Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel, revela em entrevista ao ECO o que motivou esta operação com a norte-americana após negociar com "três ou quatro potenciais compradores".
É um exit. Depois de anos às compras, a Unbabel acaba de fechar a sua aquisição pela TransPerfect. A norte-americana é “a maior empresa de tradução do mundo”, com cerca de 8 mil colaboradores em vários mercados e escritório em Portugal desde 2019. Entre os clientes dos seus serviços de tradução está a TAP Air Portugal.
Vasco Pedro, cofundador e CEO da Unbabel, revela em entrevista ao ECO o que motivou esta operação cujo valor não revela, mas assegura que, depois de negociar com “três ou quatro potenciais compradores”, é a que melhor serve a missão da startup nacional, que usa a inteligência artificial para acelerar a tradução.
“O tipo de aquisições que estávamos a fazer eram relativamente pequenas comparado com esta dimensão. Pensar nisto ao contrário, permite-nos ter acesso à força de vendas da TransPerfect, que é gigantesca, ter acesso a uma enorme quantidade de clientes e, portanto, aumentar significativamente o acesso à escala”, diz.
A “vasta maioria” das pessoas da scaleup nacional transitam para a nova organização, bem como alguns fundadores, incluindo o CEO que vai acompanhar durante alguns meses o processo de transição.
“Concluindo o meu envolvimento nesta aquisição, neste projeto, sem dúvida vou começar outra empresa. Eu sou um builder at heart [sou um construtor no fundo], não tenho planos neste momento de ser um VC. O mundo, aliás, está numa fase incrível, com imensas oportunidades. No fundo, é isso que me está também a entusiasmar no pós [venda], a quantidade de oportunidades que neste momento estão aí, que eu gostava de atacar”, diz.

Após vários anos a fazer aquisições, desde julho sabemos que a Unbabel negociava com “vários parceiros” a sua compra. A negociação está concluída?
Exato. O que estamos hoje a anunciar é que a Unbabel foi adquirida pela TransPerfect. É uma aquisição da Unbabel, no total. A Unbabel vai fazer parte da TransPerfect.
Uma exit, portanto.
Exatamente. A TransPerfect é a maior empresa de tradução do mundo e, portanto, há aqui uma série de sinergias muito interessantes para ambos os lados.
Pode adiantar qual é o valor dessa operação?
Infelizmente, não estou autorizado a falar sobre os detalhes da transação, por uma série de razões.
Foram comprados pela maior empresa de tradução do mundo, face às sinergias que referiu, a Unbabel como marca, como empresa vai desaparecer? Ou vai haver alguma Unbabel powered by… Como fica a Unbabel?
A longo prazo ainda não sei qual é a estratégia. Sei que não há qualquer plano da Unbabel como marca desaparecer. A Unbabel vai, no fundo, ser uma business unit dentro da TransPerfect. Pelo menos, esse é o pensamento inicial.
A TransPerfect tem feito várias aquisições em inteligência artificial e está a sentir uma clara pressão do mundo inteiro de fazer um movimento para a inteligência artificial, têm clientes cada vez a pedirem mais. Acho que faturaram no ano passado 1,4 mil milhões, têm uma distribuição gigantesca, são 8 mil empregados, em muitos países. Para a Unbabel vai ter um impacto enorme, não só ter acesso a estes clientes todos é fantástico para nós, como para eles terem a plataforma da Unbabel para levar muitos dos clientes deles nesta jornada de aumento de inteligência artificial também é super positivo.
O tipo de aquisições que estávamos a fazer eram relativamente pequenas comparado com esta dimensão. Pensar nisto ao contrário, permite-nos ter acesso à força de vendas da TransPerfect, que é gigantesca, ter acesso a uma enorme quantidade de clientes e, portanto, aumentar significativamente o acesso à escala.
Até aqui a Unabel estava num caminho com outro sentido, focado no crescimento por aquisições, da vossa carteira de clientes. O que motivou essa mudança de estratégia?
Na prática, para mim, um turning point [momento de viragem] foi na Web Summit do ano passado, quando apresentámos um estudo interno sobre a evolução da inteligência artificial na tradução. Foi até notícia na altura, eu dizer que achava que daqui a dois, três anos não ia ser preciso um ser humano em tradução. Para mim foi um momento de viragem: perceber que havia uma aceleração enorme no mundo da tradução para a inteligência artificial e nós tínhamos que encontrar um parceiro que tivesse escala suficiente para rapidamente conseguir estar junto aos clientes. E que na escala, na velocidade que estávamos a crescer, mesmo a fazer aquisições, ainda éramos muito pequenos na prática, e isso ia-nos pôr em desvantagem. Portanto, desde aí que começámos a fazer um shift e a pensar, ‘OK, se calhar está na altura de encontrar um parceiro que nos permita escalar muito mais rápido’.
O tipo de aquisições que estávamos a fazer eram relativamente pequenas comparado com esta dimensão. Pensar nisto ao contrário, permite-nos ter acesso à força de vendas da TransPerfect, que é gigantesca, ter acesso a uma enorme quantidade de clientes e, portanto, aumentar significativamente o acesso à escala. Neste momento, está a haver já uma grande corrida para fazer deployment de inteligência artificial o mais rápido possível numa série de setores e a tradução, sem dúvida, é um deles.
