Equipa e fundadores da startup aeroespacial Connected passam a integrar a britânica Open Cosmos que planeia abrir uma fábrica em Coimbra.
Quando menos esperava, enquanto preparava a nova ronda de capital seed, a Connected fechou acordo com um dos seus parceiros, a britânica Open Cosmos, para a sua aquisição. Um take-off da startup para novos voos, ou não fosse esta uma startup do setor aeroespacial.
“Mais do que um exit, vemos isto como um scaleup, porque vamos todos permanecer no projeto, vamos todos continuar a dar asas a esse projeto e, em particular, no setor espacial, em que falamos de investimentos de milhões e milhões para colocar hardware no espaço, muitas vezes é preciso unir estas forças e estes esforços”, diz Tiago Rebelo, cofundador da Connected e agora chief revenue officer da Open Cosmos e diretor-geral da Open Cosmos Atlantic, o braço nacional da britânica.
A startup — acelerada pelo programa ESA-BIC no Instituto Pedro Nunes (IPN) em Coimbra e posteriormente incubada na UPTEC no Porto, tendo integrado o programa de Scaling-Up da Unicorn Factory Lisboa, o Acelerador Europeu SpaceFounders, e angariado dois milhões de euros numa ronda pré-seed — junta-se agora a uma empresa britânica com unidades de produção no Reino Unido, Espanha e Grécia, que emprega cerca de 200 pessoas e já arrecadou mais de 50 milhões de euros em financiamento.
Em Portugal, a britânica está prestes a inaugurar uma fábrica em Coimbra, quer lançar três satélites portugueses e elevar para 50 milhões em três anos o investimento no país. O valor da operação não foi divulgado.
Estavam à procura de uma ronda seed e acabou num exit. Como é que isto aconteceu?
Como quase tudo na vida, por acaso. Estávamos a levantar uma ronda seed há alguns meses e lá pelo meio acabou por surgir esta oportunidade praticamente no final da ronda. Era um parceiro nosso, já nos conhecíamos quase desde o início da nossa jornada, trabalhávamos juntos e acabou por ser com alguma naturalidade que a coisa surgiu, se alinhou e aconteceu.
Os exits são vistos como um sucesso, mas ao mesmo tempo são fim de um ciclo e o início de um novo. O que podemos esperar deste novo ciclo?
Uma das coisas que nos agradou neste processo e nesta nova jornada que vamos começar é que, apesar de estarmos a ser integrados numa empresa muito maior — com uma ambição muito maior, com uma capacidade muito maior, obviamente, com outra grandeza e negócio muito mais sustentável —, esta empresa britânica, a Open Cosmos, tem como motivação dar continuidade àquilo que iniciámos do ponto de vista da equipa, da nossa missão, da nossa ambição, da nossa vontade de providenciar este sistema de comunicações para dispositivos IoT a partir do espaço. Toda a equipa vai permanecer como parte do Open Cosmos.
A Connected vai juntar-se enquanto unidade de negócio dentro da Open Cosmos para dar sequência e continuidade àquilo que vinha a fazer, agora de uma forma muito mais acelerada porque a Open Cosmos tem um plano para lançar algumas dezenas de satélites nos próximos anos e, portanto, vai ser muito mais fácil escalar aquilo que era a nossa visão.
Inclusive todos os fundadores?
Todos os fundadores vão permanecer — e toda a equipa de 22 pessoas parte da Connected — e vamos assumir diferentes roles na estrutura. Juntar-me-ei ao C-Level da Open Cosmos enquanto Chief Revenue Officer e os meus cofundadores ficaram com papéis de liderança técnica e operacional nesta unidade de comunicações de conectividade que vai ser criada dentro da Open Cosmos. No fundo, a Connected vai juntar-se enquanto unidade de negócio dentro da Open Cosmos para dar sequência e continuidade àquilo que vinha a fazer, agora de uma forma muito mais acelerada porque a Open Cosmos tem um plano para lançar algumas dezenas de satélites nos próximos anos e, portanto, vai ser muito mais fácil escalar aquilo que era a nossa visão.
Assume também como diretor-geral da Open Cosmos Atlantic em Portugal.
