Por que linhas se cose o novo plano de pensões automáticas de Bruxelas?
- Luís Leitão
- 24 Novembro 2025
O plano da Comissão Europeia promete reformar as pensões europeias com um sistema de inscrição automática de contribuições complementares. Saiba o que muda, quem paga e quem ganha com esta proposta.
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Qual a razão da Comissão Europeia propor um sistema de inscrição automática de pensão complementar?
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Como funcionará esta medida?
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A proposta de Bruxelas obriga Portugal a adotar este sistema?
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Quem será abrangido por este sistema?
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É apenas o trabalhador que contribui para estas pensões complementares?
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É possível contribuir com um valor acima da taxa mínima para o plano de pensões?
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Qual é o papel do Estado na promoção das contribuições automáticas?
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Como será escolhido o fundo de pensões para efeitos da gestão da pensão complementar?
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Os fundos de pensões têm limitações na sua gestão?
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É possível mudar de fundo de pensões depois de se estar inscrito?
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Pode-se sair do sistema a qualquer momento?
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O que acontece numa situação de mudança de emprego?
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Quem supervisiona os mecanismos das pensões complementares?
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Que tratamento fiscal têm as contribuições?
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O que acontece numa situação de desemprego?
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Em que situações é possível aceder ao dinheiro poupado?
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Vale a pena aderir ao plano automático ou é melhor ter uma pensão privada tradicional?
Por que linhas se cose o novo plano de pensões automáticas de Bruxelas?
- Luís Leitão
- 24 Novembro 2025
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Qual a razão da Comissão Europeia propor um sistema de inscrição automática de pensão complementar?
Bruxelas propõe a inscrição automática (auto-enrolment) em pensões complementares para enfrentar uma crise demográfica e económica na Europa, espelhada em projeções que apontam para que nos próximos 25 anos a população ativa europeia reduza 22%, passando de 264 milhões em 2022 para 207 milhões de pessoas em 2050, enquanto o número de reformados aumentará 32 milhões. Este choque demográfico pressionará fortemente as pensões públicas, com taxas de reposição a diminuir drasticamente nas próximas décadas, segundo os vários relatórios “Ageing Report” da Comissão Europeia.
“O auto-enrolment provou ser a forma mais eficaz de aumentar a cobertura de pensões complementares”, reconhece a proposta de Bruxelas, citando o sucesso britânico (cobertura subiu de 45% para 74%) e o neozelandês.
A proposta da Comissão Europeia está inserida no âmbito da União para a Poupança e Investimento (estratégia da União Europeia para o setor financeiro), tem assim um duplo propósito: garantir rendimentos adequados na reforma e mobilizar os 10 biliões de euros que os europeus mantêm em contas bancárias, canalizando-os para investimentos produtivos que financiem a transição verde, digital e a competitividade europeia.
Proxima Pergunta: Como funcionará esta medida?
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Como funcionará esta medida?
A inscrição automática (auto-enrolment) é um mecanismo em que os trabalhadores são automaticamente inscritos num plano de pensões complementares, com liberdade para sair se assim o desejarem. Ao contrário dos sistemas tradicionais, em que é necessário dar um passo para aderir, a proposta da Comissão Europeia assume que a adesão seja automática, embora voluntária, na prática.
No centro da proposta da Comissão Europeia estão como fonte de inspiração os exemplos de países como o Reino Unido e a Nova Zelândia, com Bruxelas a recomendar que os 27 Estados-membros da União Europeia se inspirem também nos sistemas destes países:
- Reino Unido: O sistema britânico, implementado em 2012, é considerado um dos mais bem-sucedidos. Os empregadores são obrigados por lei a inscrever automaticamente todos os trabalhadores elegíveis num esquema qualificado. O trabalhador contribui com 5% do seu salário (rendimentos entre 6.240 e 50.270 libras anuais), o empregador com 3%, e há ainda um benefício fiscal de 1%, totalizando no global contribuições de 8% dos rendimentos.
- Nova Zelândia: O KiwiSaver foi lançado em 2007 e consiste num sistema voluntário de inscrição automática integrado no sistema fiscal PAYE. Os novos trabalhadores permanentes entre 18 e 65 anos são automaticamente inscritos no primeiro dia de trabalho, podendo optar por contribuir com 3%, 4%, 6%, 8% ou 10% do salário bruto – se não escolherem, aplica-se o mínimo de 3%. O empregador contribui obrigatoriamente 3% (subindo para 3,5% em 2026 e 4% em 2028).
Proxima Pergunta: A proposta de Bruxelas obriga Portugal a adotar este sistema?
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A proposta de Bruxelas obriga Portugal a adotar este sistema?
