Lei de Bases do Clima: Novas Responsabilidades

  • Rui M. Resende
  • 25 Janeiro 2022

É prudente e avisado que quem exerce funções de gerência ou administração passe a incluir na esfera dos seus deveres o incluído neste normativo, sob pena de poder vir a ser responsabilizado.

No dia 31/12/2021 foi publicada a Lei n.º 98/2021 (Lei de Bases do Clima, doravante, a LBC), através da qual são definidas as bases da política do clima e expressamente reconhecida a situação de emergência climática, sendo expressamente reconhecido que todos têm direito ao equilíbrio climático.

No artigo 38º da LBC impõe-se um conjunto de obrigações para as sociedades no seu governo, devendo estas considerar as alterações climáticas e incorporar, nos seus processos de decisão, uma análise do risco climático.

Com a aprovação da LBC, os deveres de cuidado, de lealdade e de relatar a gestão e apresentar contas, a cargo dos gerentes ou administradores e dos titulares dos órgãos sociais com funções de fiscalização, incluem agora uma consideração prudente e uma partilha de informação transparente sobre o risco que as alterações climáticas colocam ao modelo de negócio, à estrutura de capital e aos ativos das sociedades.

As sociedades terão de avaliar, em relação a cada exercício anual, as dimensões económica, ambiental e social e a exposição às alterações climáticas do impacte carbónico da sua atividade e funcionamento, integrando esta avaliação nos respetivos relatórios de gestão, e podendo definir um orçamento de carbono, estabelecendo um limite máximo total de emissões de gases de estufa que considere as metas previstas na presente lei.

Para o cabal cumprimento das obrigações previstas na LBC, nomeadamente, quanto ao governo das sociedades, deverá o Governo apresentar à Assembleia de República, no prazo de um ano após a entrada em vigor da LBC, relatório contendo as revisões necessárias para harmonizar o Código das Sociedades Comerciais (CSC) e demais legislação com o disposto nesta lei.

Não obstante o legislador reconhecer expressamente no artº 78º/2 da LBC que será necessário rever o CSC e demais legislação com o disposto na LBC, não resulta da lei a suspensão das obrigações contidas no artº 38º da LBC até à revisão do CSC nem a mesma faz depender a entrada em vigor do diploma até que se preceda à revisão do CSC e demais legislação.

Sem a revisão do CSC e demais legislação e sem que seja definido, em diploma próprio, um regime Contraordenacional (artº 72º/2 da LBC) não vislumbramos qualquer consequência, do ponto de vista sancionatório, para o incumprimento das obrigações constantes do art. 38º da LBC.

No entanto, perante a redação expressa dos ns. 2 e 3 do artigo 38º da LBC, a não integração, nos relatórios de gestão, da avaliação, em relação ao exercício anual, das dimensões económica, ambiental e social e a exposição às alterações climáticas do impacte carbónico da sua atividade e funcionamento, a partir da data de entrada em vigor da LBC, incluindo uma consideração prudente e uma partilha de informação transparente sobre o risco que as alterações climáticas colocam ao modelo de negócio, à estrutura de capital e aos ativos das sociedades (n. 2), constitui agora violação dos deveres de cuidado, de relatar a gestão e apresentar contas, a cargo dos gerentes ou administradores e dos titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização.

Os deveres de lealdade e cuidado constituem deveres fundamentais dos gerentes, administradores e titulares de órgãos sociais com funções de fiscalização (art.º 64º do CSC), incumbindo aos administradores ou gerentes das sociedades a elaboração e submissão aos órgãos competentes da sociedade o relatório de gestão, as contas do exercício, bem como os demais documentos de prestação de contas previstos na lei, relativos a cada exercício anual (artº 65º/1 do CSC).

Pelo não cumprimento daqueles deveres respondem os gerentes e administradores para com a sociedade pelos danos a esta causados (artº 72º/1 do CSC).

Também os sócios da sociedade poderão pedir indemnização pelos danos individuais que tal violação de deveres lhes tenha causado, bem como propor ação social de responsabilidade contra os gerentes ou administradores, com vista à reparação, a favor da sociedade, do prejuízo que esta tenha sofrido, quando a mesma a não haja solicitado (artº 77º/1 e 79º do CSC).

É neste cenário de incerteza, em que o legislador reconhece que deverá ocorrer uma revisão do CSC e demais legislação aplicável, mas não suspendendo a entrada em vigor das obrigações previstas no artº 38 da LBC, que esta lei entrará em vigor no próximo mês de fevereiro de 2022.

A título meramente exemplificativo, o que sucederá se um sócio decidir aceder a pedido de suprimento da administração de dada sociedade, considerando relatório de gestão que desconsidere e não inclua informação quanto ao risco que as alterações climáticas colocam ao modelo de negócio e a sociedade não vier a lograr o seu reembolso em virtude de consequências das alterações climáticas? Poderá este sócio imputar os seus prejuízos aos administradores por violação dos deveres de lealdade e cuidado, tal como ora previstos no artº 38º da LBC?

Sem prejuízo das interpretações que se possam efetuar sobre a concreta entrada em vigor das obrigações constantes do artº 38º da LBC, será mais prudente e avisado que quem exerça funções de gerência ou administração passe a incluir na esfera dos seus deveres o incluído naquele normativo, sob pena de, não o fazendo, poder vir a ser responsabilizado pela omissão de tais deveres.

  • Rui M. Resende
  • Sócio da RSA-LP

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