Eduardo Monteiro: “Menor suporte dos bancos centrais poderá causar correções relevantes” nas bolsas
2022 deve ser positivo nas bolsas, devido à “ausência de alternativas” e “robustez dos resultados das empresas”, mas há espaço para mais volatilidade e “correções relevantes”, segundo a BPI GA.
A BPI Gestão de Ativos (BPI GA) colocou quatro fundos de investimento entre os mais rentáveis em seis categorias de fundos de ações do mercado português. O BPI América – Classe D destacou-se com uma valorização de 36,12% em 2021, a mais elevada entre as várias dezenas de fundos que são comercializados pelas gestoras de fundos portuguesas.
A aposta nas tecnológicas explica o desempenho, com este setor a representar mais de um terço da carteira do fundo, sendo que o investimento está concentrado sobretudo nas “Big Tech” (Apple, Microsoft e Nvidea eram o destino de 10% do investimento no final do ano).
Rui Araújo, Portfolio Manager do BPI América e do BPI Ações Mundiais (o mais rentável na categoria Fundos de Ações Globais), desvaloriza a escolha de setores e estratégias (ações de crescimento vs ações de valor), destacando que as “empresas rentáveis com balanços robustos, geradoras de cash-flow e focadas em remunerar o acionista deverão ter bons desempenho no longo prazo” e por isso devem continuar a ser aposta dos dois fundos.
Eduardo Monteiro, responsável pela equipa de segmento-alto da BPI GA, assinala (em respostas por escrito a questões do ECO) que “o ano de 2022 poderá ser mais desafiante que 2021, porque será tendencialmente mais volátil”, além do que “o menor suporte por parte dos bancos centrais poderá causar correções relevantes”.
Ainda assim, o responsável da gestora antecipa um ano positivo nos mercados acionistas globais, devido à “ausência de alternativas” e “robustez dos resultados das empresas”, sendo que as companhias mais cíclicas (matérias-primas, industriais, setor financeiro e setor de consumo discricionário) podem sair beneficiadas. Dado o peso mais relevante destes setores, Eduardo Monteiro admite ser “possível que a Europa reverta parte da enorme underperformance dos últimos anos” face às ações norte-americanas e que “as bolsas Ibéricas possam apresentar uma melhor performance que as europeias”.
Apesar de todos os riscos que iremos seguramente enfrentar em 2022, parece difícil acreditar que estão reunidas as condições para um ano de 2022 negativo, quer pela ausência de alternativas, quer pela robustez dos resultados das empresas, deveremos ter um ano novamente positivo. No entanto, com menor suporte por parte dos bancos centrais deveremos assistir a um mercado mais volátil.
O BPI América foi o fundo de investimento com melhor rendibilidade em 2022. O BPI tem ainda mais três fundos com as melhores rendibilidades nas suas categorias (BPI Ibéria, BPI Ações Mundiais e BPI África). Qual a estratégia que explica este resultado.
Rui Araújo: O forte desempenho do BPI América resulta da combinação de um produto altamente disciplinado, que procura garantir a cada momento que as características do portfólio construído permanecem intactas, fiéis à filosofia de investimento e à expectativa dos nossos investidores.
A estratégia do BPI América tem como propósito oferecer uma exposição diversificada às melhores empresas da América do Norte, que têm potencial para gerar retornos estáveis e consistentes no longo prazo. O fundo procura escolher empresas e negócios com vantagens competitivas sustentáveis que se traduzem em elevadas rentabilidades, estruturas de custo favoráveis que permitam obter margens elevadas, cash-flows previsíveis e balanços robustos. Com a combinação de excelentes empresas e negócios, equilíbrio entre diversificação e concentração e o forte controlo de risco procuramos ter um binómio retorno risco muito atrativo a longo prazo.
As Big Tech dos EUA tinham um forte peso nas carteiras do BPI América e BPI Ações Mundiais no final do ano. A aposta é para manter em 2022, ou a rotação de carteiras para value stocks, que se verifica no início de 2022, é para continuar?
Rui Araújo: Atualmente, os principais índices de ações globais e dos EUA têm um peso significativo nas “Big Tech” dos EUA, e ambos os fundos têm como objetivo oferecer aos clientes exposição a estes mercados de ações pelo que a exposição a estas empresas é natural.
