Mecanismo ibérico: Quem paga? Compensa?
- Ana Batalha Oliveira
- 11 Agosto 2022
O presidente da Endesa, Nuno Ribeiro da Silva, fez soar os alarmes quanto ao impacto dos custos do mecanismo ibérico na fatura da luz. No entanto, o balanço é tido como positivo.
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De onde vêm os custos do mecanismo?
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Quem vai pagar os custos do mecanismo?
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Porque é que estes consumidores pagam o custo do mecanismo?
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Posso ficar prejudicado no preço que pago pela luz devido aos custos do mecanismo?
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Como posso saber quanto vou pagar do mecanismo?
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O mecanismo levanta questões de desequilíbrios ao nível da concorrência?
Mecanismo ibérico: Quem paga? Compensa?
- Ana Batalha Oliveira
- 11 Agosto 2022
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De onde vêm os custos do mecanismo?
O mecanismo ibérico veio definir um limite aos preços do gás natural que é usado na produção da eletricidade. Esta energia pode assim ser vendida a um preço mais baixo no mercado grossista, um mercado diário, onde os comercializadores de eletricidade ou grandes consumidores compram eletricidade aos produtores. Para que os produtores, ou seja as centrais a gás, não fiquem prejudicados com o limite imposto, são compensados com um subsídio. Este é calculado consoante a diferença entre o preço limite imposto ao gás e o preço real a que o gás é transacionado, compensando-se desta forma os custos que as centrais têm com a produção de eletricidade a partir de gás. O custo do ajuste é, desta forma, variável.
Proxima Pergunta: Quem vai pagar os custos do mecanismo?
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Quem vai pagar os custos do mecanismo?
Tem vindo a ser comunicado que o custo do mecanismo será pago pelos beneficiários. Mas então, quem são os beneficiários?
Em comunicado, a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) esclareceu que o “diferencial de preço é suportado pelos consumidores que beneficiam deste mecanismo, ou seja, consumidores que têm ofertas comerciais com indexação ao mercado diário (spot) e novas contratações”. Esclarecendo quem constitui este último grupo, a advogada da área de Direito da Concorrência e União Europeia da SRS Advogados, Maria Barros Silva, indica que são considerados beneficiários “os consumidores que tenham iniciado ou renovado um contrato de fornecimento de eletricidade de preços fixos a partir de 26 de abril de 2022”. A mesma interpretação tem a Abreu Advogados: o mecanismo “beneficiará também os restantes consumidores de eletricidade [além dos que têm contratos “indexados ao mercado diário”] à medida que renovem os seus contratos de fornecimento”, dizem Tiago Corrêa do Amaral, sócio contratado da Abreu Advogados, e Guilherme Mata da Silva, advogado principal da mesma sociedade.
No decreto-lei 33/2022, onde é estabelecido o mecanismo, escreve-se que o custo deste recai sobre “comercializadores, agentes de mercado e consumidores de energia elétrica no âmbito do mercado grossista de eletricidade”. Entre as isenções constam “os consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022”, com a ressalva de que “as renovações ou as alterações das condições relativas aos preços de fornecimento de energia elétrica” vão colocar os contratos de fornecimento a preços fixos, celebrados depois de 26 de abril, “na base da repercussão dos custos do mecanismo”.
De acordo com a ERSE, no comunicado de 31 de julho, “a quantidade de energia destes fornecimentos que beneficiam de preços de eletricidade controlados, e que serão chamados a pagar o custo do ajustamento deste mecanismo, foi em junho e julho, respetivamente, de 18% e 29% do total nacional, sendo maioritariamente consumo industrial”.
Proxima Pergunta: Porque é que estes consumidores pagam o custo do mecanismo?
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Porque é que estes consumidores pagam o custo do mecanismo?
São considerados os beneficiários por duas razões. Por um lado, os consumidores de eletricidade que se abastecem diretamente no mercado diário ou cujos contratos de eletricidade estão indexados aos preços deste mercado são considerados os beneficiários mais diretos, já que o limite no gás trava os preços da eletricidade neste mercado, onde se abastecem ou que define o preço da eletricidade que pagam.
Em paralelo, também os consumidores com contratos a preços fixos podem beneficiar indiretamente, já que os preços destes contratos são definidos consoante os futuros do mercado diário que, com esta medida, descem. Aliás, são considerados beneficiários aqueles cujos contratos de eletricidade sejam iniciados ou renovados a partir do dia 26 de abril precisamente porque foi nesse dia que se chegou a um acordo político entre a Comissão Europeia e os Governos de Portugal e Espanha para lançar o mecanismo ibérico, o que mexeu com as expectativas relativamente aos contratos futuros, aliviando o respetivo preço.
