Está a chegar um mercado voluntário de carbono. O que é?
- Ana Batalha Oliveira
- 31 Janeiro 2023
O Governo anunciou que está a preparar um mercado voluntário de carbono. O que é este mercado, em que é que difere do europeu e o que acrescenta?
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O que é um mercado de carbono?
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Qual a diferença entre o mercado voluntário e o europeu?
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O que se sabe do mercado voluntário português?
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Como funciona um mercado de carbono?
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Que empresas têm interesse em participar?
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Há mais mercados voluntários de carbono?
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O que é preciso para montar um mercado voluntário de carbono?
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E que questões podem ser problemáticas?
Está a chegar um mercado voluntário de carbono. O que é?
- Ana Batalha Oliveira
- 31 Janeiro 2023
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O que é um mercado de carbono?
Um mercado de carbono consiste na criação de créditos ou licenças que são pagos pelas empresas de forma a compensar as respetivas emissões poluentes.
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Qual a diferença entre o mercado voluntário e o europeu?
A diferença chave entre o Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE) e o mercado que está a ser preparado em Portugal é a palavra “voluntário”.
O Comércio Europeu de Licenças de Emissão identifica setores e entidades, que têm necessariamente de participar no sistema e que estão sujeitos a determinados limites de emissões (cap). São emitidas licenças por uma entidade reguladora que são compradas pelas empresas, sendo que o direito a ter estas licenças tem sido cada vez mais apertado.
Por exemplo, no quarto período de implementação do CELE (2021-2030) foi introduzido um fator de redução linear de 2,2% na quantidade total de licenças de emissão disponíveis (em vez de 1,74% no período 2013-2020).
O objetivo europeu é que as emissões dos setores, abrangidos por este mecanismo, atinjam uma redução de 43% em 2030 em relação aos valores de 2005. No caso de as empresas superarem os seus objetivos, as licenças em excesso podem ser vendidas em mercado.
Os fundos do CELE em Portugal são alocados parcialmente ao fundo ambiental, indica Luís Miguel Costa, da consultora especializada no tema, Get2C.
“A União Europeia gere o CELE porque os Estados-membros lhe deram poder para isso, mas o que se retira dos tratados é que cabe aos Estados-membros criarem estruturas que permitam completar o CELE com instrumentos nacionais”, indica Filipe Vasconcelos Fernandes.
Os mercados voluntários diferem dos mercados de compliance, como o europeu, também porque nos voluntários não existe uma meta para nenhuma das empresas envolvidas. Tipicamente, as empresas medem as suas pegadas de carbono e estabelecem uma estratégia de redução de emissões. Para compensar as emissões, que não conseguem reduzir por alguma razão (por exemplo, por falta de alternativas), poderão, em regime voluntário, adquirir créditos de carbono.
Ao comprar as licenças, as empresas em causa estão no fundo a financiar projetos de captura de carbono ou de mitigação, que anulem o efeito nocivo das emissões de que são responsáveis, ou pelo menos parte dele.
Este tipo de mercados exige então o reconhecimento formal de projetos de redução de emissões de gases com efeito de estufa e sequestro de carbono, transformando-os em créditos, explica Cláudia Coelho.
“Qualquer entidade pode em teoria desenvolver um projeto. Se for de mitigação, pode ser uma pecuária que esteja a reduzir as suas emissões. Se for um de captura, se for captura natural, tem de estar sempre associada à plantação de árvores ou projetos ligados à agricultura, ou pastagens marítimas… mas hoje em dia vemos quase exclusivamente projetos ligados à criação de floresta”, diz Luís Miguel Costa. Podem ser as próprias empresas [agentes poluentes] a desenvolver os projetos ou a contactar com empresas especialistas que o façam.
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O que se sabe do mercado voluntário português?
Esta quinta-feira, 26 de janeiro, foi aprovado na generalidade o decreto-lei que cria e promove o desenvolvimento de um mercado voluntário de carbono de âmbito nacional, comunicou Maria Vieira da Silva na conferência do Conselho de Ministros. O objetivo é gerar incentivos económicos para reduzir emissões ou sequestro de carbono, disse.
O Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, havia anunciado há semanas que será colocada em consulta pública a legislação que “cria o mercado voluntário do carbono em Portugal”.
