“É aconselhável que as startups delimitem, desde a sua génese, a sua própria propriedade intelectual”

Ricardo Henriques é co-coordenador de Propriedade Intelectual e Tecnologias da Informação da Abreu Advogados. Em entrevista, fala da relação da Propriedade Intelectual e as novas tecnologias.

Ricardo Henriques é co-coordenador da área de prática de Propriedade Intelectual e Tecnologias da Informação da Abreu Advogados e membro da direção do Instituto do Conhecimento.

Trabalha particularmente no direito tecnológico em Portugal e mercados internacionais, em questões como o licenciamento de software, trabalhos regulatórios sobre tecnologias emergentes e questões relacionadas com comércio eletrónico. Trabalha também em projetos de implementação do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e aconselhado sobre transações e projetos de outsourcing.

Trabalha frequentemente com clientes na prevenção e/ou resolução de litígios de Propriedade Intelectual e Tecnologias de Informação, com incidência em litígios de direitos de autor e tecnologia, licenciamento de propriedade intelectual e tecnologia, proteção de dados e outras questões regulatórias. Tem igualmente prestado apoio regular a clientes de todos as dimensões, desde startups até às maiores empresas, líderes de mercado, na proteção e valorização de marcas, patentes e outros direitos de propriedade industrial, apoio na atividade publicitária, incluindo concursos e passatempos. Incluindo empresas do ramo automóvel, farmacêutico, serviços, saúde, financeiro, fabricantes de bens de consumo, fabricantes de hardware e software, retalho e retalho online.

Como a Propriedade Intelectual tradicional (patentes, direitos autorais, marcas) se aplica às inovações em IA e novas tecnologias?

Os direitos de propriedade intelectual e industrial (“tradicionais”) já existentes, como sejam direito de autor, marcas, desenhos ou modelos, patentes, entre outros, e respetivos regimes legais, continuam a ser aptos para proteger os ativos intelectuais, embora possam encontrar mais ou menos desafios, na sua aplicação, no âmbito da IA e novas tecnologias, em particular na delimitação do seu sujeito e objeto.

Veja-se, a título de exemplo, que a nível do direito de autor os desafios colocados no âmbito da IA traduzem-se na questão de saber quem é o “autor” nas obras criadas por IA e na licitude da utilização de obras protegidas de terceiros para treinar os próprios modelos de IA. Já a nível das marcas, um dos desafios colocados foi a respeito do Metaverso, com a questão de saber se a proteção já concedida através de registo de marca, quanto a determinados bens e/ou serviços físicos, abrangeria também a sua proteção no espaço virtual (a conclusão a este respeito foi negativa, tendo a Classificação Internacional de Nice – um sistema internacionalmente reconhecido, utilizado para a classificação de produtos e serviços para pedidos de registo de marcas – sido atualizada para passar a prever expressamente os produtos e serviços virtuais).

Quem é considerado o “autor” ou “inventor” de uma obra ou invenção gerada por IA?

O “Autor”, em direito de autor nos países de tradição romano-germânica (do qual Portugal faz parte), é o criador intelectual da obra, o que significa que será, necessariamente, uma pessoa singular, humana, independentemente do suporte onde a obra seja criada. Por outras palavras, o sistema ou modelo de IA não pode ser investido na qualidade de “Autor”.

Veja-se, ainda, que a condição humana da obra é o que permite que esta última possa ser protegida por este regime. Na prática, isto significa que perante obras criadas com recurso a ferramentas de IA generativa, a sua proteção via direito de autor apenas será possível se se verificar que aquelas são criações do espírito intelectual, isto é, do espírito humano. Caso contrário, não será possível a atribuição de direito e, por conseguinte, as criações desta índole cairão no domínio público, o que significa, na prática, que poderão ser utilizadas livremente.

Não obstante tratar-se de uma questão discutida em várias jurisdições, é este o entendimento que tem vindo a ser seguido, inclusive em países de tradição anglo-saxónica como é o caso dos Estados Unidos. A este propósito e recentemente, um tribunal federal de recurso, no caso Thaler v. Perlmutter, decidiu que obras ou resultados gerados autonomamente por IA não são passíveis de proteção por direito de autor, devido precisamente à ausência de uma intervenção humana criativa.

