7 respostas para decifrar o lóbi
- Tiago Varzim
- 23 Setembro 2016
Com oito perguntas e respostas deciframos o mundo ainda obscuro do lóbi em Portugal. Fazer lobbying tem uma conotação negativa na sociedade portuguesa, mas o mesmo não se passa nos EUA ou na UE.
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- Tiago Varzim
- 23 Setembro 2016
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O que é o lóbi?
Imagine o seu lobby (hall de entrada) de casa. É lá que recebe os convidados, faz conversa e dirige-os para os vários compartimentos da casa. Imagine agora um lobista que recebe decisores públicos ou privados, mas tenta influenciá-los a seguir para o compartimento que mais satisfaça os seus interesses. Esta atividade é tradição da democracia anglo-saxónica onde o lobbying já é comum.
Em Portugal, existe tradução para a palavra – o lóbi -, mas ainda não é reconhecido como uma atividade, nem existe regulamentação que responsabilize os agentes públicos ou privados. Os influenciadores vão de multinacionais a ativistas de ONG’s sem fins lucrativos. Independentemente da origem, os representantes usam um meio para chegar a um fim: alcançar o cenário que mais satisfaça os interesses que representam.
No prós e contras da regulamentação do lóbi, há dois argumentos chave. O argumento contra o reconhecimento e regulamentação do lóbi assenta no monopólio de influência que grupos económicos poderosos podem alcançar pela sua capacidade de financiamento. O argumento a favor é simples: estas empresas fazem lóbi de qualquer forma, seja encoberto ou transparente, por isso a regulamentação só pode melhorar e não piorar.
Proxima Pergunta: Que tipos de lóbi existem?
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Que tipos de lóbi existem?
Direto, de topo ou de base: há três formas de categorizar o lóbi, que podem ser usadas em simultâneo.
- O lóbi direto é o mais simples: o representante de certos interesses tenta influenciar os decisores políticos que estão diretamente relacionados com esses interesses. Estamos a falar de deputados de comissões parlamentares, ministros ou secretários de Estado.
- O lóbi de topo é, de certa forma, um tipo de lóbi indireto. Os representantes, neste caso, tentam influenciar decisores políticos no topo dos centros de decisão para que estes pressionem os seus subordinados.
- Já o lóbi de base é o mais utilizado pelos cidadãos comuns ou associações cívicas que não têm capacidade financeira suficiente ou uma rede de networking musculada. A estratégia é colocar o assunto na agenda mediática para conquistar a opinião pública e assim pressionar decisores políticos. Este tipo de influência é feito através dos media, web, manifestações ou greves.
Proxima Pergunta: O que se sabe sobre o lobbying em Portugal?
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O que se sabe sobre o lobbying em Portugal?
“Tudo se processa aos olhos de toda a gente e com grande aceitação social. A famosa ‘cunha’ generalizada na sociedade portuguesa, funciona ao mais alto nível”. As palavras são de Susana Coroado, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no relatório “Lóbi a descoberto” (2014).
A citação da ativista da associação cívica TIAC – Transparência e Integridade é bem taxativa quanto à existência de um lóbi encoberto retratado pela palavra “cunha” ou pelo “puxar de cordelinhos”, uma prática nada transparente.
A investigadora descreve ainda que é o setor financeiro o que mais poder tem nas redes de influência, seguido do poder político que gradualmente perdeu peso. Os setores da energia e da construção civil são dos mais poderosos em Portugal, classifica Coroado: “Não é difícil perceber quais os grupos que têm mais influência na política nacional, basta seguir o rasto do financiamento privado do Estado e das suas atividades e negócios, bem como a passagem de ex-políticos para cargos de relevo nessas empresas”.
Proxima Pergunta: Quem faz lobbying para regular o lóbi?
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Quem faz lobbying para regular o lóbi?
Fazer lóbi, de acordo com a classificação da OCDE, é um direito da democracia. Diabolizada por uns, mas enaltecida por outros, esta atividade – principalmente sem regulamentação – corre o perigo de ser dominada por interesses não legítimos, fora do escrutínio público.
A TIAC acredita na mesma premissa. O lóbi é um dos temas essenciais da associação que luta contra os abusos resultantes da não regulamentação, seguindo como referência a organização mundial Transparency International. “Legitimar o lóbi como força positiva de mudança das políticas e fomentar a igualdade de acesso de todos os grupos de interesse na sua formulação” é um dos principais objetivos da TIAC.
De 2007 até agora o tema passou por programas de Governo, mas falhou a sair do papel para a prática. Em maio deste ano, o grupo parlamentar do CDS apresentou um projeto de lei para regulamentar o lóbi.
Proxima Pergunta: O que propõe o CDS?
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O que propõe o CDS?
A criação de um Registo de Transparência é a base da proposta de lei do CDS para a regulamentação do lóbi. O projeto de lei prevê que a inscrição seja obrigatória, gratuita e pública, sendo acessível aos cidadãos.
Desta forma, mesmo sendo facultativa, a ausência de inscrição pode gerar suspeitas. Este fator pode contribuir para que os lobistas se registem, até porque a proposta antecipa que a entidade pública contactada por um lobista não inscrito “deverá notifica-lo para proceder previamente à sua inscrição no Registo”. A longo prazo, o CDS pretende ir “no sentido de uma regulação futuramente mais exigente”.
