Tânia de Almeida Ferreira é a advogada do mês da edição de junho da Advocatus. A sócia da CCA refere que há todo um idealismo, “quase romântico”, em torno da profissão de advogado.
Tânia de Almeida Ferreira, sócia e coordenadora do departamento de fiscal da CCA, esteve à conversa com a Advocatus e garantiu que se sente em casa, passados dois anos desde a sua integração na firma, conseguindo montar uma equipa de “grande qualidade, unida, humana e com vontade de fazer, de aprender e não recear desafios”.
O maior desafio imposto pela pandemia à área de fiscal foi a gestão da equipa, o distanciamento físico. Para Tânia de Almeida Ferreira, há todo um idealismo, “quase romântico”, em torno da profissão de advogado, mas que depois se confronta com a realidade que mostra que “afinal existem injustiças”.
Com mais de 20 anos de experiência, qual foi a maior lição que a advocacia lhe transmitiu?
Há uns anos, num momento de descontração, um cliente partilhou comigo o conselho do seu pai em início de carreira: trata bem as pessoas que encontrares no teu caminho para o topo, serão exatamente as mesmas que encontrarás no percurso inverso.
Foi uma das frases que mais me marcou. Deu-me uma perspetiva que até aí não tinha tido. A de ciclo. A de que tudo tem um início, um meio e um fim. E que a forma como o vivemos faz toda a diferença.
É relativamente fácil perdermo-nos no percurso, perder perspetiva, esquecer o que nos trouxe até aqui, quem fez esse percurso ao nosso lado, os que passaram à frente, os que ficaram para trás, os que aqui continuam. Esquecer que todos sentem as mesmas pressões, angústias, medos. E ao esquecermo-nos não fazemos a diferença, não fazemos parte da solução, somos parte do problema.
E por isso me lembro – e me obrigo a lembrar – frequentemente daquela frase. Obrigo-me a ter perspetiva, “pôr-me nos sapatos do outro”, impondo-me a paciência e tolerância que tantos outros no passado tiveram comigo. Obrigo-me a não esquecer a necessidade e importância do respeito pelos outros, com plena consciência de que o que interessa não é o destino, mas sim a viagem e a forma como escolhemos fazê-la.
As expectativas que tinha da profissão na faculdade foram correspondidas?
Tinha 13 anos quando soube que ia ser advogada. Era vidrada no Perry Manson: ia mudar o mundo, corrigir injustiças, libertar inocentes, prender criminosos. E foi assim que cheguei à faculdade.
Há todo um idealismo, quase romântico, em torno da profissão de advogado. Um idealismo que depois se confronta com a realidade, com o dia-a-dia, em que as soluções dos casos práticos não se aplicam. Afinal existem injustiças, injustiças que não conseguimos resolver. E esse “banho de realidade” inevitavelmente mata o idealismo dos tempos de faculdade.
Mas a realidade cria novos desafios, novas expectativas, e sou bem mais feliz e realizada 20 anos depois do que o era quando Perry Manson controlava o meu destino.
Existiu algum caso, no qual tenha estado envolvido, que a tocou particularmente e que tenha mudado a sua perspetiva de vida de alguma forma?
Tantos. Um dos primeiros ainda cedo na minha carreira. Assessoramos um concorrente à compra da Galp. Um processo como o cliente: duro e exigente. Eu novíssima, inexperiente, insegura. Dei tudo. Praticamente todos os sócios envolvidos. E de fiscal, eu. No dia da proposta, com o texto fechado, faltava apenas colocar o valor. Nesse momento o cliente pediu que todos os que estavam na sala saíssem. Fui a primeira a levantar-me. E eis senão quando cliente diz que deveriam sair todos exceto eu e um outro colega (igualmente novo, que tinha dado ainda mais do que eu). Meio sem jeito ficámos. Foi-nos dito que seríamos nós a escrever o valor e os únicos para além deles a conhecer a proposta. Disseram o número. Não o sabíamos escrever…
Nesse dia aprendi que com o cliente certo, por muito exigente e sofisticado que seja, não interessa a idade ou experiência: o reconhecimento pela dedicação e empenho vem nas formas mais inusitadas.
Quase dois anos depois de ter entrado na CCA que balanço faz?
Sei que (só) passaram dois anos, mas sinto que estou aqui desde sempre. Em casa. E o balanço não podia ser melhor. Desde o primeiro dia fui muito acarinhada, apoiada, mimada até. Identifiquei onde podia ser útil, o apport que podia dar. No fiscal e fora dele. E desde o primeiro dia que contei com a abertura e apoio de todos, do mais velho ao mais novo. Conheci a história da CCA, daqueles que ali fizeram as suas vidas, percursos e know-how diferentes do meu que me fizeram crescer como pessoa e advogada. Sou hoje melhor pessoa do que era quando cheguei à CCA. Sou também mais feliz. E gosto de acreditar que também ajudei a tornar os que me rodeiam melhores, mais felizes.
Sente que está a deixar a sua marca no departamento de fiscal?
Sim, o mais possível. O que me atraiu no desafio lançado pela CCA foi a margem de manobra: o departamento de fiscal seria o que eu quisesse que fosse. Quantas vezes na vida surge uma oportunidade destas? E em dois anos nunca as regras mudaram.