Portanto, esse foi um bocadinho para mim o turning point: perceber ‘OK o caminho que estamos a seguir até agora não é rápido o suficiente, temos que encontrar um caminho muito mais rápido’. E este é o ideal.
Não posso muito comentar na questão da Iberis, é uma questão interna e que não faz sentido, mas foi muito empolada. (…) Foi um bocado infeliz o drama todo que se fez à volta da situação, não correspondia àquilo que estava a passar internamente. Só foi chato, porque estávamos em negociações com três ou quatro potenciais compradores e este tipo de notícias tem sempre o condão de fazer também os compradores perguntarem, ‘calma, o que é que se passa?’. Mas nós nunca tivemos nada a esconder a esse nível.
Este processo de compra foi conhecido com a saída de um dos vossos investidores. Foi noticiado que a Iberis Capital tinha sido informada sobre a existência de “passivos existentes inesperados que impactam negativamente as entidades do grupo, por exemplo, passivos fiscais e warrants existentes, entre outros”. Foi também notícia, com base em relatos de antigos colaboradores, que a Unbabel tinha os “dias contados”. Não houvesse esta aquisição, a Unbabel tinha, efetivamente, os dias contados?
Quando se começa num processo de venda, e à procura de um parceiro, é um bocadinho uma self-fulfilling prophecy [uma profecia que se auto realiza]. O foco da empresa passa a ser esse. O resultado vai ter que ser esse, chega a um ponto em que estamos todos apontados para encontrar o parceiro certo. E portanto, ia ser um dos parceiros com quem estávamos a negociar, isso não tenho dúvida.
Também é fácil criar muito drama à volta disto. A maior parte dos empregados, não sabe o que se está a passar, as pessoas tiram ilações e fazem as suas conclusões, mas não têm acesso à informação daquilo que, de facto, está a acontecer.
Em relação à Iberis, a resposta que demos na altura é que a Unbabel não tem passivos significativos. Qualquer empresa no decurso do seu negócio é passível de ter passivos mínimos, coisas normais, mais a ver com a caixa corrente e com o desenvolvimento normal do seu negócio, mas não havia nada ali que fosse significativo.
Não posso muito comentar na questão da Iberis, é uma questão interna e que não faz sentido, mas foi muito empolada. Foi um e-mail interno de um investidor para outros investidores, de um investidor que tem direito a ter a sua posição em relação ao investimento, que era não o fazer, e isso é muito normal no desenvolvimento deste processo. Foi um bocado infeliz o drama todo que se fez à volta da situação, não correspondia àquilo que se estava a passar internamente. Só foi chato, porque estávamos em negociações com três ou quatro potenciais compradores e este tipo de notícias tem sempre o condão de fazer também os compradores perguntarem, ‘calma, o que é que se passa?’. Mas nós nunca tivemos nada a esconder a esse nível.
A vasta maioria das pessoas da Unbabel vão passar para a TransPerfect. Há sempre um overlap, há sempre algumas posições duplicadas e que têm que ser resolvidas, mas a vasta maioria das pessoas, portanto, produto, tecnologia, research, vendas, tudo isso passa para a TransPerfect.
Mas a estratégia foi sempre encontrar um parceiro para galopar a onda IA ou passou também por uma ronda de investimento mais robusta como chegaram a falar? Era isso que estava a ser discutido com a Iberis, com os vossos acionistas?
Temos sempre que contemplar tudo. Ou seja, o foco principal passou a ser encontrar um parceiro, exatamente por isso. Mas estamos sempre abertos a parceiros atuais quererem investir ou não. A minha função como CEO é considerar todas as possibilidades. Não podemos dizer ‘não vamos estar abertos a isto ou aquilo’, quando há investidores internos que possam propor soluções A, B ou C. Mas o foco passou a ser mais ‘como é que conseguimos aumentar a escala e o impacto’, que tem sido sempre a visão da Unbabel desde o início. Portanto, era isso que estávamos a procurar, o parceiro que nos permitisse chegar lá mais rápido. E a TransPerfect, a maior empresa de tradução do mundo, é o melhor outcome possível para conseguir esse objetivo.
Falou que negociaram com “três ou quatro” potenciais compradores. Pode adiantar quais?
Não.
A TransPerfect ter escritório em Portugal pesou na decisão? Em 2023, a Unbabel tinha cerca de 450 pessoas, das quais 180 em Lisboa, onde tinham o vosso hub tech, marketing, vendas… O que é que vai acontecer a essas pessoas?
A vasta maioria das pessoas da Unbabel vão passar para a TransPerfect. Há sempre um overlap, há sempre algumas posições duplicadas e que têm que ser resolvidas, mas a vasta maioria das pessoas, portanto, produto, tecnologia, research, vendas, tudo isso passa para a TransPerfect.
Foi também notícia que tinham feito um processo de reestruturação. Tinham que ‘enxugar’ a empresa para torná-la mais apelativa?