Ainda assim, traçar o que é ou não é criação intelectual no âmbito de utilização deste tipo de ferramentas, poderá revelar-se uma tarefa bastante complexa, pelo que será importante, para quem tiver interesse em arrogar-se de tal direito, assegurar que as instruções (os ditos “prompts”) inseridas na ferramenta de IA sejam o mais completas e descritivas possível, permitindo, assim, identificar, os elementos ou aspetos que são da sua criação ou autoria.

Já o “Inventor”, é uma figura do direito de patentes e a qual se presume ser uma pessoa singular, razão pela qual, também aqui um sistema ou modelo de IA não poderia ser investido nessa qualidade.

Como os tribunais têm lidado com litígios envolvendo obras criadas por sistemas de IA (ex.: artes, textos, códigos)?

Pese embora sejam já vários os litígios a que se assistem no âmbito de direito de autor e IA, nomeadamente nos continentes europeu e americano, continuam a ser poucas as decisões judiciais proferidas.

Ainda assim, a tendência, como se viu com o caso Thaler v. Perlmutter, tem sido de não proteger, por direito de autor, obras exclusivamente ou autonomamente criadas por IA, dada a ausência de uma intervenção humana no processo criativo.

Outra questão que tem sido suscitada em sede judicial é a de saber se a utilização de obras protegidas, de terceiros, para treinar os modelos de IA é ou não lícita. A este respeito, importa destacar uma decisão proferida pelo tribunal regional de Hamburgo, a 27 de setembro de 2024, no caso Kneschke vs. LAION, nos termos da qual a reprodução de obras fotográficas, para efeitos de treino de um modelo de IA, não foi considerada ilícita, porquanto se considerou verificar a exceção da prospeção de textos e dados, para fins de investigação científica. Note-se que esta exceção foi introduzida pela Diretiva do Mercado Único Digital (Diretiva 2019/790), pelo que não sendo a sua transposição uniforme pelos Estados-Membros, será importante interpretar esta decisão com cautela quando tida em consideração nos diferentes ordenamentos jurídicos.

Como exemplos de outros litígios na matéria destaca-se, entre outros, no Reino Unido, o caso Getty Images v. Stability AI, em que a questão colocada prende-se em saber, se esta última infringe o direito de autor da Getty Images ao utilizar fotografias suas, sem o seu consentimento, para treinar e desenvolver o seu modelo de IA de criação de imagens, em particular o “Stable Diffusion”. Do outro lado do atlântico, temos como exemplo o caso Concord Music Group, Inc. v. Anthropic PBC, em que uma das questões colocadas ao tribunal prende-se em saber se a utilização das letras de músicas, pela empresa norte americana Antropic PBC, para treinar o seu modelo de IA “Claude”, viola ou não, o direito de autor da editora discográfica Concord Music Group, Inc.. Estes casos ainda estão pendentes de decisão.

Quais os critérios para patentear algoritmos de IA?

A questão da proteção dos algoritmos não é nova, tendo surgido, aliás, em simultâneo com a questão da proteção dos programas de computador, que hoje é possível obter pela via do direito de autor (quanto ao código-fonte e código-objeto) e pela via do direito de patentes (tratando-se de uma solução técnica para resolver um problema técnico).

Os algoritmos em si mesmos consistem numa ideia abstrata e que se traduzem em métodos, raciocínios matemáticos, de análise de dados para se chegar a determinado resultado. Dada a sua natureza abstrata, significa que, à partida, são insuscetíveis de proteção pela via do direito de autor e pela via do direito de patente (que não protegerem ideias).

Ainda assim, será possível proteger um algoritmo pela via do direito de patentes, desde que o mesmo, saindo do domínio do abstrato, seja aplicado, como solução técnica, para resolver determinado problema também ele técnico e cumpra com os demais requisitos de patenteabilidade, tais como novidade, atividade inventiva e suscetibilidade de aplicação industrial. Estes critérios aplicam-se tanto a nível da União Europeia, como nos Estados Unidos.

