“Algumas marcas de franchising vão desaparecer. Restauração, ginásios e estética são os mais fragilizados”

Cristina Matos, diretora-geral da Associação Portuguesa de Franchising, avisa que “nem todas as marcas são resilientes ou têm maturidade e capacidade de se reinventar” nesta fase de maior turbulência.

Em entrevista ao ECO, a diretora-geral da Associação Portuguesa de Franchising (APF) admite que “quem não tinha solidez e quem estava ainda muito jovem a entrar para o mercado do franchising, provavelmente não deverá ter muitas condições de conseguir ultrapassar todas as dificuldades que o mercado agora impõe”.

Cristina Matos aconselha os potenciais interessados a “fazerem bem o trabalho de casa” e a não se “apaixonarem por uma marca logo na primeira reunião”. E destaca que “um franquiado não é um investidor que mete o dinheiro e que se vai embora ou fica de fora a ver se resulta”, mas um investidor que “trabalha para o modelo de negócio”.

O volume de faturação nas empresas de franchising cresceu quase 40% entre 2019 e 2022, para 17 mil milhões de euros. E este ano, o que está a acontecer neste mercado?

Quem não tinha solidez e quem estava ainda muito jovem a entrar para o mercado do franchising, provavelmente não deverá ter muitas condições de conseguir ultrapassar todas as dificuldades que o mercado agora impõe. Provavelmente, vamos ter algumas marcas que vão desaparecer. Nem todas são resilientes nem têm a maturidade e a capacidade de se reinventar nesta época de crise, com a falta de liquidez.

Temos várias marcas a comprar outras. Não foi só a Auchan que comprou o Minipreço. Também a Balance Company comprou a VivaFit e a Personal 20 [em agosto]. Estão a existir fusões e isso é bom porque são as que estão mais fortes e sólidas que têm capacidade de fazer estas aquisições e, no fundo, dar fôlego ao mercado. Não só os franquiados ficam contentes, porque sentem que o mercado está a responder e a encontrar novas fórmulas, como também dá mais confiança àqueles que querem entrar neste setor.

Quais são aquelas que correm maior risco de desaparecer?

Acho que serão as mais recentes. Houve muitos conceitos que entraram agora em Portugal vindos do Brasil, por exemplo, que acabava por ter quase tudo muito focado no mercado interno e tem apostado na internacionalização. E essa adaptação ao mercado no início de atividade não é fácil.

Alguns desses empresários não têm a vida facilitada, por isso não sei se terão a capacidade financeira ou de resiliência para se manterem à espera de que as coisas resultem. E depois [estão expostas também] aquelas empresas que nunca passaram de quatro ou cinco franquiados e que acabarão por sofrer as dores da atual conjuntura económica.

Sobretudo pela perda do poder de compra?

Sim, e também pela falta de mão-de obra, pela incapacidade de se reinventarem a nível da tecnologia e de se adaptarem a um novo sistema de trabalho. Isso obriga a investimentos e nem todos têm essa capacidade. Sobretudo as pequenas marcas, que ainda estão num processo de crescimento, e as mais jovens – não como empresas, mas dentro do processo de franchising.

Algumas estavam muito bem antes da crise e decidiram entrar para o mundo do franchising, que obriga a investimento, a ter uma equipa de acompanhamento e disponibilidade para apoiar os novos franquiados. E em plena crise, se as coisas já estiverem justas, não conseguem dar esse salto. São aquelas em que veremos mais dificuldades.

E em termos de setores, quais serão os mais expostos à atual crise?

A restauração, os ginásios e a estética serão os mais fragilizados. Alguns desses serviços poderão ter algumas dificuldades. O poder de compra decresce e as pessoas começam a fazer cortes naquilo que consideram mais supérfluo – e normalmente é o ginásio, a refeição fora.

A fast food é uma exceção: tem tendência a crescer em épocas de crise porque é uma alternativa para quem já não consegue ir a um restaurante, por ser mais económico e uma forma de conseguirem ter o seu momento fora [de casa].

E também [tem influência] a localização dessas empresas. As que estão fora dos grandes centros urbanos e mais distantes de conseguir aceder também ao turismo e que contam apenas com as populações locais, porque as pessoas estão a consumir mais regradamente.

Já a categoria da intermediação de crédito parece imune a estes problemas.