Não. Trata-se de uma recomendação da Comissão Europeia aos 27 Estados-membros da União Europeia, não de uma diretiva vinculativa. Cada país mantém total autonomia para decidir se implementa ou não o sistema de inscrição automática e, caso o faça, tem toda a margem para definir os seus próprios moldes.
O Governo português apenas terá de legislar especificamente sobre o regime, se decidir avançar com a medida. A Irlanda, por exemplo, decidiu implementar o seu sistema (My Future Fund) a partir de janeiro do próximo ano, enquanto além do Reino Unido, também na Europa, Itália e Polónia já implementaram sistemas semelhantes, “observando aumentos graduais, porém constantes, na participação ao longo do tempo”, refere a Comissão Europeia em comunicado.
Proxima Pergunta: Quem será abrangido por este sistema?
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Quem será abrangido por este sistema?
A proposta da Comissão Europeia recomenda uma cobertura o mais ampla possível para melhorar a adequação das pensões. Nos exemplos internacionais referidos por Maria Luís Albuquerque, comissária europeia pelos Serviços Financeiros e União da Poupança e dos Investimentos, a elegibilidade varia.
No Reino Unido, por exemplo, abrange trabalhadores entre os 22 anos e a idade da reforma estatal, com rendimentos superiores a 10 mil libras anuais. Na Nova Zelândia (KiwiSaver) são inscritos automaticamente novos trabalhadores permanentes entre os 18 e os 65 anos e na Irlanda, o sistema My Future Fund aplica-se a trabalhadores entre os 23 e os 60 anos que ganhem mais de 20 mil euros.
Proxima Pergunta: É apenas o trabalhador que contribui para estas pensões complementares?
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É apenas o trabalhador que contribui para estas pensões complementares?
Não, e essa é uma das grandes vantagens deste sistema. O modelo típico envolve contribuições tripartidas: trabalhador, empregador e Estado. No Reino Unido, o mínimo é de 8% dos rendimentos qualificáveis (5% do trabalhador, 3% do empregador, mais 1% de isenção fiscal). No KiwiSaver neozelandês, ambos contribuem no mínimo 3% do salário bruto, sendo que a taxa mínima do empregador subirá para 3,5% em 2026 e 4% em 2028.
Na Irlanda, o sistema arranca com 1,5% de cada parte (trabalhador e empregador) até um salário máximo de 80 mil euros, mais 0,5% do Estado, aumentando gradualmente até 6%, 6% e 2%, respetivamente, ao longo de 10 anos.
Proxima Pergunta: É possível contribuir com um valor acima da taxa mínima para o plano de pensões?
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É possível contribuir com um valor acima da taxa mínima para o plano de pensões?
Em todos os sistemas de auto-enrolment isso é permitido, sendo assim de esperar que em Portugal suceda o mesmo. A proposta da Comissão Europeia recomenda explicitamente que os participantes possam optar por taxas de contribuição voluntárias além dos mínimos.
No Reino Unido, os trabalhadores podem contribuir quanto desejarem, estando sujeitos a um limite.
No KiwiSaver, os neozelandeses podem escolher taxas de contribuição mais elevadas (até 10%) ou fazer contribuições voluntárias adicionais a qualquer momento.
Na Irlanda, durante os primeiros 10 anos do My Future Fund, as taxas de contribuição estarão fixadas nos escalões faseados, mas após esse período espera-se maior flexibilidade.
Proxima Pergunta: Qual é o papel do Estado na promoção das contribuições automáticas?
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Qual é o papel do Estado na promoção das contribuições automáticas?
A proposta da Comissão Europeia encoraja os Estados-membros a oferecer incentivos fiscais ou subsídios diretos, especialmente para grupos de baixos rendimentos e trabalhadores mais jovens, tornando a participação mais acessível. No Reino Unido, o benefício fiscal equivale a 20% das contribuições (ou mais para contribuintes de escalões superiores).
Na Irlanda, o Estado vai oferecer um top-up direto equivalente a 25% das contribuições do trabalhador (1 euro por cada 3 euros contribuídos), substituindo o benefício fiscal tradicional. A Nova Zelândia tinha anteriormente um crédito fiscal, mas foi descontinuado, mantendo-se apenas a contribuição obrigatória do empregador.
Proxima Pergunta: Como será escolhido o fundo de pensões para efeitos da gestão da pensão complementar?
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Como será escolhido o fundo de pensões para efeitos da gestão da pensão complementar?
A proposta de Bruxelas recomenda que os Estados-membros estabeleçam opções por defeito (default) para evitar sobrecarregar os trabalhadores com decisões complexas.
