A Advocatus falou com o advogado penalista e associado coordenador da MFA Legal, Rui Costa Pereira, sobre a forma como o Ministério Público comunica e como comunicou a Operação Influencer.
Na segunda-feira, António Costa, lançou o repto: “Pode é perguntar a quem fez o comunicado e a quem tomou a decisão de dissolver a Assembleia da República se fariam o mesmo perante o que sabem hoje”, disse. O primeiro-ministro em gestão referia-se ao comunicado enviado pelo gabinete da Procuradora-Geral da República (PGR) a 7 de novembro, logo após serem conhecidas as buscas em São Bento, em que, no último e já famoso parágrafo, vinha a menção a uma investigação a António Costa, a decorrer no Ministério público do Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
António Costa disse ainda estar “magoado” com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e reforçou que desconhece as suspeitas que levou à existência deste processo. Logo após estas declarações do Chefe do Executivo, Lucília Gago reagia, denunciando o que chamou de ataques ao Ministério Público (MP) e garantiu que a magistratura vai continuar “inquebrantável e incólume” às críticas que surgiram após a Operação Influencer, que levou à queda do Governo.
A comunicação do Ministério Público é a melhor ou mais adequada? Os cidadãos sentem-se esclarecidos relativamente às investigações criminais mais mediáticas? A Advocatus falou com o advogado penalista e associado coordenador da MFA Legal, Rui Costa Pereira, sobre a forma como o Ministério Público comunica e como comunicou a Operação Influencer.
Acha que a forma como foi comunicada esta investigação ao ainda primeiro-ministro foi a mais adequada?
Sou já há alguns anos crítico da forma como o Ministério Público exerce as suas atribuições e as suas competências em matéria de informação sobre a sua atividade, particularmente no processo criminal. Do oito passou para o oitenta e a tendência é para piorar. Não indo tão longe como o tempo do Conselheiro Cunha Rodrigues, mas recordando os mandatos como PGR dos Conselheiros Souto Moura ou Pinto Monteiro, nessa altura eram raríssimos os comunicados sobre processos pendentes.
E no mandato de Joana Marques Vidal?
A partir do mandato de Joana Marques Vidal, sem que isso tenha mudado com a atual PGR (antes pelo contrário), é factual, passou-se à proliferação desses comunicados, sobretudo quando há contornos mais mediáticos nos processos de onde emergem. A cada detenção de uma pessoa, a cada busca, a cada constituição de arguido, sai um comunicado, sendo que na maioria das ocasiões são esses comunicados que depois espoletam o interesse dos órgãos de comunicação social. Ora, as regras que regem o dever de comunicar e de informar do Ministério Público não mudaram assim tanto com o passar dos anos.
E o que dizem essas regras?
O que essas regras ditam, é que o Ministério Público tem o dever de informar em caso de necessidade de restabelecimento da verdade. Isso pressupõe que aos comunicados da PGR antecedam notícias ou informações públicas sobre os processos. Nunca o inverso. Ao seguir esta prática de informar os cidadãos antes mesmo dos órgãos de comunicação social, como já em tempos disse, a PGR comporta-se como uma agência noticiosa e não como uma magistratura. A Operação Influencer é talvez o exemplo mais infeliz desta prática errada.
O Ministério Público devia rever a forma como comunica aos cidadãos as investigações de que é titular?
Com certeza que sim, por tudo o que já respondi, mas também para evitar acusações cada vez mais legítimas de busca de protagonismo. Essa ânsia de mostrar resultados e com a preocupante correlação constante entre resultados e detenções, acusações ou outras formas de ingerência em direitos fundamentais dos cidadãos, só desprestigia o Ministério Público. Uma magistratura felizmente fortemente apetrechada de magistrados de enorme competência e seriedade, mas que infelizmente se tem mostrado capturada na sua hierarquia, mas também nos poderes informais que se movem no seu seio, por agentes que revelam uma noção profundamente perturbada sobre o direito e sobre a justiça. Diga-me uma ocasião onde, com a mesma pompa e circunstância com que se comunicam prisões preventivas, acusações e condenações, o Ministério Público decidiu comunicar o arquivamento de um processo ou uma absolvição? Eu lembro-me de uma, mas para azar dos Távoras, foi para o Ministério Público evidenciar que arquivava porque não tinha conseguido ultrapassar essa barreira às vezes tão incómoda que é a lei, pois que se o tivesse conseguido teria com certeza acusado.
Diz a lei que o segredo de Justiça é a exceção mas, na prática, é a regra. Esse facto contribuiu para que o MP se escude de falar e prestar contas do seu trabalho?
Poria as coisas noutros termos. Esse facto apenas tem contribuído para que o Ministério Público só preste as contas que quer prestar, para depois se escudar nesse segredo quando dizer mais já não é conveniente. Este caso recente é, infelizmente, também aqui, um exemplo perfeito. Excecionou-se a regra do segredo para transmitir, e como novidade – já que nenhum órgão de comunicação social o tinha sugerido antes –, que o Primeiro-Ministro era suspeito numa investigação criminal instaurada junto do Supremo Tribunal de Justiça. As consequências, queridas ou não, antecipadas ou não – e é francamente difícil que não tenham sido – foram as que foram.
Nesta altura do campeonato, não deveria ter havido mais esclarecimentos da PGR?
Ora aí está. Ao fim de todo este tempo, por que razão se não comunicou algo mais? Não se impunha uma explicação sobre a sustentação e a concretização dessas suspeitas? Bom, dirão os incautos defensores desta maneira de atuar da PGR que isso seria um ato passível de comprometer a investigação. Pois bem: se fosse assim mesmo, então não teria de ter sido aberta a caixa de pandora e investigar-se-iam as ditas suspeitas sem difundir aos quatro ventos a sua existência. Isto por um lado. Por outro lado, pelo menos que se esclareça porque é que essas explicações mais cabais comprometeriam a investigação.
A PGR informa o que quer, quando quer e como quer. Sem “dar a cara”. Sem responder às perguntas e interrogações que esses comunicados levantam. Levando ao público a sua verdade, não necessariamente sinónima da verdade. A esse nível, apesar de estar ainda aquém de uma comunicação ideal para os cidadãos, a magistratura judicial poderia servir de exemplo para o Ministério Público”
Porque razão é que a comunicação da PGR nunca envolve iniciativas como conferências de imprensa, como vemos em muitos outros países?
Acredito que isso se deve à falta de interesse da PGR em efetivamente informar. Desenganem-se os que consideram que os comunicados da PGR servem apenas para informar, na aceção objetiva do cumprimento de um dever de interesse público. Será assim na minoria das situações.
Como classifica esses comunicados?
Através dos comunicados, a PGR informa o que quer, quando quer e como quer. Sem “dar a cara”. Sem responder às perguntas e interrogações que esses comunicados levantam. Levando ao público a sua verdade, não necessariamente sinónima da verdade. A esse nível, apesar de estar ainda aquém de uma comunicação ideal para os cidadãos, a magistratura judicial poderia servir de exemplo para o Ministério Público. Sob a égide do Conselho Superior da Magistratura, é uma comunicação que se apresenta cada vez mais aberta, mas simultaneamente capaz de entender a importância e a necessidade de equilíbrio entre o dever de informar e o dever de reserva e o que este protege e assegura, seja em termos de preservação da imagem de independência judicial, seja em termos de preservação da imagem e outros direitos fundamentais dos envolvidos.
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“A PGR comporta-se como uma agência noticiosa e não como uma magistratura”, diz o advogado Rui Costa Pereira
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