Descodificador: O que são cativações? São boas ou más?
- Margarida Peixoto
- 4 Novembro 2017
Desde o verão que as cativações têm gerado polémica, opondo esquerda e direita ao ministro das Finanças. O ECO reúne o que precisa de saber para acompanhar a discussão sem desistir.
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- Margarida Peixoto
- 4 Novembro 2017
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O que são cativações?
“Uma cativação corresponde a uma retenção de parte dos montantes orçamentados no lado da despesa, que se traduz numa redução da dotação disponível dos serviços e organismos. A libertação dessas verbas (descativação) é, regra geral, sujeita à autorização do Ministro das Finanças.”
A definição é do Conselho das Finanças Públicas. Por outras palavras, quer dizer que é como se o ministro das Finanças pegasse em parte do orçamento aprovado pela Assembleia da República para um determinado serviço público e guardasse o dinheiro numa gaveta.
Só com a autorização do ministro das Finanças é que o dirigente do serviço em causa pode gastar aquele dinheiro. Geralmente, para obter essa autorização o dirigente tem de justificar para que é que precisa da verba.
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Para que servem?
O objetivo fundamental das cativações é permitir ao ministro das Finanças ter mais controlo sobre a execução do orçamento do Estado. E isto pode ter uma interpretação positiva, de boa gestão orçamental, ou negativa, de excessivo poder do ministro das Finanças.
Por um lado, as cativações permitem evitar derrapagens de despesa, na medida em que ao condicionar a libertação da verba à autorização do ministro das Finanças, permitem evitar que os serviços gastem sem ter primeiro concretizado um nível de receitas suficiente. Podem ser vistas também como uma forma de responder a casos de sobreorçamentação de receitas próprias por parte dos serviços, evitando que esse desajustamento entre as projeções e a realidade conduza a défices orçamentais.
Esta utilidade das cativações era ainda mais relevante antes de ter sido criada a lei dos compromissos e pagamentos em atraso, em 2012. Esta lei, introduzida no período da troika e uma das exigências fundamentais do programa de ajustamento, impede os serviços de assumir compromissos sem primeiro terem fundos disponíveis suficientes para lhes fazer face, para evitar atrasos nos pagamentos. Contudo, e apesar da lei, os pagamentos em atraso ainda não foram eliminados.
Por outro lado, as cativações podem também ser uma forma de aplicar cortes de despesa sem ter de enfrentar a oposição do Parlamento no momento do debate e aprovação do Orçamento do Estado. Os governos podem aprovar dotações mais generosas na Assembleia da República, mas depois limitar a sua efetiva utilização durante a execução do Orçamento. É por isso que os partidos têm defendido que esta ferramenta de gestão é pouco transparente.
Além disso, permitem ainda desenhar Orçamentos mais resistentes a necessidades de retificação posterior. Se as verbas inicialmente aprovadas forem maiores, mesmo que haja necessidade de ir além do valor de despesa inicialmente previsto pelo ministro das Finanças, é possível fazê-lo sem ter de pedir nova autorização ao Parlamento para gastar mais.
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São cortes de despesa?
Não necessariamente. Mas podem conduzir a um corte de despesa. Se o ministro das Finanças não autorizar a libertação dos cativos, na prática eles traduzem-se num corte efetivo de despesa face ao que estava previamente orçamentado. Depois, haverá que comparar com a execução do ano anterior para aferir se para além de se ter cortado a despesa face à projeção inicial, ela também foi cortada face à execução passada.
Por exemplo, em 2016, quando a troika desconfiou da capacidade do Governo de cumprir a meta de défice orçamental, a resposta de Mário Centeno foi assumir o compromisso de não libertar parte dos valores cativados e transformá-los em cortes permanentes de despesa. O ministro das Finanças a congelou definitivamente 445 milhões de euros, face aos planos iniciais de despesa.