No Reino Unido, cada empregador seleciona um esquema qualificado que oferece uma opção default, geralmente que segue uma estratégia de gestão com base no ciclo de vida (lifecycle), que ajusta automaticamente o risco à medida que o contribuinte se aproxima a reforma.
No neozelandês KiwiSaver, os trabalhadores podem escolher entre cerca de 30 fornecedores com centenas de fundos diferentes. Se não escolherem, são alocados a um esquema por defeito com taxas reguladas.
Na Irlanda, o My Future Fund será gerido centralmente pela NAERSA, colocado à disposição dos trabalhadores quatro perfis de investimento (conservador, risco moderado e risco elevado), contendo na sua carteira fundos cotados e alguns fundos de investimento.
Proxima Pergunta: Os fundos de pensões têm limitações na sua gestão?
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Os fundos de pensões têm limitações na sua gestão?
A Comissão Europeia recomenda amplamente que os fundos de pensões sigam estratégias de investimento assentes no princípio de “ciclo de vida”. Estas estratégias ajustam automaticamente a alocação de ativos do portefólio – de investimentos mais voláteis (ações) para menos voláteis (obrigações e liquidez) – à medida que o trabalhador se aproxima da reforma.
No Reino Unido, a maioria dos esquemas standard usa esta abordagem de investimento, reduzindo o risco nos últimos 10-15 anos antes da reforma.
O KiwiSaver, por exemplo, oferece aos neozelandeses planos de investimento classificados como “conservadores”, “equilibrados”, “crescimento” e “agressivo” – muitos fornecedores disponibilizam também opções de seleção individual para quem deseja mais controlo.
Na Irlanda, o My Future Fund oferecerá quatro perfis (conservador, risco moderado, risco elevado e um quarto perfil), com alocação automática baseada na idade.
Proxima Pergunta: É possível mudar de fundo de pensões depois de se estar inscrito?
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É possível mudar de fundo de pensões depois de se estar inscrito?
Sim. A proposta da Comissão Europeia enfatiza a importância da portabilidade e da liberdade de escolha.
No Reino Unido, pode-se transferir fundos entre esquemas, embora alguns cobrem taxas.
No neozelandês KiwiSaver é possível mudar de fornecedor a qualquer momento, com o novo fornecedor a tratar de toda a transferência, que demora cerca de duas semanas, embora o fornecedor antigo possa cobrar uma taxa.
A Irlanda adotará um sistema “pot-follows-member”, permitindo que a poupança acompanhe o trabalhador entre empregos sem necessidade de múltiplas inscrições.
Proxima Pergunta: Pode-se sair do sistema a qualquer momento?
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Pode-se sair do sistema a qualquer momento?
A liberdade de saída (opt-out) é um pilar fundamental deste modelo. A proposta da Comissão Europeia recomenda que os Estados-membros estabeleçam janelas de opt-out e de reinscrição bem definidas.
No Reino Unido, os trabalhadores podem sair a qualquer momento após a inscrição inicial, e há reinscrição automática a cada três anos.
Na Nova Zelândia há uma janela entre o 14.º e o 56.º dia de emprego para sair sem custos.
Na Irlanda, a janela de opt-out ocorre entre o 6.º e o 8.º mês após a inscrição. Em todos os casos, quem sai do esquema de pensões complementares recebe o reembolso das suas contribuições, mas as contribuições do empregador e do Estado permanecem no fundo.
Proxima Pergunta: O que acontece numa situação de mudança de emprego?
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O que acontece numa situação de mudança de emprego?
A portabilidade é uma característica essencial destes sistemas. No Reino Unido, a pensão permanece do trabalhador mesmo se mudar de emprego. Significa que pode continuar a contribuir para o esquema antigo, transferir para o novo, ou consolidar múltiplas pensões numa só.
No neozelandês KiwiSaver, o esquema é portátil por natureza – a poupança acompanha o trabalhador automaticamente entre empregos através do sistema IRD, sem necessidade de qualquer ação.
Na Irlanda, o My Future Fund adota o modelo “pot-follows-member”: usando o PPSN (número de segurança social) como identificador único, a poupança transita automaticamente entre empregos.
Proxima Pergunta: Quem supervisiona os mecanismos das pensões complementares?
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Quem supervisiona os mecanismos das pensões complementares?
A proposta da Comissão Europeia enfatiza a importância de uma supervisão robusta e poderes de intervenção precoce.
No Reino Unido, o regulador (The Pensions Regulator) supervisiona todos os esquemas de auto-enrolment (inscrição automática), garantindo que cumprem requisitos de qualidade e que os custos permanecem dentro dos limites estabelecidos.