Proxima Pergunta: Posso ficar prejudicado no preço que pago pela luz devido aos custos do mecanismo?
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Posso ficar prejudicado no preço que pago pela luz devido aos custos do mecanismo?
As entidades responsáveis – Governo e ERSE – têm vindo a repetir que não. Para o Governo, “os preços com o mecanismo serão sempre mais baixos do que sem ele”. O secretário de Estado da Energia, João Galamba, afirmou mesmo que associar uma subida de preços ao mecanismo “não faz qualquer sentido, é uma impossibilidade”. A ERSE comunicou que os beneficiários do mecanismo “serão chamados a suportar os custos do ajustamento associados a esta intervenção, resultando, apesar disso, num ganho face aos preços que seriam observados sem esta intervenção”.
O cruzamento dos dados dos preços diários disponibilizados pelo operador ibérico do mercado elétrico, o OMIE, com os dos preços internacionais disponibilizados na plataforma Epexspot, vão ao encontro das estimativas avançadas pelas entidades supracitadas. O preço médio da eletricidade negociada no mercado diário em Portugal para o dia 9 de agosto, por exemplo, era de 144,7 euros por megawatt-hora (eur/MWh), consideravelmente abaixo do preço médio para o mesmo dia em França (347 eur/MWh) ou Alemanha (344,87 eur/MWh). Ainda no site do OMIE, consta que o preço do ajuste a nível ibérico se situou em 128,88 eur/MWh, o que significa que o valor pago pelos beneficiários do mecanismo foi de 273,58 eur/MWh (a soma do preço diário com o custo do ajuste), abaixo do praticado nos pares europeus.
No entanto, se as previsões do Governo e do regulador falharem, há uma cláusula de salvaguarda no decreto-lei 33/2022 que não deverá permitir que o mecanismo seja aplicado em caso de não estar a servir o interesse dos consumidores. Lê-se, no artigo 14.º do decreto, o seguinte: “o Governo Português, ouvida a ERSE e com o acordo prévio do Governo Espanhol, pode determinar a suspensão do mecanismo de ajuste por força de razões de interesse público decorrentes de circunstâncias excecionais”.
Proxima Pergunta: Como posso saber quanto vou pagar do mecanismo?
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Como posso saber quanto vou pagar do mecanismo?
O Governo emitiu esta terça-feira, 9 de agosto, um despacho, no qual afirma ser opcional para os comercializadores a explicitação do custo do mecanismo na fatura. No entanto, caso este esteja explícito, o despacho obriga a que seja também discriminado o benefício obtido com o mecanismo. Isto, no caso de as comercializadoras estarem a passar para os respetivos clientes o custo com o mecanismo, algo que podem optar por não fazer.
Proxima Pergunta: O mecanismo levanta questões de desequilíbrios ao nível da concorrência?
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O mecanismo levanta questões de desequilíbrios ao nível da concorrência?
O decreto-lei 33/2022 isenta deste ajuste os consumos realizados no âmbito de bombagem dos centros eletroprodutores hídricos, os serviços auxiliares dos restantes centros eletroprodutores e sistemas de armazenamento (por exemplo, baterias), elenca a SRS Advogados. A mesma sociedade explica que a medida foi apreciada pela Comissão Europeia e que esta a considerou “adequada, necessária e proporcional”, sendo que os Estados-membros são autorizados a conceder auxílios a empresas ou setores específicos “para sanar uma perturbação grave da economia”. “A Comissão considerou, assim, que a medida está em conformidade com as regras da UE em matéria de concorrência”, conclui Maria Barros Silva.
Na ótica de Tiago Corrêa do Amaral e Guilherme Mata da Silva, “o racional por detrás destas isenções é precisamente o de não aumentar o custo da eletricidade destes produtores”. Neste sentido, apesar de as isenções beneficiarem os produtores de eletricidade que consomem eles próprios eletricidade, e os sistemas de armazenamento, que servem para suavizar os picos de procura, “tal isenção afigura-se estar em total conformidade com o objetivo da medida, tal seja a de reduzir o preço da eletricidade”. Imputar os custos da liquidação do valor do ajuste aos consumos associados à produção e armazenamento de eletricidade “seria contraproducente, uma vez que aumentaria o preço da eletricidade que se pretendeu reduzir”, concluem.