A Open Cosmos já tinha feito um investimento em Portugal há alguns anos, com a criação da Open Cosmos Atlantic. Tinha 18 pessoas em Portugal, estava a fazer também um investimento para uma nova fábrica de satélites em Coimbra, a ser inaugurada ainda este ano. Para já, haverá duas entidades como parte do grupo Open Cosmos em Portugal, a Connected e a Open Cosmos Atlantic, mas o objetivo é que eu fique como diretor-geral destas entidades em Portugal, para coordenarmos, obviamente, toda a estratégia e presença no país do grupo que quer investir em Portugal e considera que há aqui massa crítica para alavancar o seu negócio.
Nos últimos três anos, [a Open Cosmos] investiu cerca de 15 milhões, com a Open Cosmos Atlantic e também com estas instalações em Coimbra, e esse investimento prevê-se aumentar para cerca de 50 milhões nos próximos três anos, sendo que há alguns projetos concretos na calha.
Em Portugal, a Open Atlantic já tinha planos muito concretos, inclusive um contrato com a Agência Espacial Portuguesa para a construção e o lançamento de três satélites portugueses.
Sim, já tem planos de abertura [da fábrica em Coimbra], está materializada, não posso desvendar muita coisa porque a inauguração provavelmente será agora na reentrada, mas o que posso dizer é que até o final do ano já vão ser três satélites produzidos nessa fábrica, nessas instalações, em Coimbra, no Instituto Pedro Nunes, e a partir daí o objetivo é crescer e continuar a investir em Portugal. Nos últimos três anos, investiu cerca de 15 milhões, com a Open Cosmos Atlantic e também com estas instalações em Coimbra, e esse investimento prevê-se aumentar para cerca de 50 milhões nos próximos três anos, sendo que há alguns projetos concretos na calha. Com esta junção passam ainda a existir 40 recursos humanos altamente qualificados, a trabalhar para o grupo Open Cosmos em Portugal. É uma massa crítica significativa.
O facto da Open Cosmos estar noutros mercados significa que Portugal também será um centro de produção de satélites para outros países?
Claramente o mercado português não é suficientemente atrativo, digamos assim, nem tem a cadência para [a Open Cosmos] se focar apenas no mercado interno. A Open Cosmos vem e está em Portugal porque reconhece, por um lado, a capacidade do ponto de vista de recursos humanos e de engenharia que existe no país. E este investimento na aquisição da Connected parece-me ser claramente o reconhecimento desse talento e dessa capacidade, porque a Connected é uma empresa ainda relativamente jovem, mas que conseguiu, num curto espaço de tempo, crescer rapidamente. Depois, obviamente, também fruto de hoje existirem cinco-seis cursos de engenharia aeroespacial no país, vamos ter nos próximos anos uma fornada grande de engenheiros a sair, pessoas com talento, com capacidade.
Portugal foi dando as suas provas, é um mercado que está a evoluir — a Agência Espacial Portuguesa trouxe essa motivação para o mercado crescer e ele tem vindo a crescer —, agora a presença da Open Cosmos em Portugal é, sobretudo, para alavancar a estratégia do grupo, não só mas sobretudo a nível europeu, e fornecer e trabalhar para todos os mercados em que o grupo está presente, que vão desde o Reino Unido, Espanha, Grécia, entre muitos outros que estão neste momento a ser explorados.
E a tecnologia de conectividade dos satélites será a da Connected, é isso?
Exatamente. A Connected criou um sistema de comunicações que era integrado a bordo de satélites de terceiros, e agora, de forma muito simplista, vai passar a ser integrado em todos os satélites da Open Cosmos. Portanto, a Open Cosmos, além de fazer aquilo que hoje já faz — a observação da Terra, no fundo, retirar imagens da Terra com os seus satélites a partir do espaço — vai-lhe juntar também agora esta capacidade de comunicação e, portanto, vamos não só poder ver, mas também poder comunicar esses dados com recurso à tecnologia da Connected.

Disse há pouco que esta operação não foi uma surpresa total, na justa medida em que já era vosso parceiro. Mas tinham outros. Como fica agora a relação com esses parceiros?
