O que está em causa no “cartel da banca”?
- Alberto Teixeira
- 28 Abril 2022
Mais de uma dezena bancos enfrenta coimas no caso do "cartel da banca" que podem ascender a 225 milhões. Do que é que são acusados pela Autoridade da Concorrência? E como se defendem das acusações?
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- Alberto Teixeira
- 28 Abril 2022
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O que está em causa?
Entre 2002 e 2013, mais de uma dezena bancos facultaram entre si informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, indicando, por exemplo, os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior.
Cada um “sabia, com particular detalhe, rigor e atualidade, as características da oferta dos outros bancos, o que desencorajava os bancos visados de oferecerem melhores condições aos clientes, eliminando a pressão concorrencial, benéfica” para as famílias e as empresas, acusou a Autoridade da Concorrência, que começou a investigar o caso em 2012.
Os bancos trocavam estas informações por telefone ou por email, “através de uma rede de contactos tendencialmente estável e institucionalizada, de modo bilateral ou multilateral, com caráter de reciprocidade e com pleno conhecimento das hierarquias”.
Este esquema integrava vários departamentos, cujos colaboradores, “com a anuência de diretores e administradores, garantiam a implementação e continuidade do sistema de troca de informação”, segundo o regulador.
A autoridade liderada por Margarida Matos Rosa teve mão pesada.
Proxima Pergunta: Quais os bancos envolvidos?
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Quais os bancos envolvidos?
Em 2019, a Autoridade da Concorrência condenou 14 bancos por práticas anticoncorrenciais no mercado de crédito que prejudicaram os consumidores durante 11 anos, incluindo as maiores instituições financeiras nacionais como Caixa Geral de Depósitos, BCP, Santander (por factos por si praticados e por factos praticados pelo Banco Popular, adquirido em 2018), BPI e BES (falido em agosto de 2014).
A lista inclui ainda o Banco Montepio, Banif (resolvido em 2015), Crédito Agrícola, BBVA, Eurobic (por factos praticados pelo então BPN), Deutsche Bank, Barclays (que denunciou a infração) e a UCI.
Nenhuma pessoa singular foi condenada pela Autoridade da Concorrência neste caso.
Proxima Pergunta: Quais as coimas que os bancos enfrentam?
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Quais as coimas que os bancos enfrentam?
O regulador da concorrência condenou os bancos a coimas no valor de 225 milhões de euros, mas os valores divergem de instituição para instituição, em função de vários fatores, incluindo o seu peso no mercado (volume de negócios), implicação nas infrações, se ajudaram nas investigações ou se denunciaram o caso.
A Caixa enfrenta a maior das coimas: 82 milhões de euros. Seguem BCP (60 milhões de euros), Santander (35,65 milhões) e BPI (30 milhões). O Banco Montepio viu a sua coima de 26 milhões reduzida para metade por ter recorrido ao regime de clemência, apresentando provas adicionais da infração.
BBVA (2,5 milhões), BES (700 mil), EuroBic (500 mil), Crédito Agrícola (350 mil), Deutsche Bank (350 mil) e UCI (150 mil euros) foram condenados a multas mais reduzidas. A mais pequena de todas foi passada ao Banif: 1.000 euros. O Barclays teve um perdão total da coima de 8 milhões por ter sido o banco que denunciou a infração. O Abanca, também visado no processo, viu a infração prescrever ainda na fase administrativa.
Proxima Pergunta: Como se defendem os bancos?
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Como se defendem os bancos?
Os bancos admitem a troca de informações, mas recusam que tenham praticado qualquer infração, considerando que as informações trocadas eram públicas e passavam pelas mãos de funcionários sem poder de decisão. Por isso, defendem que não resultou qualquer dano para os consumidores, ao contrário do que alega a Autoridade da Concorrência.
Além disso, também argumentam que as alegadas infrações apontadas pelo regulador aconteceram num período anterior à crise financeira de 2008 que foi marcado por uma forte concorrência comercial entre os bancos com o objetivo de conquistar quotas de mercado.
Por outro lado, os bancos contestam o valor “arbitrário” das coimas e criticam a “estratégia mediática” da Autoridade da Concorrência durante todo o processo que teve uma duração “inaceitável” que afetou a sua reputação.
Proxima Pergunta: E o que diz o Ministério Público?
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E o que diz o Ministério Público?
O Ministério Público considera que os bancos devem ser condenados, mas defendeu a redução das coimas em relação a sete instituições.
O procurador pediu ao tribunal para manter as coimas aplicadas à Caixa (82 milhões de euros), ao Santander Totta (35,65 milhões), ao BBVA (2,5 milhões) e ao Crédito Agrícola (350 mil).
Em relação ao BCP, deixou ao critério da juíza Mariana Machado a possibilidade de redução da coima de 60 milhões de euros, enquanto valorizou o depoimento do presidente do conselho de administração do BPI, Fernando Ulrich.
Quanto ao Banco Montepio, o Ministério Público defende que não deve exceder os 4,8 milhões, suspensa em metade e com possibilidade de ser paga em 24 prestações, atenta à situação financeira do banco e sua natureza social. Pediu ainda uma coima “simbólica” ao BES e uma redução da multa ao EuroBic.
Proxima Pergunta: O que decidiu o Tribunal da Concorrência?
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O que decidiu o Tribunal da Concorrência?
No dia 28 de abril de 2022, o tribunal de Santarém deu como provado que as instituições financeiras trocaram informação sensível sobre as condições comerciais do crédito, mas teve dúvidas se infringiram as regras da concorrência por não ter ficado provado que essa prática teve impacto nos clientes.
Por isso, a juíza Mariana Machado mandou o caso para o Tribunal da Justiça da União Europeia (TJUE) para esclarecer a qualificação jurídica sobre se a troca de informação entre os bancos teve ou não efeitos objetivos na concorrência.