UE aperta controlo das emissões de CO2 nas importações. Conheça o novo mecanismo
- Ana Batalha Oliveira
- 1 Outubro 2023
A 1 de outubro estreia-se um mecanismo transfronteiriço que quer, primeiro, medir melhor as emissões de CO2 associadas às importações da UE, e depois pôr-lhes um preço. Conheça o novo mecanismo.
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O que é o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço?
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Qual o objetivo deste mecanismo?
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O que vai passar a ser exigido a partir de 1 de outubro de 2023?
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Quais as empresas afetadas?
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Como vai ser feito o reporte das emissões no âmbito do CBAM?
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Quando vai começar a ser cobrado o preço das emissões?
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Como vai funcionar o mecanismo e respetivo pagamento?
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Como é calculado o valor do pagamento?
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Qual a ligação entre o CELE e o CBAM?
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Como se cruzam as obrigações do CBAM com as restantes exigências europeias de reporte?
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A implementação do CBAM vai provocar um aumento dos preços no consumidor?
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Há formas de acautelar eventuais impactos no consumidor final?
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Que ajudas existem para que as empresas consigam suportar estas novas exigências?
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O CBAM é eficaz no incentivo a que países terceiros descarbonizem?
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Que lacunas deixa o CBAM?
UE aperta controlo das emissões de CO2 nas importações. Conheça o novo mecanismo
- Ana Batalha Oliveira
- 1 Outubro 2023
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O que é o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço?
O Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM, na sigla em inglês) é um mecanismo que prevê que passem a ser contabilizadas as emissões de carbono associadas aos produtos importados pela União Europeia, e que essas passem a ter um custo associado.
Proxima Pergunta: Qual o objetivo deste mecanismo?
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Qual o objetivo deste mecanismo?
O objetivo é, por um lado, evitar as chamadas “fugas de carbono” – quando uma empresa deslocaliza a sua atividade para evitar os custos associados às emissões carbónicas. Uma vez que a União Europeia tem criado regulamentação no sentido de ter uma indústria mais verde, existe o risco de a indústria preferir operar a partir de localizações fora do bloco europeu, onde existam menos exigências.
Por outro, pretende-se incentivar a que países terceiros, com menos exigências ambientais, passem a ter este tipo de preocupações, no sentido de manter os clientes europeus.
Proxima Pergunta: O que vai passar a ser exigido a partir de 1 de outubro de 2023?
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O que vai passar a ser exigido a partir de 1 de outubro de 2023?
1 de outubro de 2023 é a primeira data chave deste mecanismo, já que marca o início da chamada “fase de transição”. O objetivo, nesta fase, é que importadores, produtores e as autoridades possam começar a recolher a informação necessária, assegurando uma “transição cuidadosa, previsível e proporcionada”, escreve a Comissão Europeia.
Vão ter de ser reportadas as emissões com efeito de estufa associadas aos produtos importados, mas sem qualquer pagamento associado. Apesar de a recolha de informação começar já, o primeiro reporte de dados é exigido apenas no final de janeiro de 2024.
Proxima Pergunta: Quais as empresas afetadas?
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Quais as empresas afetadas?
Nesta fase, estão contemplados o setor do cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogénio. Estes setores são apontados como responsáveis pelos bens com maior intensidade de carbono e de maior risco de fuga de carbono. No entanto, até 2030, vai haver uma revisão para avaliar se há outros produtos que faça sentido incluir no âmbito do CBAM.
No entendimento da consultora de sustentabilidade Systemic, o CBAM aplica-se a todas as empresas, independentemente da sua dimensão.
Mais precisamente, lembra a Associação Portuguesa dos Industriais Grandes Consumidores de Energia Eléctrica (APIGCEE), “o problema poderá colocar-se naquelas indústrias que incorporem subprodutos de proveniência extracomunitária”. Estas empresas serão, sobretudo, aquelas que necessitem de matérias-primas e produtos nos quais a UE não é autossuficiente ou que, por razões de custo, tenham preferido fornecedores de países terceiros, indica o especialista em Fiscalidade da Energia Filipe de Vasconcelos Fernandes.
Proxima Pergunta: Como vai ser feito o reporte das emissões no âmbito do CBAM?
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Como vai ser feito o reporte das emissões no âmbito do CBAM?
No primeiro ano de implementação, as empresas vão poder fazer o reporte de acordo com uma de três metodologias diferentes. No entanto, a partir de 1 de janeiro de 2025, só um método vai ser aceite, num esforço de harmonização.
“O que nós estamos aqui a falar é de criar uma nova contabilidade completamente diferente. Ainda bem que existe a flexibilidade inicial”, considera Sofia Santos, fundadora da Systemic.
Proxima Pergunta: Quando vai começar a ser cobrado o preço das emissões?
