Retroativos do IRS prometidos por Costa só chegam ao bolso dos portugueses em 2023

António Costa prometeu a baixa de IRS com retroativos a partir de janeiro. Mas os fiscalistas dizem que o primeiro-ministro só vai poder cumprir esta promessa em 2023.

Na campanha para as eleições de 30 de janeiro, António Costa prometeu que, caso saísse vencedor, aplicaria o desdobramento dos escalões de IRS previsto na proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022) com efeitos ao início do ano. Não explicou, contudo, como planeia colocar em prática essa retroatividade e as Finanças também não esclarecem. Os fiscalistas ouvidos pelo ECO entendem, na generalidade, que, mesmo que as tabelas de retenção venham a ser corrigidas, a devolução do imposto eventualmente cobrado em excesso no início do ano já só deverá acontecer em 2023, aquando do acerto de contas anual com o Fisco.

“Com a vitória do PS nas próximas eleições, todas estas medidas entrarão em vigor e terão efeitos retroativos ao dia 1 de janeiro”, assegurou o atual e futuro primeiro-ministro, no início de dezembro, referindo-se nomeadamente ao desdobramento dos escalões do IRS.

Na ida às urnas de 30 de janeiro, os socialistas recolheram 41,68% dos votos (117 mandatos), tendo saído vencedores. Tal como António Costa prometeu em campanha, isto significa que deverão voltar a apresentar ao Parlamento a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (e desta vez, com a aprovação garantida), que inclui a criação de dois novos escalões de IRS, com o desdobramento dos atuais terceiro e sexto escalões, e o alívio de algumas taxas.

Ainda não se sabe, contudo, que efeitos práticos terão essas mudanças no bolso dos portugueses, ao longo deste ano. O ECO questionou o Ministério das Finanças sobre a matéria, mas não conseguiu obter esclarecimentos, tendo o gabinete de João Leão atirado a questão para o próximo Governo.

Fontes governamentais indicaram ao ECO que há dois cenários em cima da mesa: um ajuste às tabelas de retenção na fonte a partir do momento em que o novo Orçamento do Estado entre em vigor e a devolução em 2023 do que foi cobrado em excesso durante os primeiros meses do ano; ou, em alternativa, deixar para 2023 a devolução total do imposto que venha eventualmente a ser cobrado em excesso por desajustamento entre as taxas de retenção e as taxas efetivas.

Para os fiscalistas ouvidos pelo ECO, até fará sentido fazer uma correção às tabelas de retenção na fonte, mas com efeitos apenas no que diz respeito aos próximos meses de 2022. O imposto eventualmente cobrado em excesso no início do ano deverá, então, ser devolvido somente em 2023, aquando do acerto de contas com a Autoridade Tributária, no momento da entrega anual da declaração de IRS, defendem os especialistas.

Faz todo o sentido fazer novas tabelas de retenção na fonte de IRS para 2022, de modo a aproximar este adiantamento ao valor anual resultante dos novos escalões e das novas taxas. Isto seria para os novos meses“, sublinha Luís Leon, um dos fundadores da consultora ILYA.

“Para os meses passados, vejo uma de duas hipóteses: deixar a correção para 2023 (acerto depois da entrega da declaração de IRS) ou fazer as empresas todas do país, o próprio Estado e a Segurança Social voltarem a fazer os processamentos salariais e de pensões dos meses que, entretanto, passaram para recuperarem o IRS que os contribuintes terão pago em excesso e devolverem aos trabalhadores e pensionistas”, continua o fiscalista.

Ora, “face ao trabalho que esta segunda opção envolve“, Luís Leon considera que o primeiro caminho é “o mais provável”. “As novas taxas de retenção aplicam-se aos meses que faltam de 2022 e o eventual excesso de IRS dos meses anteriores só será devolvido em 2023“, clarifica.

Também João Espanha, da Espanha & Associados, tem uma perspetiva semelhante. “Com a aprovação do OE 2022, e caso o mesmo venha a manter o (irrazoável) desdobramento de escalões, o Governo não tem forma de compensar no imediato o imposto já retido em 2022 antes da alteração dos escalões”, diz o fiscalista, em declarações ao ECO.

Já quanto aos próximos meses, João Espanha prevê que o Executivo poderá vir a alterar as tabelas de retenção na fonte, “mas pode igualmente nada fazer e deixar o acerto para a liquidação final“.

“O correto seria corrigir as tabelas para o futuro o mais depressa possível por forma a que reflitam o novo panorama de taxas e escalões e evitem o financiamento forçado ao Estado por parte dos contribuintes, já de si tão vergastados por esta carga fiscal absurda, e que assim não só pagam o imposto, como ainda são obrigados a emprestar dinheiro ao Estado”, salienta. “Se o Governo vai ter oportunidade ou vontade para o fazer, isso já não sei… Empréstimos de borla são sempre um bom negócio — menos para quem empresta”, ironiza.

