponha, deve fundamentar a sua posição, mas tal recusa não pode “constituir causa de despedimento ou fundamento de aplicação de qualquer sanção”.
E o trabalhador pode propor o teletrabalho?
Sim e, nesse caso, o empregador só pode recusar por escrito e com a indicação do fundamento da recusa, caso a atividade prestada pelo trabalhador seja compatível com o teletrabalho. A lei esclarece, além disso, que a empresa pode definir no regulamento interno as atividades e as condições em que a adoção do teletrabalho poderá ser aceite.
Mas é possível ir para teletrabalho sem o “sim” do empregador?
Até aqui, podiam ir para teletrabalho sem acordo do empregador os trabalhadores com filhos até três anos e as vítimas de violência doméstica, desde que as funções fossem compatíveis com esta modalidade e que “a entidade patronal disponha de recursos e meios para o efeito”.
O novo regime alarga o leque de situações em que tal é possível: os trabalhadores com filhos até oito anos passam também a ter esse direito, desde que o teletrabalho seja exercido de forma rotativa entre os progenitores (exceto nas famílias monoparentais e nas situações em que as funções de um dos progenitores não é compatível). Isto nas empresas com dez ou mais trabalhadores (ou seja, o alargamento não se aplica às microempresas).
Também está previsto este direito no caso dos cuidadores informais, sendo que, nestas situações, o empregador só recusar invocando “exigências imperiosas do funcionamento da empresa”.
Por quanto tempo pode ficar o trabalhador em teletrabalho?
A partir de agora, o acordo de teletrabalho pode ter duração determinada ou indeterminada.
No primeiro caso, a duração não pode exceder os seis meses, renovando-se automaticamente por iguais períodos, se nenhuma das partes declarar por escrito, até 15 dias antes do prazo, não pretender a renovação. Já se o acordo for feito com duração indeterminada, fica estabelecida que qualquer uma das partes pode fazê-lo cessar, mas precisa de o comunicar, por escrito, 60 dias antes.
Mantém-se, por outro lado, a norma que diz que tanto o empregador como o trabalhador podem denunciar o acordo (sendo ele por tempo determinado ou indeterminado) durante os primeiros 30 dias da sua execução.
E o que acontece quando o acordo termina?
O trabalhador tem direito a retomar a sua atividade presencialmente.
Estou em teletrabalho. Quem paga as despesas adicionais?
Este é um dos pontos mais polémicos do novo regime. A partir de agora, fica claro que os equipamentos e os sistemas necessários à realização do trabalho e à interação entre o trabalhador e o empregador devem ser garantidos pela empresa (deve ficar explícito no acordo se estes serão fornecido diretamente ou se será o trabalhador a adquiri-los), mas não só. “São integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas adicionais que, comprovadamente o trabalhador suporte”, incluindo os acréscimos dos custos de energia e dos custos da internet.
A nova lei não especifica, contudo, como devem ser calculadas estas despesas (diz apenas que tem de ser feita uma comparação homóloga) e a ministra do Trabalho já disse que não está prevista a produção de legislação que o clarifique. Este é um dos pontos que, segundo os advogados, poderá ser de aplicação mais complexa.
Fica, por outro lado, explicado que as despesas pagas ao teletrabalhador devem ser consideradas, para efeitos fiscais, custos do empregador e não rendimentos do trabalhador.
O teletrabalhador deve receber subsídio de refeição?
Foi uma das grandes dúvidas a surgir neste período de aplicação sem precedentes do teletrabalho. A nova lei não dita de forma expressa a obrigação do pagamento do subsídio de refeição aos teletrabalhadores, mas os socialistas consideram que tal está implicado nas prestações complementares e acessórias que devem constar do acordo de teletrabalho.
Afinal, teletrabalhadores e trabalhadores presenciais podem ter direitos e deveres diferentes?
Não, o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores. Tal já constava do Código do Trabalho e mantém-se. Além disso, agora esclarece-se que essa igualdade de tratamento deve ser aplicada aos períodos de descanso e o acesso à informação das estruturas representativas dos trabalhadores.
Há mudanças quanto à privacidade dos teletrabalhadores?
Sim. Fica claro que é vedada a captura e utilização de imagem, som, escrita, histórico ou recursos a outros meios de controlo que possam afetar o direito à privacidade do trabalhador. O Código do Trabalho passa também a prever que a visita ao local pelo empregador exige aviso prévio de 24 horas e concordância do trabalhador.
Mas mesmo em teletrabalho, os contactos presenciais são obrigatórios?
Sim, os contactos presenciais são um dos novos deveres especiais dos empregadores. O objetivo é combater o isolamento, sendo que as empresas têm de promover contactos presenciais entre os teletrabalhadores e as chefias e os demais trabalhadores, na periodicidade prevista no acordo de trabalho ou, pelo menos, a cada dois meses.
Por outro lado, os teletrabalhadores podem ser chamados à empresa?
Podem e são mesmo obrigados a ir às instalações da empresa ou a outro local designado pelo empregador para reuniões, ações de formação e outras situações que exijam presença física. O empregador deve convocá-lo com antecedência mínima de 24 horas e tem de suportar o custo das deslocações, na parte em que, “eventualmente, exceda o custo normal do transporte entre o domicílio do trabalhador e o local em que normalmente prestaria trabalho em regime presencial”.
Com a nova lei, como deve ser feito o controlo do trabalho?
A nova lei diz que o controlo do trabalho deve ser exercido “preferencialmente por meio de equipamentos e sistemas de comunicação e informação afetos à atividade do trabalhador, segundo procedimentos previamente conhecidos por ele e compatíveis com o respeito pela privacidade”. O controlo deve respeitar os princípios de proporcionalmente e transparência, o que significa que é “proibido impor a conexão permanente durante a jornada de trabalho por meio de imagem ou som”.
O Parlamento aprovou também o chamado direito a desligar?
Não exatamente. Foi aprovado o dever de o empregador se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, exceto em situações de força maior (acidentes ou incêndios, por exemplo). Este dever aplica-se a teletrabalhadores e a trabalhadores presenciais.
Quem fiscaliza estas regras?
A fiscalização do cumprimento desta normas cabe à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), sendo que as ações de fiscalização que impliquem visitas ao domicílio do trabalhador requerem comunicação prévia com o mínimo de 48 horas de antecedência e a anuência do trabalhador.
Mas estas regras podem ser mudadas em negociação coletiva?
O teletrabalho passa a ser uma das matérias relativamente às quais os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho podem afastar as normas legais reguladoras de contrato de trabalho, dispondo em sentido mais favorável aos trabalhadores. Ou seja, passa a aplicar-se o princípio do tratamento mais favorável.
Estas novas regras aplicam-se também aos funcionários públicos?
Sim, a lei diz que as novas regras aplicam-se à Administração Pública central, regional e local, com necessárias adaptações.
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