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Quando vai começar a ser cobrado o preço das emissões?
É apenas para 2026 que está planeado o “verdadeiro” arranque, isto é, quando passarão a existir pagamentos associados às quantidades reportadas.
Proxima Pergunta: Como vai funcionar o mecanismo e respetivo pagamento?
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Como vai funcionar o mecanismo e respetivo pagamento?
Para já, sabe-se que vão ter de ser declarados os bens importados durante o ano anterior e as respetivas emissões associadas. A partir daqui, os importadores vão ter de adquirir o número de certificados adequados, que compensem essas estimativas de poluição.
Mais em pormenor, ainda não está definido como será aplicado este regime. Ainda não existe um regime nacional de execução, indica Filipe de Vasconcelos Fernandes.
A APIGCEE sublinha que “será crítica a forma de monitorização deste mecanismo. O princípio é correto, mas a forma de aplicação é que será determinante do seu sucesso”.
Proxima Pergunta: Como é calculado o valor do pagamento?
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Como é calculado o valor do pagamento?
O preço dos certificados que tenham de ser adquiridos para compensar as emissões declaradas é calculado de acordo com a média semanal do preço das licenças de dióxido de carbono, emitidas no Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).
Proxima Pergunta: Qual a ligação entre o CELE e o CBAM?
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Qual a ligação entre o CELE e o CBAM?
A ligação do CELE ao CBAM não se esgota na definição do preço dos certificados: vai decorrer uma diminuição do número de licenças atribuídas pelo CELE até 2034, pelo que o aperto sentido no CELE vai ser acompanhado pelo “aperto” implícito no CBAM.
É que o CELE tem vindo a tornar a descarbonização mais custosa e exigente dentro da UE. E o CBAM vem procurar que a descarbonização para as empresas que operam na UE não seja desproporcionalmente mais custosa em comparação com a descarbonização em países terceiros, que exportam para a UE.
Isto porque o CELE atribui, atualmente, uma série de licenças para poluir de forma gratuita. Se a empresa poluir acima do permitido gratuitamente, pode adquirir outras licenças, por um preço que é definido em mercado, consoante a oferta e a procura. O número de licenças gratuitas tem vindo a decrescer, dependendo até de setor para setor e consequentemente, o preço de cada licença tem vindo a subir, aumentando os custos para as empresas europeias cobertas pelo CELE.
Proxima Pergunta: Como se cruzam as obrigações do CBAM com as restantes exigências europeias de reporte?
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Como se cruzam as obrigações do CBAM com as restantes exigências europeias de reporte?
“Nada resulta do regulamento que diga expressamente que o reporte de sustentabilidade é influenciado pelo CBAM”, esclarece Filipe Vasconcelos Fernandes. No entanto, “é evidente que à uma conexão substantiva”, considera, na medida em que tanto o CBAM como a regulação europeia de reporte de sustentabilidade requerem a contabilização de emissões de âmbito 3, aquelas que referem à cadeia de valor. Isto, apesar de o CBAM exigir um nível de detalhe “muito maior”.
Sofia Santos entende que a recolha de dados sobre as emissões dos fornecedores, exigida pelo CBAM, vem adiantar trabalho no que toca ao reporte de emissões de âmbito três. A interceção entre as duas iniciativas torna-se palpável considerando que, de acordo com a diretiva de reporte de sustentabilidade europeia, a partir de 2024 as empresas cotadas já vão ter de reportar as emissões de âmbito 3, tal como o CBAM impele, embora o CBAM seja mais abrangente em termos da dimensão das empresas – inclui todas. “As empresas até podem dizer ‘eu não consigo reportar o âmbito 3’, mas têm de dizer qualquer coisa”, indica Sofia Santos.
Proxima Pergunta: A implementação do CBAM vai provocar um aumento dos preços no consumidor?
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A implementação do CBAM vai provocar um aumento dos preços no consumidor?
A resposta mais direta é que sim, os consumidores finais podem vir a deparar-se com produtos mais caros na sequência do CBAM.
Os negócios que anteriormente importavam produtos ou matéria-prima mais baratos, por não estarem sujeitos a exigências ambientais equivalentes às europeias, vão ter de passar a contar com importações mais caras, já que pagam através dos certificados um extra de acordo com a pegada carbónica desses mesmos produtos ou matérias-primas.
Assim, “as empresas com maior exposição à importação de subprodutos (extracomunitários) incorporados no produto final terão de avaliar a potencial erosão que o CBAM possa induzir nas suas margens de comercialização. Em função dessa análise, avaliarão a possibilidade de transferir eventuais incrementos para o consumidor final ou em alternativa encontrar novos fornecedores e/ou otimizar os processos produtivos”, explica a APIGCEE, ressalvando que este não é o caso das suas associadas, já que estas atualmente não se abastecem fora da Europa.