Mas quem deve inscrever-se afinal? Representantes de interesses legítimos de “todas as entidades, com ou sem fim lucrativo, singulares ou coletivas, sob a forma comercial ou não, que atuem junto das entidades públicas”. Isto é, por exemplo, da Assembleia da República ou do Governo. Neste enquadramento podem incluir-se advogados e solicitadores caso a sua atividade seja fazer pressão legítima. Caso seja pedir uma informação ficam excluídos. Também os parceiros sociais enquanto participantes na concertação social ficam excluídos deste regime, assim como convites individualizados para audições.
Como é que o CDS descreve a atividade dos lobistas? Definem-se pela sua influência em “políticas públicas, legislação, regulamentação ou decisões, em representação dos seus interesses, dos interesses de grupos específicos ou de terceiros”. Todas as atuações (contactos, tomadas de posições, conferências ou reuniões, por exemplo) de tentativa de influência junto de decisores públicos devem constar no Registo de Transparência. O perfil de cada lobista deve conter os principais “interesses legítimos” que representa, dados da entidade ou o nome dos três principais clientes para quem faça profissão desta atividade de representação.
Ano a ano, o sistema deve ser avaliado pelas próprias entidades públicas. O grupo parlamentar do CDS defende uma “análise qualitativa e quantitativa do funcionamento dos registos, incluindo o número de entidades registadas, os acessos, as atualizações, e os problemas encontrados na sua aplicação e na dos códigos de conduta”. O objetivo é, em conjunto com outras organizações, melhorar o Código de Conduta para as Relações entre Representantes de Interesses Legítimos e Entidades Públicas, também definido nesta proposta.
Proxima Pergunta: Quando vai a votos?
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Quando vai a votos?
A caminhada ainda é longa. O CDS apresentou o projeto-lei em maio com uma discussão em generalidade, mas não houve votação. O projeto de lei baixou à Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas onde a discussão legislativa irá ocorrer. No entanto, desde junho que os trabalhos da comissão – que têm outras duas iniciativas legislativas propostas sobre transparência – têm sido audições. Pela comissão já passaram o Provedor da Justiça, o Conselho de Prevenção da Corrupção e o Centro de Estudos Judiciários.
Além de receber várias pessoas, a comissão para a transparência organizou um debate na Sala do Senado, no dia 14 de setembro. A sessão envolveu lobistas portugueses na União Europeia, a vice-presidente do Tribunal Constitucional Maria Lúcia Amaral, uma representante da Unidade de Transparência do Parlamento Europeu Marie Thiel e a consultora de comunicação Domingas Carvalhosa.
A fase de audições, prevê ao ECO a deputada do CDS Vânia Dias da Silva, só deverá terminar em novembro. Depois disso é que ocorrerá a discussão legislativa, com a possibilidade de outros partidos apresentarem projetos de lei, nomeadamente o PSD, que o tentou fazer enquanto era governo, e o PS que já anunciou que irá fazer uma proposta.
Com um Orçamento do Estado pelo meio, é provável que uma votação só aconteça no próximo ano. Vânia Dias da Silva afirma até que o documento do CDS é “propositadamente aberto para poder ser trabalhado por toda a gente”, abrindo o jogo para alterações até ocorrer uma votação na comissão. Decisões em relação a questões como a declaração de rendimentos dos lobistas e que entidade deve fiscalizar o registo de transparência ainda estão em cima da mesa.
Proxima Pergunta: Qual o estado do lóbi na Europa?
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Qual o estado do lóbi na Europa?
Bruxelas é uma das capitais do lóbi, logo a seguir a Washington. As decisões da União Europeia afetam todos os Estados-membros e, por isso, instituições como o Banco Central Europeu, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia ganharam importância na ótica dos lobistas.
O Registo de Transparência já existe na União Europeia, onde existem diferentes centros de decisão que seguem Códigos de Conduta. Entre os lobistas estão portugueses: Luís Queiró e Henrique Burnay são os dois sócios da Eupportunity, a primeira empresa nacional oficialmente de lóbi com escritório em Bruxelas.
Do lado da fiscalização, existe a Alter-EU, uma plataforma com cidadãos, organizações não-governamentais e académicos europeus que lutam pela transparência do lobbying. Esta plataforma lançou recentemente uma campanha com mais de 100 organizações para tornar obrigatória a credenciação de todos os lobistas na UE.Os lobistas inscritos têm de registar a sua atividade: reuniões, comités, fóruns, uma estimativa de custos relacionados cm a atividade, informações sobre a atividade dos grupos inscritos. Há ainda o compromisso de tornar público datas, locais e nomes de organizações no que toca a encontros entre decisores políticos e lobistas.
Tal como em Portugal, os deputados dos restantes países europeus “raramente exercem o seu mandato em exclusividade e em alguns casos exercem consultoria parlamentar como uma atividade extra-parlamentar remunerada, sem quaisquer impedimentos ou fiscalização”, escreve Susana Coroado. O caso de Portugal é pior, defende, por causa da “proximidade dos atores” e da “concentração do poder de influência”, daí acentuar a necessidade de se legislar esta atividade.