Consegui montar uma equipa de grande qualidade, unida, humana, com vontade de fazer, de aprender, que não receia desafios, o desconhecido. Uma equipa que está lá para os outros, para clientes, com vontade de ajudar, de pensar no bem comum, de fazer parte de um todo. Uma equipa que tem crescido, que se tem afirmado, que tem contribuído para o sucesso da CCA. Uma equipa que gosta do que faz, onde o faz e de com quem o faz. Uma equipa feliz. Uma equipa CCA.
As sociedades de advogados concorrem com outras empresas que prestam serviços muito similares. Mas as condições não são as mesmas. A umas permite-se que constituam reservas, que façam investimentos, sem penalização fiscal e em muitos casos com benefícios.
Como está a ser coordenar o departamento de fiscal em plena pandemia?
Foi uma adaptação difícil. Tinha pouco mais de meio ano na CCA. A minha equipa, acabada de recrutar, apenas quatro meses. Ainda nos estávamos a conhecer: A conhecer CCA, pessoas, clientes, forma de trabalhar. E fomos para casa. Logisticamente muito fácil.
O desafio foi a parte humana. Manter a equipa motivada, ensiná-la, dar-lhe estrutura, feedback construtivo. Identificar desalentos, dar-lhes ânimo quando eu própria não sabia onde o ir buscar. E fazê-lo à distância, via écran, não é natural, é difícil.
Mas mais de um ano depois estamos cá. Unidos, com vontade de fazer mais e melhor, consolidados como equipa e integrados na CCA.
Qual o maior desafio imposto pela pandemia à área de fiscal? O volume de trabalho aumentou?
A gestão da equipa, o distanciamento físico. O volume de trabalho manteve-se idêntico. Mudou o tipo de solicitações. Muitas passaram a estar direcionadas para medidas de apoio ou alívio fiscal, outras para assessoria quanto a formas de desenvolver atividade à distância. Tivemos um aumento das solicitações para webinares, onde CCA foi pioneira, e naturalmente que a área fiscal foi chamada a colaborar.
Considera que o investimento estrangeiro vai aumentar a partir de quando?
2020 acabou por ser um ano muito bom em termos de investimento, ainda que, sem surpresa, com um incremento muito aquém do verificado em 2019.
Creio que durante 2021 assistiremos a um retomar do investimento estrangeiro, em especial na rentrée, mas uma verdadeira recuperação, crescimento, creio que só virá com 2022.
Relativamente ao regime de transparência fiscal dos advogados, considera que resulta numa concorrência desleal?
Sem dúvida. As sociedades de advogados concorrem com outras empresas que prestam serviços muito similares. Mas as condições não são as mesmas. A umas permite-se que constituam reservas, que façam investimentos, sem penalização fiscal e em muitos casos com benefícios. Os seus sócios não são tributados a menos que lhes sejam distribuídos lucros.
Isso não acontece com as sociedades de advogados que acabam por ser obrigadas a distribuir lucros, mesmo quando as regras de boa gestão ditariam o contrário, sob pena de os sócios não terem como pagar os impostos devidos.
Um regime que historicamente fez todo o sentido, mas completamente desajustado à nossa realidade e desalinhado com o que se passa nos restantes países europeus.
Há todo um idealismo, quase romântico, em torno da profissão de advogado. Um idealismo que depois se confronta com a realidade, com o dia-a-dia, em que as soluções dos casos práticos não se aplicam.
Os advogados pagariam menos impostos se fossem tributados em sede de IRC, neste caso o escritório, e não em sede de IRS, de forma individual, enquanto sócios?
Pagariam os impostos justos: IRC na sociedade, pelo lucro; IRS nos sócios, pelos lucros distribuídos. E no limite seria igual. Tributação de lucros a 21% na sociedade. Mais 28% nos sócios.
Atualmente, sócios pagam pelos lucros apurados, sejam ou não distribuídos. Só deviam pagar quando essa distribuição, essa liquidez, seja efetiva.
A Autoridade Tributária já mostrou alguma abertura para alterar o regime, faltando apenas o Governo avançar. Acredita que essa mudança vai ser efetuada a curto/médio prazo?
A Autoridade Tributária não devia ser aqui chamada: não tem poder legislativo, não é sujeita a sufrágio. Quanto a acreditar… falamos na necessidade desta alteração há anos. Já se perderam tantas e tantas oportunidades. Acreditei que ficasse resolvido na Reforma do IRC. Voltei a acreditar neste Orçamento de Estado. Neste momento sou como São Tomé: ver para crer.
Foi considerada este ano pelo Legal 500 como “Leading Individual” e, em 2020, reconhecida pelo diretório “Best Lawyers”, pelo World Tax e pela Chambers & Partners, e recebeu ainda a distinção pelo Guia “Women in Tax” como “Highly Regarded”. Como encara estas distinções?
Com muita satisfação naturalmente. São diretórios que assentam em inputs de clientes, de colegas, ou num mix de ambos e só posso estar grata a todos pelo reconhecimento. Saber que aqueles com quem trabalhamos nos reconhecem valor é naturalmente muito gratificante, em especial face ao reduzido número de mulheres destacadas na categoria de Tax, não obstante serem hoje já muitas as que a esta área se dedicam.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
“Creio que durante 2021 assistiremos a um retomar do investimento estrangeiro”, diz Tânia de Almeida Ferreira
{{ noCommentsLabel }}