Situação “ainda não é dramática, mas para lá caminhamos”. Este é o retrato da seca em Portugal
Situação de seca em Portugal é preocupante, sinalizam especialistas ouvidos pelo ECO, apesar de não ter atingido ainda níveis dos piores anos de que há registo. Agricultura será mais afetada.
A seca em Portugal, que se iniciou em novembro do ano passado, tem vindo a piorar, motivando o Governo a tomar medidas como travar a produção elétrica em algumas barragens. A situação é mais severa no sul, mas atinge todo o território nacional e traz consequências para setores como a agricultura, que já pede apoios. O Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) prevê que a chuva regresse em fevereiro, mas mesmo assim a seca deverá agravar-se este mês.
Em janeiro, “verificou-se, em relação a dezembro, um aumento significativo da área e da intensidade da situação de seca, estando todo o território em seca, com 1% em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema“, segundo explica o IPMA numa nota publicada no final desse mês.
Esta situação verifica-se devido à falta de chuva, sendo que as previsões para a precipitação a curto prazo apontam para que o primeiro mês de 2022 se deverá situar entre os três janeiros mais secos dos últimos 20 anos. Ainda assim, o grau de severidade da seca meteorológica é “ligeiramente inferior em comparação com a situação em final de janeiro de 2005 (seca mais intensa desde 2000)”.
Índice de seca meteorológica agrava-se em janeiro
“Neste momento, as quotas das albufeiras estão especialmente em baixo”, aponta Rui Cortes, engenheiro florestal e investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, ao ECO. No entanto, existe algo “um pouco invulgar nesta situação, comparativamente com os últimos anos de seca (2005 e 1996) que é o facto de se ter generalizado a todo o país, especialmente em zonas como as bacias do noroeste — Lima, Cavado e Ave”, que estão com “níveis extremamente baixos, o que não acontecia nessa altura”.
Desta forma, a situação começa também a sentir-se na zona mais pluviosa, onde não choveu. “É uma situação que vai ser dramática porque não temos pluviosidade à vista”, alerta o especialista, apontando que é uma realidade “generalizada, com situações que serão, daqui a pouco, extremas”.
Olhando para o ano hidrológico, desde 1 de outubro até 25 de janeiro, o valor acumulado de precipitação apresenta um défice de 45% em relação ao valor normal, segundo os dados do IPMA.
Neste contexto, o Governo decidiu avançar com algumas medidas, nomeadamente um travão à geração de eletricidade em cinco barragens e a proibição de rega na bacia do Barlavento. Em causa na suspensão da produção estão as barragens de Alto Lindoso/Touvedo, Alto Rabagão, Vilar/Tabuaço, Cabril e Castelo de Bode no Zêzere, enquanto a restrição à rega foi aplicada para a Bravura, no Algarve.
Cristina Matos, investigadora da UTAD, sinaliza ao ECO que estas medidas são “possivelmente as que permitem garantir água para consumo humano a curto prazo”. São passos a serem tomados em “situações excecionais e não irão resolver nenhum problema a nível de prevenção e mitigação de secas meteorológicas, não constituindo por isso soluções para as secas agrícolas que se lhe seguem”, defende.
Já Rui Cortes aponta que “é bom que estas medidas estejam a ser tomadas o mais cedo possível”, já que a situação “ainda não é dramática”. “Mas para lá caminhamos”, aleta. O investigador salienta que “há questões estruturais que não se resolvem facilmente”, defendendo que as “barragens deviam ser de uso múltiplo, mas estão destinadas para fins específicos”, como rega, energia ou abastecimento público.
Por agora, as medidas aplicam-se a estes casos concretos, mas o ministro do Ambiente sinalizou que, “no próximo dia 1 de março”, será analisado “o que é necessário fazer mais”. “Se as previsões forem muito sombrias, teremos de ir mais além destas decisões que hoje foram faladas”, alertou João Pedro Matos Fernandes.
Quanto às previsões para os próximos tempos, o IPMA aponta que “não se prevê a ocorrência de precipitação significativa até ao dia 3 de fevereiro”. No entanto, as projeções indicam que durante o mês de fevereiro a precipitação total acumulada deve ser “inferior ao normal em praticamente todo o território”. Assim, é “muito provável o agravamento da situação de seca meteorológica no final de fevereiro, em todo o território do continente”.
“Só quando começar a chover é que podemos ter uma situação melhorada”, aponta Rui Cortes, pelo que “é fundamental nesta situação definir prioridades, e a prioridade tem que ser a nível de abastecimento público”.
Pequenos agricultores deverão ser mais afetados
A situação de seca tem afetado alguns setores, sendo que os pequenos agricultores deverão estar entre aqueles que mais vão sofrer as consequências deste fenómeno. As associações do setor da agricultura já têm alertado para a necessidades de apoios do Governo para fazer face a esta situação.
Como explica Cristina Matos, a “consequência mais imediata de uma situação de seca meteorológica é geralmente a seca agrícola, e consequentemente a seca agrometeorológica o que irá ter impactes diretos na disponibilidade de água no solo e consequentemente na produtividade das culturas”. Noutro momento, pode-se esperar também a “consequente seca hidrológica que se faz sentir no estado de armazenamento das albufeiras, e das linhas de água”.
“Estas situações levam à ocorrência de impactes sociais e económicos importantes, começando pelo setor que mais depende diretamente da água, ou seja, o setor primário, a agricultura”, aponta.
O investigador Rui Cortes corrobora esta afirmação, sinalizando que a situação “tem consequências a nível de toda agricultura”, e, a um nível mais imediato, os “pequenos agricultores vão ser afetados”. Os grandes agricultores terão uma maior disponibilidade para pagar os custos, que vão ficar mas elevados, mas “os pequenos não têm possibilidade”, pelo que “vai haver discrepância e têm que haver apoios à agricultura para os que não podem suportar” os custos, defende.
A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) tinha também já feito o alerta de que a seca já é “bastante preocupante”, sobretudo a Sul, notando que deviam ter sido acionadas medidas e que a situação pode refletir-se nos preços. Já a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) alertou que, face à seca, toda a atividade de inverno está comprometida, destacando que a pecuária está a entrar em situação de “gravidade extrema”, pedindo a intervenção do Governo.
Os autarcas do Algarve também já se pronunciaram sobre a situação, com o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve a instar a um “repensar” da agricultura que se faz na região. Em declarações à Renascença (acesso livre), António Pina defende a possibilidade de um “sistema de quotas de acesso à água à semelhança daquilo que se faz na pesca”.
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