Essa não, está em contraciclo total com tudo o resto porque as pessoas precisam. Estão a recorrer ao crédito, a tentar rever as suas contas e finanças, a renegociar contratos.

Quem não tinha solidez e quem estava ainda muito jovem a entrar para o mercado do franchising, provavelmente não deverá ter muitas condições de conseguir ultrapassar todas as dificuldades que o mercado agora impõe. Provavelmente, vamos ter algumas marcas que vão desaparecer.

O número de insolvências em Portugal subiu em agosto pelo terceiro mês consecutivo, com os especialistas a anteciparem mais 10% a 20% de encerramentos de negócios no país no final deste ano. As empresas que operam neste modelo de franchising estão, de alguma forma, mais protegidas?

Estão, sem dúvida. Normalmente, o lugar mais solitário é sempre o do CEO porque, para o bem ou para o mal, a responsabilidade é dele. No franchising trabalham e pensam em conjunto, discutem e tomam as decisões focadas em experiências individuais, mas que depois são partilhadas. Tenho uma franquiada que abriu a primeira unidade em janeiro de 2020, em março encerra [com pandemia] e disse-me que só sobreviveu porque estava em franchising.

O franquiador deu a mão, deu benefícios a nível de royalties, de taxas, de rendas, formação às equipas. E fazem muitas reuniões para tomar decisões estratégicas, perceber para onde vão. No franchising não se olham como concorrentes, mas entendem o sucesso do vizinho como o seu sucesso. Isso faz toda a diferença na resiliência do setor.

Mas os franchisadores não são a Santa Casa da Misericórdia. Não querem aguentar um negócio artificialmente.

Há uns melhores do que outros a nível da solidez, mas não podem ser nem têm a capacidade de ser a Santa Casa. Mas podem ouvir, partilhar experiências, reunir a sua rede e em conjunto tomarem decisões. Um bom franquiador é aquele que ouve os seus franquiados, partilha as suas experiências e, em conjunto, tomam decisões. É isso que faz com que se consigam manter e crescer.

Por outro lado, prevê uma maior procura por este modelo de negócio, nesta fase de turbulência económica?

O franchising cresce em contraciclo com a realidade económica do país. Porque as pessoas precisam de melhorar os seus rendimentos e procuram franchisings de baixo investimento, mas que permitem um complemento ao salário. Outros porque perdem o emprego e precisam de encontrar uma alternativa para trabalhar. O pânico do risco é grande e, por isso, as pessoas procuram segurança e outras formas de ganhar dinheiro.

A única coisa que aconselho é que procurem bem, façam bem o trabalho de casa e planeiem bem. Não devem entrar sem ter a noção de como o modelo funciona. Não há nada pior do que se apaixonarem por uma coisa sem na realidade saberem se isso faz sentido. Se é adequada, se funciona, se tem rentabilidade, se os franquiados estão satisfeitos com a rede e dão bom suporte. E depois há coisas que não funcionam para aquela pessoa em específico. Não tem de se apaixonar logo na primeira reunião, o que acontece imenso. Isso é perigosíssimo porque cria uma noção errada do que devia ser e todos saem frustrados.

Já sei que não gosta que lhe perguntem “o que é que está a dar”. Mas… o que é que está a dar?

[risos] Odeio. As pessoas pensam que essa resposta é imediata. O que está a dar é McDonald’s, mas para a minha filha não porque é vegetariana, nem tem a capacidade financeira para comprar um McDonald’s. Há dias houve uma família que veio ter comigo – um senhor da área da construção, a mulher dona de casa e duas filhas, uma advogada e outra da área do turismo. Imaginei que não gostassem nada de matemática e disse-lhes que o que estava a dar era a contabilidade. Iam morrendo [risos]. Não é o que está a dar, é o que eles querem e acham que têm capacidade de fazer.

A única coisa que aconselho é que procurem bem, façam bem o trabalho de casa e planeiem bem. Não devem entrar sem ter a noção de como o modelo funciona. Não há nada pior do que se apaixonarem por uma coisa sem na realidade saberem se isso faz sentido.

Qual o perfil dos franchisados em Portugal?