Este mercado baseia-se em projetos de redução de emissões de gases com efeito de estufa e de sequestro de carbono “que contribuam para o cumprimento dos compromissos nacionais, comunitários e internacionais assumidos por Portugal” e prevê-se que, numa fase inicial, se dê prioridade a projetos de sequestro florestal de carbono, em especial nas áreas florestais ardidas e nas áreas prioritárias previstas nos Programas de Ordenamento e Gestão da Paisagem.
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Como funciona um mercado de carbono?
No CELE, uma licença de emissão permite a emissão de uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivalente durante um determinado período. A obtenção de licenças de emissão é feita, por regra, através de leilão.
As receitas geradas pelos leilões das licenças de emissão, atribuídas a Portugal, integram o Fundo Ambiental, explica a Agência Portuguesa do Ambiente, no seu site. Parte das licenças de emissão é atribuída gratuitamente, como regra transitória deste regime, nomeadamente para evitar a “fuga de carbono” – a transferência da produção para países onde as restrições em matéria de emissões são menos rigorosas.
A atribuição de licenças de emissão a título gratuito tem vindo a ser reduzida e, à exceção do aquecimento urbano, será eliminada até 2030.
O mercado voluntário deverá funcionar nos mesmos moldes, ou seja, num sistema de leilão. O valor dos créditos é ditado no mercado, diz Luís Miguel Costa, avisando que “nem todos são iguais: plantar sobreiros não é a mesma coisa que plantar eucaliptos. Os créditos de sobreiro devem valer sempre mais”.
E, no caso de estar a ser leiloado um crédito associado à reflorestação de áreas ardidas, o que traz riqueza às populações afetadas, também implica um valor extra. No fim de contas, a avaliação do valor do crédito de carbono tem em consideração fatores além do dióxido de carbono emitido, indica a Get2C.
Todas as negociações deveriam ser executadas, à partida, numa plataforma informática, transparente.
Adquirido o crédito de carbono, este deverá ser refletido nos relatórios e contas da empresa em causa, e deve ainda ser tido em conta para efeitos de avaliação dentro de um rating ambiental.
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Que empresas têm interesse em participar?
Para esta iniciativa legislativa já foram ouvidas cerca de duas dezenas de empresas interessadas, afirmou o ministro do Ambiente. Para Vasconcelos Fernandes, a questão passará mesmo a ser: “Que setores não estão interessados?”.
A participação neste mercado deverá interessar sobretudo a empresas que queiram acelerar a sua descarbonização mas não participem no CELE – por não fazerem parte dos setores contemplados –, e ao mesmo tempo desejem posicionar-se bem em ratings ESG. Este último aspeto tem “um potencial enorme”, avalia Filipe Vasconcelos Fernandes, referindo a atratividade em termos do financiamento que ganham, do ponto de vista dos bancos.
Em termos de compradores, as grandes e médias empresas são as que têm mais responsabilidade de participar neste esforço de mitigação, considera a Get2C. Paralelamente, é também importante para empresas que façam desenvolvimento dos projetos, que tenham este acesso à floresta ou se movam no setor da agricultura.
O setor dos serviços é um exemplo de um grupo potencialmente interessado. Tudo o que são serviços de larga escala”, diz Vasconcelos Fernandes. É relevante para essas entidades acelerar o seu ritmo de descarbonização e beneficiar em termos de reputação, defende.
Já o setor dos transportes também não pode, de um dia para o outro, dizer que as frotas de camiões vão parar, deixar de emitir. Logo, esta é uma boa alternativa.
Uma outra categoria de negócios que terá grande interesse é o setor financeiro, da banca até aos fundos de investimento. “São aqueles que vão ajudar os que querem descarbonizar a montar o produto. Admito que os bancos tenham muito interesse neste mercado mais como fornecedor de serviços ou assessor nesta matéria”, sinaliza Vasconcelos Fernandes, que vê “grande predisposição e curiosidade” da parte destes atores nos mercados de carbono.
Podem estruturar os títulos assessorar e até participarem da própria transação dos títulos, que podem ser revendidos em mercados secundários, antevê a mesma fonte.
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Há mais mercados voluntários de carbono?
