Preço do vinho vai disparar nos supermercados e restaurantes

Com os custos a subirem da videira ao engarrafamento, produtores do Douro, Alentejo, Verdes e Lisboa avisam que o vinho vai ficar (ainda) mais caro nas prateleiras do retalho e cartas da restauração.

Vidro, rolhas, cápsulas, rótulos, colas, paletes, caixas de cartão, pesticidas, adubos, eletricidade, combustíveis, contentores marítimos. Estes são alguns dos materiais e fatores de produção que as empresas de vinho têm de comprar e cujos preços têm disparado nos últimos meses. Depois de um primeiro aumento mais ligeiro no início deste ano, os produtores admitem ao ECO que nas próximas semanas as garrafas de vinho vão ter de voltar a ficar mais caras nas prateleiras dos supermercados ou nas garrafeiras dos restaurantes.

Depois de em 2021 já ter visto o preço do transporte marítimo para a exportação triplicar de preço, nos últimos meses começaram a cair no e-mail de Martim Guedes as notificações dos fornecedores com a revisão de preços de outros materiais. Para a Aveleda, que é o maior produtor de Vinho Verde com a marca Casal Garcia e que tem presença também no Douro (Quinta Vale Dona Maria), na Bairrada e no Algarve, o que mais pesa são as garrafas de vidro, que estão 50% mais caras do que há um ano.

“Fizemos um aumento modesto [do preço aos clientes], na casa dos 3%, que se está a mostrar claramente curto. Só nestes materiais, o aumento de custos está próximo de 10% e a aumentar todos os dias. É inevitável haver mais aumentos a meio ou mais para o final do ano. Ainda vamos decidir a melhor altura. Mas é impraticável manter os preços atuais”, resume o co-CEO da Aveleda, sediada em Penafiel. A inflação “é inevitável e vai ter impacto no consumo, [pois] é natural que alguns consumidores troquem para vinhos mais baratos ou outros produtos”, como a cerveja.

É inevitável haver mais aumentos a meio ou mais para o final do ano. Ainda vamos decidir a melhor altura. Mas é impraticável manter os preços atuais.

Martim Guedes

Co-CEO da Aveleda

No Alentejo, além dos aumentos de dois dígitos no vidro e nas tarifas das transportadoras, a Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz (Carmim), que tem cerca de 400 produtores a entregarem uva regulamente, está preocupada com o custo e com a possível escassez de fitofármacos e adubos – muito deles são produzidos no leste europeu ou com matérias-primas provenientes daquela zona –, temendo que possam ser “tomadas decisões subótimas do ponto de vista do tratamento da planta ou da fertilização da própria terra”.

João Caldeira, diretor geral da Carmim – Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz

O diretor-geral, João Caldeira, conta que “fruto dos contratos que tem e dos níveis de stock que existem nos clientes”, os efeitos ainda não terão chegado ao consumidor final. No entanto, diz que “é uma questão de tempo”, insistindo que “mais tarde ou mais cedo, os custos que [fará] repercutir nos preços hão de chegar ao mercado”. Com que dimensão? “Não consigo precisar. Isto requer algum trabalho por canal. Mas nunca serão inferiores a 5%, até aí poderão evoluir”, responde o gestor da cooperativa alentejana, que em 2021 faturou 20 milhões de euros.

Mais tarde ou mais cedo, os custos que faremos repercutir nos preços hão de chegar ao mercado. Nunca serão inferiores a 5%.

João Caldeira

Diretor geral da Carmim - Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz

Mais certo é que, estando neste momento a pagar mais pelas garrafas, cápsulas, rolhas, caixas ou pelo transporte para os distribuidores, a Carmim não pode esperar pela próxima colheita para passar parte desses encargos. “Não posso estar à espera de uma vindima que só vou fazer em agosto ou setembro – e depois de ter vinho em dezembro ou janeiro do ano que vem. Tenho de repercutir esses custos já nas próximas semanas. Já começámos a fazer algumas revisões, que poderão não ser definitivas face ao cenário mais recente”, resume João Caldeira.

As rolhas são um dos materiais que já estão mais caros. Por exemplo, a Corticeira Amorim avançou nas últimas semanas com “uma evolução tarifária nos preços de todos os produtos para incorporar o aumento de custos” que teve em 2021. Porém, como “infelizmente esses custos não pararam de aumentar”, António Rios Amorim admitiu ao ECO que isso vai obrigar a gigante da cortiça a avançar com novas subidas das tarifas para os clientes nos próximos meses.

Inevitabilidades no Porto e sustos em Lisboa

No Douro, o cenário é semelhante e repetem-se os maiores focos de pressão. Desde logo, os “aumentos na base dos 40%” impostos pela indústria vidreira, utilizadora intensiva de gás; e o “incremento grande” nos pesticidas e fertilizantes, que faz as empresas de Vinho do Porto temer que os viticultores independentes a quem compram uva “possam começar a não fazer os tratamentos adequados”, nas palavras da diretora executiva da associação do setor (AEVP).

Isabel Marrana relata que, no arranque deste ano, a generalidade das casas de Vinho do Porto negociou com os importadores e distribuidores subidas de preços que pensava ser “adequadas” para fazer face ao crescimento de todos estes custos, que começaram a aumentar de forma acentuada em meados de 2021. O início da guerra na Ucrânia só veio comprovar que não são. E o setor está agora “a ver o que pode refletir [a mais], mas claramente vai ter de haver outra revisão” de preços a pesar no bolso dos apreciadores de vinho.

Tudo isto é uma cadeia de interesses e de margens, que tem de ser equacionada e dividida [com a distribuição]. (…) Não queremos subir preços que nos estrangulem o negócio.

Isabel Marrana

Diretora executiva da Associação das Empresas de Vinho do Porto

“É inevitável um aumento dos preços nas lojas, mas temos de ser razoáveis. Os salários dos consumidores não são elásticos. Tudo isto é uma cadeia de interesses e de margens, que tem de ser equacionada e dividida [com a distribuição]. (…) Não queremos subir preços que nos estrangulem o negócio. Os empresários têm de ter equilíbrio e sensatez nestes momentos que vamos atravessar”, sublinha a porta-voz da influente Associação das Empresas de Vinho do Porto.

Em Alenquer, Francisco Bento dos Santos anda também “assustadíssimo por não fazer ideia do que vem aí”. Sendo que o que já conhece não o deixa mais tranquilo. “É uma loucura. Têm sido aumentos expressivos e, como não temos uma produção grande [100 mil garrafas por ano], não temos descontos de quantidade. Por exemplo, as cápsulas de estanho para o vinho aumentaram 300% no ano passado”, ilustra o diretor-geral da Quinta de Monte d’Oiro.

Francisco Bento dos Santos, diretor-geral da Quinta de Monte d’Oiro

“Andámos anos sem rever um único preço, este ano apresentámos aos importadores, à distribuição, aos restaurantes, uma tabela nova com um aumento médio à volta de 10%. Mas era a contar com os aumentos [de custos] do ano passado. Neste momento, esses preços já estão totalmente desatualizados. Estava mais ou menos confiante que com este aumento podíamos passar o ano mais confortáveis e agora estou assustado”, frisa.

Este produtor de vinhos da região de Lisboa, filho do histórico José Bento dos Santos, conta ainda que resolveu mesmo antecipar a compra de material para garantir que, dentro de dois a três meses, consegue engarrafar os vinhos tintos da colheita de 2020. O receio – e garante que essa era uma ameaça que vislumbrava no horizonte – era de enfrentar um cenário de escassez de embalagens que obrigaria a Quinta de Monte d’Oiro a ficar com o vinho em cuba.

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