Como equilibrar a proteção de uma patente com a necessidade de transparência e acesso aberto em tecnologias disruptivas?

Uma vez que as patentes são públicas e disponibilizadas para consulta, a transparência é atingida, em primeira linha, desta forma. Assim, a forma como este equilíbrio é atingido está nas mãos de cada empresa, dependendo também do setor em que atua, da importância da invenção, entre outros aspetos. Pese embora as patentes concedam o direito exclusivo de exploração ao seu titular, também é verdade que é possível permitir a sua utilização ao público em geral, ou licenciá-la a alguns terceiros.

Um exemplo recente de utilização livre de patentes foi bastante mediático e chocou o mundo corporativo e industrial: Elon Musk, em junho de 2015, anunciou que a Tesla permitiria que toda a sua concorrência utilizasse as patentes da Tesla, gratuitamente. Na altura, e de acordo com Musk, tal ter-se-á devido à vontade de expandir o mercado dos veículos elétricos e criar concorrência para a marca de carros Tesla. Surpreendentemente, esta divulgação teve um impacto positivo e visível.

Quem responde por danos causados por decisões automatizadas de IA?

Na hipótese de um lesado pretender ser ressarcido por um dano provocado por uma decisão automatizada tomada por um sistema de IA, terá, atualmente, de recorrer ao regime geral da responsabilidade civil extracontratual, plasmado no Código Civil.

Não obstante, a União Europeia tem vindo a conceber outras soluções jurídicas para esta problemática. Na verdade, em 2017, o Parlamento Europeu chegou a admitir a possibilidade de se criar uma personalidade jurídica específica para robots mais autónomos. Contudo, esta ideia foi, para já abandonada, tendo a Comissão Europeia, em 2022, apresentado uma proposta de Diretiva relativa à adaptação das regras de responsabilidade civil extracontratual à inteligência artificial.

Como tal, até há pouco tempo, acreditava-se que a responsabilidade por danos provocados por sistemas de IA deveria recair num regime de responsabilidade civil extracontratual objetiva. Este enquadramento jurídico pretendia contrariar os complexos desafios associados à produção de prova da culpa do agente e do nexo causal entre a produção do dano e a intervenção do sistema de IA.

No entanto, no início deste ano, a Comissão Europeia abandonou a discussão da proposta de Diretiva, sem previsão quanto à apresentação de uma alternativa. Este “passo atrás” foi justificado, por um lado, pela dificuldade de negociação e de chegada a um com todos os stakeholders, e, por outro, pela necessidade de simplificar a regulação do setor digital, incentivando assim a inovação na União Europeia.

Esta opção da União poderá ter condicionado grandemente a possibilidade dos verdadeiros lesados exercerem os seus direitos. Com a massificação da inteligência artificial, poderemos, certamente, e em breve, verificar se o modelo de responsabilidade civil extracontratual tradicional está, ou não, adequado à opacidade dos modelos recentes de inteligência artificial.

Um exemplo recente de utilização livre de patentes foi bastante mediático e chocou o mundo corporativo e industrial: Elon Musk, em junho de 2015, anunciou que a Tesla permitiria que toda a sua concorrência utilizasse as patentes da Tesla, gratuitamente. Na altura, e de acordo com Musk, tal ter-se-á devido à vontade de expandir o mercado dos veículos elétricos e criar concorrência para a marca de carros Tesla”

Que mudanças espera no campo da PI nos próximos anos em relação às novas tecnologias?

Uma vez mais, a resposta a esta questão não poderá deixar de incluir a menção aos impactos da inteligência artificial. Desde o “boom” da inteligência artificial generativa, que os conceitos de originalidade e a titularidade do direito de autor têm sido postos à prova em Tribunal. Para mais, tal como salienta a OCDE nas suas Guidelines relativas a “Intellectual Property Issues in Artificial Intelligence Trained on Scraped Data“, os desafios do scraping, exacerbados pela inteligência artificial, provocam a urgência na adaptação da legislação de direito de autor à nova era digital.