Depende muito da área de negócio. Por exemplo, hoje em dia, a McDonalds privilegia mulheres por causa das questões da diversidade de género. A idade média anda entre os 35 e os 50 anos, até porque têm de ter já alguma capacidade financeira para poder alavancar os negócios. E depois têm de ser empreendedores, ter capacidade de liderança, saber trabalhar em rede e não querer guardar toda a informação para si.

Muitos imigrantes estão a vir para Portugal, sobretudo vindos do Brasil, onde o franchising tem um grande fulgor. Estão a trazer marcas para cá?

Há muitos brasileiros à procura porque vêm para Portugal para residir com as suas famílias e a disponibilidade do mercado de trabalho muitas vezes não está alinhada com a sua experiência profissional. Pessoas ligadas ao marketing ou finanças não estão disponíveis para irem trabalhar para um restaurante e veem o franchising como uma saída. As redes têm crescido bastante com brasileiros que vêm para Portugal e olham para o franchising como uma forma de criarem o seu emprego.

Cristina Matos, diretora-geral da Associação Portuguesa de FranchisingHenrique Casinhas/ECO

Há muitas marcas portuguesas a usar o modelo de franchising na internacionalização?

Há mais de 700 marcas em Portugal e mais de 60% são de origem portuguesa, criadas por portugueses. Temos algumas no processo de internacionalização que têm demonstrado uma boa postura. Grande parte tem-se focado nos países europeus, pois é mais fácil para o acompanhamento, pela legislação e por todo o processo de adaptação. Várias experiências para o Brasil não correram tão bem quanto esperado porque o franquiado tem de ser acompanhado e o negócio de ser gerido com alguma proximidade.

Temos a Melom em Itália e Espanha, a BodyConcept na Croácia, Hungria, República Checa, Polónia, a DepilConcept nessas geografias também, os ginásios da Vivafit e da Personal 20 entraram agora para o mercado da Índia. Estão a demonstrar que há capacidade de expansão. E muitas marcas, até já consolidadas, começam a fazer a expansão internacional em franchising.

Depois temos casos como a Remax Portugal que também adquiriu a Remax França e Alemanha, a Century21 começou a expansão para Espanha há pouco tempo e cresceu muito. Apesar de serem marcas internacionais, são empresários portugueses que adquiriram essas marcas e estão a fazer os processos de expansão para outros países.

Um franquiado não é um investidor que mete o dinheiro e que se vai embora ou fica de fora a ver se resulta. Na verdade, é um investidor que trabalha para o modelo de negócio.

Quais as vantagens de fazerem a expansão internacional através deste modelo?

São gigantes. Porque vão trabalhar com franquiados locais, que conhecem a cultura local, são residentes no país e podem fazer mais facilmente todo o processo de adaptação da marca ao país em causa. Se forem daqui sozinhos para a Polónia, com a sua equipa portuguesa, sem conhecer o mercado, provavelmente não vai correr bem.

E podem fazer essa expansão também com menor investimento.

Sim. Qualquer franquiado é um investidor, mas é um investidor que trabalha para o modelo de negócio. Não é um investidor que mete o dinheiro e que se vai embora ou fica de fora a ver se resulta. Na verdade, é um investidor que é também um trabalhador dentro da própria estrutura.

Por isso dizemos que as pequenas empresas e as pequenas marcas não podem olhar para a entrada no modelo de franchising como uma fuga para arranjar dinheiro para salvar a própria empresa. Não. A ótica tem de ser: o negócio funciona, está consolidado, tem resultados positivos, então agora vou passar o meu know-how a futuros empresários, que vão investir no meu negócio.

É uma estratégia de mais baixo risco.

Ou vai ele próprio abrir uma unidade no país, faz o teste e todo o processo de adaptação; ou vende a marca a um master franquiador que tem interesse e reconhece valor à marca, mas que é um investidor local que depois a vai franquiar. Ou seja, entra dinheiro no nosso mercado pela venda da master franquia; e a pessoa localmente vai fazer um trabalho com muita mais qualidade porque conhece o seu próprio país.

Imagine ir para a Índia abrir um ginásio e ter de conhecer a cultura, a diferença entre homens e mulheres, a divisão geográfica, como é que é aquilo das castas… Até nos apercebermos de como tudo funciona passam dois ou três anos. A venda de licenças e de know-how é muito mais eficaz do que pegar na sua estrutura e empresa e mudar-se para um país destes. A probabilidade de erro é enorme.

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