O fundo é bastante disciplinado e fiel à sua filosofia pelo que o facto de empresas ou setores apresentarem múltiplos de avaliação mais baixos (chamadas “value stocks”) não são uma condição suficiente para investirmos. Vamos integrá-las na carteira se o negócio for atrativo e apresentar uma vantagem competitiva sustentável a médio longo prazo que se reflita nas métricas e nos números que a empresa reporta. Reforçava ainda que o fundo tem uma filosofia de baixo turnover, pelo que investir simplesmente nas empresas que mais foram penalizadas e com múltiplos de avaliação mais baixos estar-se-ia a apostar numa reversão temporária do que numa tendência estrutural, para além de aumentar os custos de transação.
Quais os setores que têm maior potencial para este ano nas bolsas globais?
Rui Araújo: Enquanto gestores de ações, um dos nossos maiores desafios é transmitir aos investidores a importância de investir no longo prazo, e não apenas para o ano 2022, em particular na classe de ativos em questão, por forma a evitar decisões irracionais e a reduzir os erros resultantes de falhas de timing. O fundo é um produto para investidores de longo prazo que querem ter uma exposição diversificada ao mercado de ações com um binómio risco-retorno atrativo. Acreditamos que empresas rentáveis com balanços robustos, geradoras de cash-flow e focadas em remunerar o acionista deverão ter bons desempenho no longo prazo e é nestas empresas e setores que o BPI América e BPI Ações Mundiais investem.
Os analistas apontam para um ano de ganhos modestos nas bolsas globais, depois de três anos de valorizações de dois dígitos. Qual a perspetiva do BPI GA?
Eduardo Monteiro: Em termos históricos as ações tendem a valorizar cerca de 7% em termos reais, portanto, à falta de melhor projeção, antever uma valorização modesta é sempre uma projeção sensata independentemente do momento que vivemos. Importa dizer que independentemente da valorização que venhamos a ter, o ano de 2022 poderá ser mais desafiante que 2021 porque será tendencialmente mais volátil. O menor suporte por parte dos bancos centrais fará com que as emoções naturais dos investidores prevaleçam caso ocorram alguns acontecimentos imprevistos, e que venhamos a ter correções do mercado mais significativas do que em 2021. No ano passado, por exemplo, a queda máxima do marcado americano foi apenas de -5,7%.
2021 parece ter sido um ano fácil para os mercados acionista e com valorizações exageradas sem fundamento económico, até porque foi um ano em que existiram diversas contrariedades. Para citar apenas alguns factos, observamos, em 2021, alguns lockdowns por novas variantes do Covid-19, o mundo registou um racionamento dos cada vez mais importantes semicondutores, o preço da energia aumentou de forma significativa e os mercados incorporaram nos preços seis subidas de taxas de juros nos EUA em 2022 e 2023.
Apesar destas dificuldades, o mais importante são os resultados das empresas e o custo de oportunidades das alternativas de investimento e neste aspeto não poderíamos ter ambicionado melhor suporte. No início do 2021, perspetivava-se uma subida dos resultados das empresas norte-americanas de 23% e das europeias de 36%, no entanto, apesar de todas as adversidades acima descritas, as empresas norte-americanas subiram os seus resultados 48% e as europeias 70%. Adicionalmente a taxa real de juro a 10 anos nos EUA manteve-se muito negativa em cerca de -1.2% e na Europa ficou ainda mais negativa para os atuais -1.8%. Em resumo, foi o custo de oportunidade dos ativos sem risco e os fortes resultados das empresas que permitiram os ganhos acionistas e não a ausência de desafios e obstáculos.
Tendo por base o que conhecemos de 2021, a principal incógnita é se os dois fatores que permitiram ter bons resultados dos ativos de risco em 2021 se vão alterar em 2022, nomeadamente a taxa de juro real e os resultados das empresas. Ao nível da taxa de juro real, a perspetiva dos analistas é que a inflação em 2022 poderá surpreender pela positiva, nomeadamente nos EUA. Deste modo, mesmo que as taxas de juro longas nos EUA possam subir um pouco, deveremos continuar a assistir a taxas de juro reais negativas. Na Europa, a previsão de uma taxa de juro real negativa tem uma maior probabilidade de acerto pelo atraso a nível do ciclo económico, sendo que não se perspetivam subidas de taxas em 2022.