Sim, há. Austrália, Estados Unidos, Canadá, Japão e Reino Unidos são alguns exemplos, sendo que também começam a surgir nos países árabes, aponta Filipe Vasconcelos Fernandes. “Existem também alguns Estados membros que já têm mercados voluntários de carbono, mas em qualquer um dos casos são realidades bastante embrionárias, muitos deles eclodindo em redutos não oficiais, em mercados privados”, acrescenta.
A publicação desta regulamentação é aguardada há algum tempo em Portugal, existindo também um projeto ao nível europeu para a criação de uma iniciativa nesta área – foi publicada a 30 de novembro de 2022 uma proposta de Regulamento que estabelece o enquadramento europeu para a certificação de remoção de carbono, indica, por sua vez, Cláudia Coelho.
O próprio ministro do Ambiente assinalou que este é “um tema que já está a ser discutido na União Europeia e no qual Portugal pretende adiantar-se”. Vasconcelos Fernandes considera que se Portugal “efetivamente avançar para um regime voluntário a sério, bem estruturado, com regime fiscal atrativo e metas de internalização de carbono, ficaremos na dianteira à escala europeia nessa matéria”.
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O que é preciso para montar um mercado voluntário de carbono?
No caso português, o mercado deverá ter um caráter público, isto é, pressupõe a intervenção de uma entidade pública na gestão dos processos, que poderá ser a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), calcula Vasconcelos Fernandes. “Vai depender da natureza jurídica dos títulos. Se estiver perto dos valores mobiliários, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) também pode intervir. Vai depender do enquadramento”, diz.
“A melhor prática para um mercado desta natureza deve contemplar um verificador externo e reconhecido que assegure a qualidade e certificação dos créditos gerados”, acrescenta Cláudia Coelho. A Get2C enumera os vários intervenientes: aqueles que compram os créditos e os usam para compensar emissões; outros que calculam o capital natural e dióxido de carbono que é gerado; e, finalmente, os donos da floresta ou arrendatários, no fundo as entidades que permitem o desenvolvimento dos projetos.
O consultor realça que tem de haver clareza e simplificação quanto às regras financeiras e implementação dos projetos – não pode ser um processo muito burocrático. E defende que, quando uma entidade quer desenvolver um projeto, tem de ter a confiança de que vai ter um comprador, independentemente de ser uma empresa comercial, ou até o Estado. Poderia funcionar através de um esquema de opção, no qual a compra do crédito, associado a determinado projeto, estivesse sempre garantida; se não houvesse uma empresa a comprá-lo, o Estado compraria, para assegurar que este não deixa de ser executado.
Filipe de Vasconcelos Fernandes, especialista em energia mas também em fiscalidade, acredita que a questão da tributação é essencial como incentivo à participação neste mercado. Sugere como um possível incentivo que o custo de subscrição destes títulos seja dedutível em IRC, ou tenha uma majoração. Além disto, indica que será necessário criar juridicamente a figura de créditos ou títulos de carbono, que ainda não existe. Em segundo lugar, terá de se balizar a quantidade ótima de carbono que se pretende que seja incluída nos mercados voluntários.
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E que questões podem ser problemáticas?
Existem algumas pontas soltas que dão que pensar. Uma das críticas frequentes a este tipo de mercados é que podem servir para que empresas, com poder económico, acabem por retardar a mudança dos seus processos e do seu negócio enquanto poderem pagar a compensação dos danos ambientais que causam.
Vasconcelos Fernandes diz que é necessário criar um equilíbrio que assegure que as atividades que não estão no CELE possam contribuir para gerir emissões que não podem terminar no curto prazo, mas assegurar que esse ciclo não se perpetua excessivamente. No CELE, para não arrastar o ciclo, apertou-se o número de licenças disponíveis, para que estas se tornem cada vez mais caras e incentivem as empresas a terminarem de facto com as emissões.
No modelo puro de mercado voluntário seria possível saltar fora se as licenças se tornarem demasiado caras e penalizadoras, mas mercados como o australiano e o dos Estados Unidos têm prevenido essas saídas com a subscrição de títulos numa lógica de contratos multianuais, que vinculam as empresas por cerca de cinco anos em vez de um só. E, se tiveram direito a deduções e incentivos especiais, teriam de devolvê-los.