Rogério Fernandes Ferreira discorda da perspetiva destes fiscalistas. O partner da Rogério Fernandes Ferreira & Associados diz ao ECO que não lhe parece “prático” que as tabelas de retenção na fonte para este ano venham a ser alteradas a meio do ano, quando até já foram retificadas em janeiro (para evitar a perda do rendimento líquido dos pensionistas). “Importa perceber que a retenção na fonte é, no fundo, uma antecipação do imposto a pagar no final do ano em função dos rendimentos de cada contribuinte e que apenas aquando da submissão da declaração de IRS se fará o acerto entre o que foi retido ao longo do ano e o imposto a pagar (ou a receber)“, observa o especialista.

Deste modo, Rogério Fernandes Ferreira indica que não há “qualquer problema” quanto à retroatividade do imposto, uma vez que o apuramento do imposto efetivamente devido apenas se concretiza no momento do acerto de contas com o Fisco e, nessa altura, será tida “em consideração a taxa efetiva de imposto que resultará dos novos escalões”.

António Gaspar Schwalbach vê uma outra possibilidade. “Não acredito que seja feito qualquer reembolso” relativamente aos primeiros meses do ano. “Acredito sim que possa ser feito um ‘ajuste por baixo’ das novas taxas de retenção“, salienta o sócio da Serra Lopes, Cortes Martins & Associados (SLCM).

“Ou seja, em relação aos escalões em que seja evidente a existência de um excesso de retenção, admito que as novas taxas sejam ajustadas não só em função das novas taxas de tributação definitivas mas, também, em função do excesso que foi previamente retido“, diz o fiscalista, defendendo que as tabelas de retenção na fonte para 2022 terão de ser corrigidas, aquando da aprovação do desdobramento dos escalões de IRS, no âmbito do OE.

“O propósito das retenções na fonte é, apenas, o de antecipar o imposto que venha a ser devido pelos contribuintes. Não podem ser usadas como formar de financiar o Estado a taxas de juro mais baixas“, remata António Gaspar Schwalbach.

Segundo sinalizou recentemente António Costa, o novo Governo deverá estar em condições de começar discutir o Orçamento do Estado para este ano em março. Será provavelmente nessa altura que se conhecerá a solução escolhida pelo Executivo para a aplicação prática das mudanças no IRS.

Afinal, que novos escalões estão previstos?

A proposta do Orçamento do Estado 2022 que foi chumbada e que deverá agora regressar ao Parlamento prevê que Portugal passará dos atuais sete escalões de IRS para nove, um número recorde.

Proposta de OE para 2022

Assim, o novo terceiro escalão deverá passar a abranger os rendimentos coletáveis entre 10.736 euros e 15.216 euros, aplicando-se uma taxa normal de 26,5% e uma taxa média de 20,1%, ambas abaixo das que são hoje aplicadas a este nível de rendimento.

Já o novo quarto escalão deverá passar a cobrir rendimentos entre 15.216 euros e 19.696 euros, aplicando-se a taxa normal de 28,5% e a taxa média de 22%, esta última abaixo da hoje em vigor.

Por sua vez, quinto escalão deverá abranger rendimentos de 19.696 euros a 25.076 euros, aplicando-se uma taxa normal de 35% e uma taxa média de 24,8%, esta última abaixo da atual.

E o sexto escalão cobrirá rendimentos de 25.076 euros a 36.757 euros, aplicando-se uma taxa normal de 37% e uma taxa média de 28,7%, também abaixo da que hoje está em vigor.

Já o sétimo escalão deverá abranger rendimentos de 36.757 euros a 48.033 euros, aplicando uma taxa normal de 43,5% e uma taxa média de 32,1%, abaixo das atualmente previstas para estes rendimentos.

O novo oitavo patamar deverá cobrir rendimentos coletáveis de 48.033 euros a 75.009 euros, aplicando-se uma taxa normal de 45% e uma taxa média de 36,8%, esta última abaixo da que hoje está em vigor.

E o nono escalão cobrirá rendimentos acima de 75.009 euros, patamar inferior ao que hoje está em vigor (80.882 euros), mantendo-se a mesma taxa prevista atualmente em vigor para o patamar mais elevado: 48%.

Esta revisão dos escalões do IRS foi desenhada para aliviar o esforço fiscal das famílias da classe média. Por esta via, o Executivo estima devolver aos contribuintes portugueses 150 milhões de euros por ano.

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