Em termos de resultados das empresas, as expectativas são de uma subida nos EUA de 9% e de 6% na Europa, o que à primeira vista num ano em que se perspetiva um crescimento económico de 3,9% nos EUA e de 4,2% na Zona Euro, parece não ser uma perspetiva muito agressiva. Adicionalmente, é provável que em termos marginais as empresas sofram menos com a falta de semicondutores durante 2022. Por último, será igualmente uma previsão com uma boa probabilidade de acerto que o dano económico do vírus será menor em 2022 do que foi em 2021.
Apesar de todos os riscos que iremos seguramente enfrentar em 2022, parece difícil acreditar que estão reunidas as condições para um ano de 2022 negativo, quer pela ausência de alternativas, quer pela robustez dos resultados das empresas, deveremos ter um ano novamente positivo. No entanto, com menor suporte por parte dos bancos centrais deveremos assistir a um mercado mais volátil.
Qual a geografia mais atrativa para investir em ações em 2022? Será o ano em que as bolsas europeias vão finalmente superar o desempenho das norte-americanas?
Eduardo Monteiro: Num ano em que se espera um forte crescimento nominal das economias, quase 8,5% nos EUA e de quase 7% na Europa, as empresas mais cíclicas deverão beneficiar dessa ciclicidade e esses setores, normalmente, são os setores de matérias-primas, industriais, setor financeiro e setor de consumo discricionário. Estes setores estão mais representados nas bolsas europeias que nas norte-americanas pelo que é possível que a Europa reverta parte da enorme underperformance dos últimos anos. No entanto, importa não esquecer que a grande razão para a melhor performance histórica do S&P 500 são os melhores resultados das empresas e que este fator não parece que irá desaparecer em 2022.
Ao contrário do que se perspetivava para 2021, os mercados emergentes tiveram uma performance desapontante devido a alguns fatores que poderão reverter em 2022. Para 2022, é possível que exista uma reversão quer da forte valorização do dólar, quer do volume de intervencionismo do governo chinês na sua economia. Caso isto aconteça, os mercados emergentes poderão recuperar parte da underperformance dos últimos anos.
As bolsas de Lisboa e (sobretudo) Madrid tiveram um desempenho inferior às pares em 2021. Podem inverter a tendência em 2022?
Eduardo Monteiro: As bolsas de Lisboa e Madrid, são ainda mais cíclicas que as europeias, pelo que será expectável que, se a Europa apresentar uma melhor performance que os EUA, as bolsas Ibéricas possam apresentar uma melhor performance que as europeias porque estão ainda mais presentes nos setores de energia e do setor financeiro.
Política monetária/inflação; covid-19; e resultados/avaliações elevadas. Quais destes três fatores representam a maior ameaça/risco para os mercados acionistas em 2022?
Eduardo Monteiro: A política monetária ou a inflação podem ser determinantes, uma vez que por norma são as razões pelas quais terminam os mercados acionistas positivos, pois o menor suporte por parte dos bancos centrais, poderá causar correções relevantes nos mercados.
Quantos às avaliações elevadas em termos históricos, essa é uma visão consensual eventualmente deslocada da realidade. É verdade que os múltiplos históricos dos mercados acionistas estão acima da média histórica, no entanto, em termos de dimensão isso só é verdadeiramente uma realidade no mercado norte-americano. Este prémio face à média histórica esconde dois fatores muito relevantes. Por um lado, a composição do mercado norte-americano é diferente da média histórica, tem um peso muito superior em tecnologia e este setor, tendo retornos muito mais interessantes que a média, deveria sempre transacionar a prémio. Por outro lado, a média histórica do retorno esperado pelas obrigações norte-americanas a 10 anos nos últimos 30 anos foi 4%. Atualmente a taxa terminal de longo prazo da Reserva Federal é de cerca de 2%. Será justo dizer que o mercado norte-americano está sobreavaliado quando a taxa de juro de longo prazo caiu para cerca de metade?
Em resumo, a prudência aponta para que o risco seja a inflação, no entanto, atrevemo-nos a dizer que o risco é o desconhecido amplificado pelo menor suporte da política monetária.
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