No Orçamento do Estado para 2018 é, contudo, menos provável que as cativações de despesa se concretizem num corte efetivo face ao passado, uma vez que estão a ser sobretudo aplicadas aos valores que excedam em 2% a despesa executada em 2016.
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São uma novidade deste Governo?
Não. São uma prática comum já com vários anos, aplicada tanto pelos Governos socialistas ou de direita.
Geralmente há uma parte das cativações que é determinada logo na lei de Orçamento do Estado, mas há cativações adicionais frequentemente somadas através do decreto-lei de execução orçamental — um diploma que determina como é que o Orçamento deve ser executado. A diferença é que estas últimas não são validadas pela Assembleia da República, consistindo numa decisão da responsabilidade exclusiva do Governo.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental analisou as cativações desde 2009 e encontrou valores de cativos entre 1% e 2,7% da despesa total orçamentada.
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Quem cativou mais?
De acordo com a análise da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, feita às cativações aplicadas desde 2009, foram os governos socialistas que mais recorreram a este expediente. Só nos governos do PS o valor dos cativos superou 2% da despesa total orçamentada.
Para 2017, a UTAO fez as contas mais tarde e apurou um valor de cativações na ordem dos 1.881 milhões de euros. Já quanto a 2018, os peritos do Parlamento estimaram 1.776 milhões de euros de cativos, mas o ministro das Finanças recusou este valor. Por enquanto, e referindo-se apenas ao que decorre da lei do orçamento do Estado, Centeno assume 1.156 milhões de euros de cativações, um valor abaixo dos 1.423 comparáveis em 2017. Contudo, faltará somar o impacto do decreto-lei de execução orçamental.
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Há exceções às cativações?
Sim. Há vários serviços excecionados da aplicação das cativações, todos os anos. Os organismos do Serviço Nacional de Saúde não são sujeitos a cativações e os serviços da Educação também são alvo de variadas exceções.
Por exemplo, em 2017 estas são algumas das exceções previstas logo na lei do Orçamento do Estado:
- As despesas inscritas na medida 084 «SIMPLEX +», nos orçamentos dos serviços e dos organismos da administração direta e indireta do Estado afetos a projetos relativos à implementação de simplificação administrativa, no âmbito do programa SIMPLEX +;
- Dotações afetas a projetos e atividades cofinanciados por fundos europeus e pelo Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, incluindo a respetiva contrapartida nacional;
- Despesas financiadas com receitas próprias e por transferências da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, inscritas nos orçamentos dos serviços e fundos autónomos e das fundações das áreas da educação e ciência e nos orçamentos dos laboratórios do Estado e nos de outras instituições públicas de investigação;
- Despesas financiadas com receitas próprias do Fundo para as Relações Internacionais, transferidas para os orçamentos do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
- Dotações da rubrica 020220, «Outros trabalhos especializados», quando afetas ao pagamento do apoio judiciário e dos honorários devidos pela mediação pública;
- Dotações inscritas no agrupamento 10 «Passivos Financeiros»;
- Certas despesas relativas à transferência de receitas provenientes da concessão do passaporte eletrónico português para a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, da entidade contabilística «Gestão Administrativa e Financeira do Ministério dos Negócios Estrangeiros» e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras;
- Dotações relativas às rubricas 020222, «Serviços de saúde», e 020223, «Outros serviços de saúde»;
- Dotações previstas na Lei de programação militar, e na Lei Orgânica que aprova a lei das infraestruturas militares;
- O Conselho das Finanças Públicas, as instituições de ensino superior e as entidades públicas reclassificadas que não recebam transferências do Orçamento do Estado ou de serviços e organismos da administração direta e indireta do Estado, cujas receitas próprias não provenham de um direito atribuído pelo Estado, ou que apresentem nos últimos três anos custos médios inferiores a 1,5 milhões de euros, ficam totalmente excluídos do âmbito de aplicação do artigo da lei do Orçamento do Estado cativações.