A Associação Técnica da Indústria de Cimento (ATIC), na voz do seu presidente e CEO da Cimpor Luís Fernandes, considera que “é expectável que os bens produzidos e importados de países-terceiros para a UE abrangidos pelo CBAM comecem a refletir os custos administrativos iniciais, bem como os custos associados aos certificados num momento posterior”.
Proxima Pergunta: Há formas de acautelar eventuais impactos no consumidor final?
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Há formas de acautelar eventuais impactos no consumidor final?
Na ótica de Sofia Santos da Systemic, sim, existe uma forma de o consumidores não se depararem com custos acrescidos na sequência do CBAM: avançar com políticas de fiscalidade verde.
“É fundamental e tem de se encontrar vários instrumentos que funcionem em complementaridade“, diz. Isto é, além de baixar o IVA dos produtos afetados pelo CBAM, em paralelo, Sofia Santos sugere que se aplique um incentivo como deduções no IRC, de forma a que as empresas não tenham a tendência de aproveitar a descida do IVA para aumentar as respetivas margens de lucro.
Mais indiretamente, uma outra almofada que pode impedir o CBAM de chegar carteira dos consumidores é aliviar os encargos que as empresas possam vir decorrentes desta adaptação, tal como é exposto na questão seguinte.
Proxima Pergunta: Que ajudas existem para que as empresas consigam suportar estas novas exigências?
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Que ajudas existem para que as empresas consigam suportar estas novas exigências?
As empresas podem aproveitar as linhas de financiamento disponíveis para a descarbonização, de forma a que possam fazer a transição sem serem necessários investimentos tão pesados.
Além disso, há que ter em conta que o financiamento terá em conta, cada vez mais, critérios ambientais. Sofia Santos aponta que, por exemplo, no próximo quadro comunitário do Compete, as empresas têm de provar que o projeto que candidatam a cofinanciamento público não vai danificar o ambiente significativamente e, portanto, vão ter de falar das emissões de dióxido de carbono, quer diretas, quer indiretas.
Ao mesmo tempo, emissões reduzidas equivalem a um menor risco climático, pelo que bancos e investidores passarão a considerar estas empresas mais atrativas e o custo de capital deve baixar.
Proxima Pergunta: O CBAM é eficaz no incentivo a que países terceiros descarbonizem?
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O CBAM é eficaz no incentivo a que países terceiros descarbonizem?
Esta questão não tem uma resposta unânime.
Sofia Santos acredita que sim. “Uma empresa fora da Europa vai querer que o seu bem não seja muito mais caro do que os bens que existem cá na Europa e, portanto, vai ter um incentivo a baixar as emissões e a demonstrar e a comunicar essa informação”, sendo “forçada” a investir na transição para não perder clientes no mercado europeu.
“A nível europeu já existiu essa adaptação e tem existido essa adaptação há 20 anos”, argumenta, assinalando que isso prova que “existe um modelo de negócio que é suficientemente viável”. Além disso, “hoje em dia esse investimento [na descarbonização] é menos caro do que era há 15 anos”, por uma questão de evolução da tecnologia e escala.
Ainda assim, reconhece que “é preciso um diálogo político com os países fora da Europa que sejam os principais exportadores destes bens para a Europa”.
Também a APIGCEE acredita que ” as empresas não europeias passam a ter um maior incentivo para descarbonizar os seus processos produtivos de modo a não perderem quota de mercado nas suas exportações para o espaço comunitário”.
Já Filipe Vasconcelos Fernandes mostra-se mais reticente, aferindo que a força da UE para impelir a mudança é “absolutamente moderada”, e classificando a medida como “protecionismo climático”.
Proxima Pergunta: Que lacunas deixa o CBAM?
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Que lacunas deixa o CBAM?
“Não podemos deixar de alertar para o facto de ser também urgente assegurar a sustentabilidade das exportações europeias que correm o risco de ser muito penalizadas relativamente a concorrentes de países-terceiros”, aponta Luís Fernandes, presidente da ATIC e CEO da Cimpor.
“Importa prever um mecanismo que permita aos produtos europeus serem comercializados em condições semelhantes aos de produtores de países terceiros nestes mercados que não se encontram sujeitos a mecanismos de carbono tão exigentes com os da UE”, complementa Otmar Hubscher, vice-presidente da ATIC e CEO da Secil.
Já a secretária-geral executiva da ATIC, Marta Feio, alerta para um “elevado risco de fraude no caso de cimentos declarados como de baixo carbono no CBAM serem substituídos por misturas mais poluentes”, e defende que “o período de transição deveria incorporar um sistema de alerta e sanções de forma a torná-lo eficaz desde já“.