Noutro domínio, muito se tem discutido o impacto da promissora tecnologia blockchain e das suas potencialidades no que respeita à verificabilidade e registo imutável dos direitos de propriedade intelectual e industrial. Apenas o tempo dirá de que forma é que os operadores de mercado irão aderir à blockchain enquanto nova forma de proteção e de rentabilidade dos seus portefólios de propriedade intelectual.

Posto isto, os titulares de direitos de propriedade intelectual – sendo confrontados com a expansão das realidades virtuais –, deverão considerar estratégias para construir e fortalecer os seus ativos. Nesta sede, a inteligência artificial poderá ser uma aliada na monitorização do mercado e de eventuais violações dos seus direitos de exclusividade.

Como a proteção da PI (patentes, marcas, segredos industriais) estimula a inovação dentro das empresas?

A propriedade industrial poderá, na prática, ser vista como uma “recompensa” que é atribuída aos respetivos titulares pela sua atividade inventiva e esforço (económico, intelectual e não só) no fomento e promoção da inovação, em reconhecimento da respetiva criação de valor para a sociedade, em geral.

Esta transformação de know-how em ativos protegidos e monetizáveis que têm grande valor reputacional, mas, sobretudo, económico para as empresas (na medida em que são transacionáveis, i.e., suscetíveis de licenciamento e/ou transmissão) acaba por constituir, necessariamente, um incentivo e um estímulo à inovação dentro das empresas.

Em bom rigor, uma estratégia de propriedade intelectual e industrial consolidada, que se traduza num portefólio de ativos intangíveis robusto, tenderá a tornar a empresa mais atrativa para o investimento externo. Atente-se no facto de que os fundos de investimento estarão mais disponíveis para investir em pesquisa, desenvolvimento, captura e gestão de conhecimento, quando sabem que poderão daí extrair uma vantagem competitiva e um valor acrescido.

Como uma estratégia robusta de patentes pode diferenciar uma empresa no mercado?

Uma estratégia robusta de patentes pode ser uma grande diferença competitiva para uma empresa, especialmente em setores baseados em inovação como o farmacêutico, o das telecomunicações ou da tecnologia.

O facto de uma empresa saber proteger os seus ativos intangíveis é visto como uma grande mais-valia no mercado, representando também uma vantagem competitiva para a empresa. Tal aplica-se especialmente às patentes, que concedem ao titular um direito de exclusivo sobre a exploração da invenção por esta protegida.

Se a empresa for capaz de definir uma estratégia interna eficaz, com políticas consolidadas sobre a proteção destes ativos, tal pode representar uma “receita para o sucesso”. Um exemplo claro da importância e valor das patentes no mercado é o da indústria farmacêutica, que dispõe de vastos portfolios de patentes e que nos últimos anos tem visto um aumento de litigância relacionado com a garantia do direito exclusivo, em virtude de as patentes serem componente essencial do seu core business.

Em bom rigor, uma estratégia de propriedade intelectual e industrial consolidada, que se traduza num portefólio de ativos intangíveis robusto, tenderá a tornar a empresa mais atrativa para o investimento externo. Atente-se no facto de que os fundos de investimento estarão mais disponíveis para investir em pesquisa, desenvolvimento, captura e gestão de conhecimento, quando sabem que poderão daí extrair uma vantagem competitiva e um valor acrescido”

Em setores altamente competitivos (ex.: tecnologia, farmacêutico), como as empresas podem usar patentes para manter liderança?

Em setores altamente competitivos e inovadores, como o setor da tecnologia ou o setor farmacêutico, é frequente os atores relevantes utilizarem patentes para acautelar a sua posição no mercado, e manter a liderança. Seja porque as patentes conferem direitos de uso e aproveitamento exclusivos sobre determinados produtos ou métodos (e, nessa medida, atuam como ferramenta de tutela da exclusividade de inovações, conferindo uma vantagem competitiva evidente através da criação de monopólios legalmente sancionados que granjeiam ao produto/processo em causa um destaque frente a outros produtos/processo substitutos), seja como fonte de faculdades de licenciamento (assim gerando receitas adicionais para as empresas licenciantes, através do pagamento de contrapartidas pela utilização do produto ou método licenciado ou, ainda, através do reforço da sua imagem e reputação junto dos parceiros ou clientes), a titularidade de patentes traduz, inerentemente, uma posição de vantagem concorrencial no mercado.