Não, não necessariamente. O que tem estado a acontecer, e no mercado de trabalho está a acontecer cada vez mais — neste momento estou em Silicon Valley e isso também está a acontecer muito aqui —, é haver um aumento de eficiência das empresas utilizando a inteligência artificial. Há uma pressão do mercado nesse sentido, porque quando os competidores aumentam a eficiência, conseguem ter preços mais competitivos, e isso propaga-se a todas as empresas. No nosso caso foi isso mesmo: um aumento de eficiência da empresa e uma tentativa de alinhar aquilo que era a capacidade de eficiência das pessoas com os recursos que tínhamos. Foi parte normal do processo, não foi especificamente para tornar a empresa mais apelativa.
Há sempre uma dicotomia complicada que é termos que usar vários chapéus. Temos uma empresa para gerir, a empresa tem que continuar a funcionar e da maneira que faz sentido e, ao mesmo tempo, temos que estar a fazer um processo de venda, de falar com parceiros diferentes. As duas coisas tocam-se, mas não podem ser 100% dependentes uma da outra porque senão torna impossível gerir a empresa.
É um projeto de treze anos e que vê agora uma mudança, uma exit, e que vai entrar numa fase diferente. Por um lado, com muito mais estabilidade, no meio de uma empresa muito maior, com uma capacidade de ter impacto muito direto e imediato.
Disse que a “vasta maioria” das pessoas da Unabel transitam. Ainda antes desta aquisição, o João Graça, cofundador e CTO, saiu da Unbabel para a Shilling. Os restantes cofundadores seguem com a empresa ou é o momento de dizer adeus à empresa que fundaram?
É uma mistura. Dos outros fundadores, um vai continuar, eu vou acompanhar temporariamente esta transição, o meu objetivo é que seja bem-sucedida. Alguns vão continuar, outros não, mas é uma fase, de facto, nova da empresa. Obviamente, a TransPerfect não precisará de um CEO da Unbabel. É normal.
É um projeto de treze anos e que vê agora uma mudança, uma exit, e que vai entrar numa fase diferente. Por um lado, com muito mais estabilidade, no meio de uma empresa muito maior, com uma capacidade de ter impacto muito direto e imediato. Por outro lado, como founders, é um ciclo que se vai fechar, para mim não já imediatamente, mas o meu objetivo agora é entregar a Unbabel em boas mãos, garantir que está tudo a funcionar, que a integração está bem feita, etc. E depois logo vejo. Não estou ainda pronto para anunciar os próximos passos.
Acho que há alturas em que o estatuto unicórnio seria fantástico, depois o que eu vejo — e sempre senti isso um bocadinho —, no fundo isso é teatro. Ou seja, com estatuto unicórnio ou não, o que importa, no fundo, é o impacto que temos nas pessoas, nas que trabalham na empresa, nas que usam o produto, no mundo no geral.
A Unbabel era sempre apontada como o próximo unicórnio. Este exit sabe melhor do que atingir esse estatuto? É um sucesso este exit ou sabe um bocadinho amargo?
Não, eu acho que é um sucesso, sem dúvida. Estou muito contente com o outcome. Este é um momento bom para a Unbabel, é uma coisa muito positiva que vai permitir à Unbabel continuar o seu caminho e ter o impacto para o qual foi criada.
É uma viagem um bocado alucinante nestes últimos 13 anos da Unbabel, com altos e baixos, com muita coisa a acontecer, com Covid no meio, com o mundo a mudar. A inteligência artificial é a cena no mundo inteiro. Há uma grande transformação no mundo e em nós.
Acho que há alturas em que o estatuto unicórnio seria fantástico, depois o que eu vejo — e sempre senti isso um bocadinho —, no fundo isso é teatro. Ou seja, com estatuto unicórnio ou não, o que importa, no fundo, é o impacto que temos nas pessoas, nas que trabalham na empresa, nas que usam o produto, no mundo no geral. Desse ponto de vista, tenho estado constantemente orgulhoso da cultura que criámos, das memórias que as pessoas levam do tempo da Unbabel como startup. Tem sido emocionalmente muito forte, às vezes desgastante, mas faz parte da viagem.
Já está definido qual será o tempo da transição em que vai acompanhar?
Alocámos uns meses agora no início, que são necessários, mas vou acompanhar as coisas e vamos avaliar. Neste momento, esse é o meu foco, garantir que a Unbabel é bem assistida dentro da TransPerfect e que, de facto, executa a visão que levou a este negócio.
E depois disto, está a pensar no mundo VC ou ainda quer andar a fundar empresas?
Sem dúvida. Concluindo o meu envolvimento nesta aquisição, neste projeto, sem dúvida vou começar outra empresa. Eu sou um builder at heart [sou um construtor no fundo], não tenho planos neste momento de ser um VC. O mundo, aliás, está numa fase incrível, com imensas oportunidades. No fundo, é isso que me está também a entusiasmar no pós [venda], a quantidade de oportunidades que neste momento estão aí, que eu gostava de atacar.
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Americana TransPerfect compra Unbabel. “Vai permitir aumentar significativamente a escala”, diz Vasco Pedro
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