Na Nova Zelândia, os esquemas default (escolhidos por defeito) são sujeitos a requisitos especiais, taxas máximas reguladas e monitorização próxima pelo governo. Todos os esquemas são supervisionados pela Financial Markets Authority.
Na Irlanda, a NAERSA será responsável pela administração e supervisão do My Future Fund, com poderes para garantir uma relação custo-benefício” e proteção dos aforradores.
Proxima Pergunta: Que tratamento fiscal têm as contribuições?
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Que tratamento fiscal têm as contribuições?
O tratamento fiscal varia significativamente entre países. No Reino Unido, as contribuições beneficiam de uma isenção fiscal: os contribuintes do escalão básico (20%) recebem automaticamente esse benefício. Os contribuintes de escalões superiores (40% ou 45%) podem reclamar esse diferencial.
Na Nova Zelândia, as contribuições do trabalhador são deduzidas do salário bruto, mas não há benefício fiscal direto sobre elas, e os empregadores pagam uma taxa – Employer Superannuation Contribution Tax (ESCT) – sobre as suas contribuições.
Na Irlanda o modelo é diferente: as contribuições do trabalhador não têm benefício fiscal tradicional, sendo substituídas pelo top-up estatal de 25% e as contribuições do empregador são dedutíveis para efeitos de IRC.
A proposta da Comissão Europeia recomenda ainda incentivos direcionados para tornar a participação acessível a quem tem rendimentos mais baixos. No Reino Unido, mesmo quem ganha abaixo do limiar de imposto recebe os 20% de isenção fiscal nas contribuições. A Irlanda oferece o top-up estatal de 25% a todos, independentemente do escalão fiscal, o que beneficia particularmente trabalhadores do escalão padrão que de outra forma teriam apenas 20% de benefício.
A proposta da Comissão Europeia sugere também que os Estados-membros considerem “a adoção de boas práticas, tais como subsídios fixos para apoiar a acessibilidade para pessoas com baixos rendimentos, incentivos fiscais para incentivar uma adesão em grande escala, créditos de pensão por cuidados prestados, ajudando assim a colmatar as disparidades entre homens e mulheres em matéria de pensões”, lê-se na proposta, apresentada por Maria Luís Albuquerque na quinta-feira.
Proxima Pergunta: O que acontece numa situação de desemprego?
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O que acontece numa situação de desemprego?
Nessa situação as contribuições ficam suspensas até regressar ao mercado laboral. A proposta da Comissão Europeia reconhece a necessidade de flexibilidade para carreiras atípicas e pausas laborais.
No Reino Unido, se deixar de trabalhar, as contribuições cessam, mas o fundo permanece investido. Ao regressar ao mercado com novo empregador, será automaticamente reinscrito se elegível.
No neozelandês KiwiSaver, os contribuintes podem solicitar uma suspensão de contribuições entre 3 meses e 5 anos, em que durante este período o empregador também não contribui.
Na Irlanda, os trabalhadores com contratos atípicos ou rendimentos irregulares poderão ter arranjos especiais com maior flexibilidade sobre a frequência e montante das contribuições.
Proxima Pergunta: Em que situações é possível aceder ao dinheiro poupado?
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Em que situações é possível aceder ao dinheiro poupado?
As regras de acesso variam consoante o país, mas geralmente ligam-se à idade da reforma. No Reino Unido, pode normalmente aceder à pensão a partir dos 55 anos (subindo para 57 em 2028), com 25% do fundo livre de imposto.
No neozelandês KiwiSaver, o acesso normal é aos 65 anos, mas há exceções para compra da primeira casa (após 3 anos de participação) ou por dificuldades financeiras significativas. Na Irlanda, os levantamentos do My Future Fund estarão ligados à idade da pensão estatal (atualmente 66 anos), com até 25% do fundo livre de imposto e o restante sujeito a IRS.
Proxima Pergunta: Vale a pena aderir ao plano automático ou é melhor ter uma pensão privada tradicional?
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Vale a pena aderir ao plano automático ou é melhor ter uma pensão privada tradicional?
Depende da situação de cada um, mas os sistemas de auto-enrolment têm vantagens importantes: contribuição obrigatória do empregador (efetivamente “dinheiro grátis”), processo simplificado, custos geralmente mais baixos devido a economias de escala, e incentivos estatais.
Idealmente, os trabalhadores podem combinar ambos: aderir ao auto-enrolment para beneficiar da contribuição patronal e do incentivo estatal, e complementar com contribuições adicionais por via de um produto orientando para construir um complemento de reforma. O fundamental é poupar e investir para o longo prazo.