“Vamos entrar num novo ciclo na política monetária”, diz Centeno

O governador do Banco de Portugal, que tem assento no conselho de governadores do BCE, admitiu que a Zona Euro entrará num "novo ciclo" de política monetária, mas transmitiu tranquilidade.

Mário Centeno considera que a gradual normalização da política monetária “é um processo desejado”, após um período de juros historicamente baixos na Zona Euro. O governador do Banco de Portugal, que participa e vota nas decisões tomadas pelo conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE), admite que há um novo ciclo na política monetária, mas argumenta que, mesmo assim, os custos de financiamento são baixos e que Portugal está numa posição melhor.

Vamos entrar num novo ciclo para a política monetária. Ao período de taxas de juro generalizadamente baixas, algumas mesmo negativas, deverá seguir-se uma normalização, um processo desejado“, afirmou esta quarta-feira numa conferência do Jornal de Negócios e do Millennium BCP, assinalando que estamos agora “numa situação de partida melhor”, face ao passado, para tranquilizar.

Na sua análise à aceleração da taxa de inflação na Zona Euro, a qual está no centro do debate económico neste momento, Centeno deu destaque à inflação core (subjacente, excluindo a energia e a alimentação) que desacelerou para 2,3% em janeiro, em comparação com dezembro (2,7%). E deu respaldo ao raio-x feito por Christine Lagarde, presidente do BCE, de que é maioritariamente a “pressão sobre os [bens] energéticos”, o crescimento da procura e a “expansão condicionada da oferta”, num ambiente de tensões geopolíticas, que está a levar a uma inflação mais elevada.

Algo que, na sua opinião, não poderá ser resolvido pela política monetária, tal como também já tem argumentado Lagarde: “A política monetária, uma política macro, tem como objetivo o controlo dos preços, mas não conseguirá lidar com pressões geopolíticas, nem com a descarbonização“, disse, reconhecendo que “estes são processos com efeitos temporários, mas cujo impacto não é negligenciável”.

Para já, na sua opinião, a “política monetária deve manter toda a flexibilidade e todas as opções abertas”. “Seria um erro, comparável aos do passado recente, atribuir à política monetária a função de ir no encalce do Sr. Putin”, afirmou, argumentando que a “credibilidade de uma política monetária que responde a choques da oferta e a tensões políticas não sobrevive o primeiro embate”.

Centeno ainda não vê (ainda) efeitos nos salários

“Podemos dizer que pela primeira vez em muitos anos a inflação está ancorada”, regozijou-se Mário Centeno. Em causa estão as expectativas da inflação que, neste momento, estão próximas (1,8%) do objetivo de inflação de 2% definido pelo BCE para o médio prazo.

Mas a dúvida é se na economia real as expectativas dos agentes económicos também estão alinhadas com as do banco central. Nessa área, o essencial será olhar para “efeitos de segunda ordem nos salários”, referiu, notando que “ainda não se fazem sentir”. Porém, o governador não afastou essa hipótese dada que a “limitação da oferta de trabalho” é um “risco ascendente para a inflação”.

Quanto ao futuro, a expectativa de Mário Centeno é que a inflação seja superior ao objetivo do BCE em 2022 e 2023, mas num movimento de desaceleração que o leve a convergir com a meta em 2024: “Depois dos efeitos temporários e retomada a mobilidade laboral na Europa, antecipa-se uma descida da inflação, que deverá convergir em 2024 para valores compatíveis com o objetivo de política monetária”, esclareceu.

Situação de partida de Portugal é “melhor” do que no passado

Para Portugal, Centeno trouxe para cima da mesa uma série de números para dar tranquilidade nesta fase de transição: “Nos momentos de viragem das políticas a inquietação costuma apoderar-se dos analistas, mas convém recordar que em 2017 financiávamo-nos a 5% e a Alemanha a 1% (na maturidade de dez anos)”, afirmou, assinalando que “hoje os custos de financiamento são muito inferiores”. Mesmo que os juros tenham subido na emissão desta quarta-feira do IGCP.

E continuou com os números: “O diferencial de juros com a Alemanha é cerca de 80 pontos base, era superior a 400 pontos base” (em 2017) e o “saldo orçamental ainda espreitava o limite do excessivo, a exigência hoje está claramente ao nosso alcance”, acrescentou. Tal permitiu uma redução de 1.100 milhões de euros na despesa em juros entre 2019 e 2021, calculou. Centeno deu ainda o exemplo de 2018 em que o BCE começou a baixar as compras líquidas, sendo que Portugal tinha nessa altura juros a 10 anos de 1,7%, “um valor bastante acima do que temos hoje”.

Estamos agora numa situação de partida melhor“, assumiu. Porém, “ninguém deveria ter ficado convencido de que as taxas de juro se mantivessem nos valores de 2020/21“, alertou Centeno, pedindo que se mantenha “o foco nas nossas responsabilidades e trazer a dívida rapidamente para valores próximos de 120% em 2022 e melhorar os valores de 2019 no ano seguinte”. “E é possível”, concluiu.

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