O objetivo da Connected era tornar-se um operador de comunicações via satélite, que trabalhava com diferentes fornecedores, fabricantes, operadores de satélites, a Open Cosmos era um deles, e talvez o mais ativo, arrisco dizer. A missão da Connected, como disse há pouco, vai-se manter dentro da Open Cosmos, tornar-se esse operador, sendo que em vez de voarmos a bordo de plataformas de múltiplos parceiros, vamos ter agora um parceiro único, a Open Cosmos, e vamos voar a bordo dos seus satélites.
Esses parceiros no fundo eram nossos fornecedores, claro que nesta fase deixarão de o ser, teremos outras relações comerciais, mas do ponto de vista da plataforma de satélite aquilo que faz sentido é a integração com a Open Cosmos, enquanto parte deste grupo.
Que sinal este exit transmite ao ecossistema de startups aeroespaciais? E como o próprio ecossistema nacional se está a posicionar, a evoluir?
Sou um defensor de que as empresas devem nascer, crescer ou morrer. Ou seja, não faz sentido termos empresas zombie, que muitas vezes, durante anos, se arrastam sem crescer, mas também sem de alguma forma dar lugar a que esse talento se rejuvenesça.
O setor espacial é muito jovem em Portugal, nos últimos dois a quatro anos teve entrada de novos players, porque até aí acabava por ser um setor cujos players já existiam desde os anos 2000, quando Portugal entrou na Agência Espacial Europeia, e que viveu sempre muito desta relação institucional com a Agência Espacial Europeia e do trabalho que daí advinha.
Aquilo que espero que venha a acontecer é que existam mais exits também no setor aeroespacial em Portugal e que muitas empresas que surgiram nos últimos 3-4 anos neste setor possam também ter as suas saídas. (…) É um mercado que está quente, o exterior reconhece o valor das empresas em Portugal e, portanto, acho que é muito positivo.
Há cinco, seis anos o setor tem vindo a crescer, tem vindo a voltar-se mais para o mercado privado e, portanto, é extremamente positivo para o ecossistema que apareçam players, como a Open Cosmos, uma empresa britânica, com uma presença significativa, a olhar para esse talento e para as empresa a nascer em Portugal e a investir também desta forma, porque há um efeito positivo para o ecossistema.
Aquilo que espero que venha a acontecer é que existam mais exits também no setor aeroespacial em Portugal e que muitas empresas que surgiram nos últimos três, quatro anos neste setor possam também ter as suas saídas.
E temos visto alguns exemplos. Há pouco tempo a Tekever chegou a unicórnio, um player do setor aeroespacial, muito dedicado neste momento aos sistemas autónomos e aos drones, mas que tem também uma presença no setor espacial e fez o seu caminho. É um mercado que está quente, o exterior reconhece o valor das empresas em Portugal e, portanto, acho que é muito positivo.
Para nós, como disse, é sempre um fechar de ciclo e o início de um novo. Se há dois anos e meio nos perguntassem se era este o caminho que iríamos seguir, claramente que lhe diria que não era algo que estava nos nossos planos. Mas as coisas acabam por acontecer.
Não precisamos de ter um ecossistema apenas de empresas de software, há espaço também para as empresas de hardware, são ciclos mais longos, mais difíceis, mas vale a pena também.
O meu conselho é manter um espírito aberto e percebermos que muitas vezes para materializarmos a nossa visão temos de unir esforços para escalar e crescer. Portanto, mais do que um exit, vemos isto como um scaleup, porque vamos todos permanecer no projeto, vamos todos continuar a dar asas a esse projeto e, em particular, no setor espacial, em que falamos de investimentos de milhões e milhões para colocar hardware no espaço, muitas vezes é preciso unir estas forças e estes esforços.
Portugal também, neste setor do hardware e da construção de produto, em particular no setor espacial, mas não só, tem um espaço. Não precisamos de ter um ecossistema apenas de empresas de software, há espaço também para as empresas de hardware, são ciclos mais longos, mais difíceis, mas vale a pena também.
O meu moto para o ecossistema é que vale a pena arriscar, e vale a pena arriscar no setor espacial, porque é um setor que está a começar a ser muito reconhecido e que há muito talento em Portugal
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Britânica Open Cosmos compra portuguesa Connected. “Mais do que um exit, vemos isto como um scaleup”
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