Simultaneamente, as empresas podem, através da análise de patentes tituladas por terceiros, obter informações privilegiadas sobre o estado da arte no setor relevante, compreender as tendências de mercado e identificar oportunidades ou ameaças emergentes, usando essas informações para orientar os seus próprios departamentos de R&D (research and development), fomentando a inovação e a sua própria posição de liderança no mercado.

Como evitar conflitos de marcas em mercados globais e digitais?

Uma vez que os direitos de propriedade industrial são protegidos por referência a um determinado território, um primeiro passo essencial para evitar conflitos de marcas será a realização de pesquisas de anterioridade no mercado relevante, para aferir se o sinal cujo registo se pretende com marca, se encontra “disponível” para o tipo de produtos e/ou serviços em questão.

Por outro lado, quando a perspetiva do agente económico seja de expansão, poderão privilegiar-se registos regionais que protejam, simultaneamente, o sinal em vários territórios (por exemplo, marcas da União Europeia). Deste modo, o agente económico em questão poderá evitar eventuais conflitos que surgissem caso pretendesse, posteriormente, permear um novo mercado no qual o seu sinal já não estivesse “disponível” para registo.

Por fim, quando o sinal já se encontre registado, é essencial a monitorização constante do seu uso, por forma a permitir a intervenção atempada e preventiva sobre eventuais situações de potencial violação de direito de marca.

No mesmo sentido, será também relevante que, com acompanhamento de consultores jurídicos especializados, sejam definidas políticas claras no que concerne à utilização das marcas por terceiros a quem o respetivo titular venha a conceder, por exemplo, licenças, evitando, assim, potenciais litígios com os mesmos.

Quando uma empresa deve optar por proteger sua inovação via segredo industrial em vez de patente?

A opção pela tutela de inovação através da sua qualificação como segredo comercial, ou através da obtenção de uma patente depende, em primeira linha, do bem que se pretende tutelar; em segundo lugar, do propósito / finalidade do bem que se pretende tutelar; e, em terceiro lugar, de considerações específicas relacionadas com as circunstâncias do ator económico em concreto.

Assim, note-se que a patente se destina a tutelar apenas produtos e processos/métodos inventivos (não antes conhecidos); enquanto os segredos industriais se destinam a tutelar, antes de mais, informações técnicas ou comerciais que, ou não são patenteáveis ou não se encontram, tradicionalmente, sujeitas a tutela pela propriedade intelectual (i.e., listas de Clientes, estratégias comerciais). Note-se, também assim, que a patente se destina a tutelar bens, processos ou métodos que se destinem a ser partilhados, analisados ou usados por pessoas/entidades externas à própria empresa que titula a patente. Já um segredo industrial deve ser mantido, lá está, em segredo – se a informação a tutelar se destinar apenas a ser utilizada internamente pela empresa, e não ser partilhada com terceiros, a via mais adequada de tutela legal é o segredo industrial, e já não uma patente. Por fim, de entre as outras considerações que podem avultar na opção por um método de tutela legal ou o outro, destaca-se a própria estratégia comercial da empresa, e da forma como a patente ou o segredo podem ser utilizados para maximizar o impacto e o sucesso comercial do produto/processo em causa. Um exemplo clássico, neste âmbito, é a receita da Coca-Cola (a verdadeira), que constitui um segredo comercial e permanece até hoje como uma das receitas alimentares mais secretas do mundo ocidental.

Como startups e empresas de tecnologia podem usar a PI para atrair investidores e parcerias?

A propriedade intelectual pode desempenhar um papel crucial no sucesso das empresas Startup, constituindo um meio de estas protegerem a sua identidade e as soluções que trazem para o mercado assegurando, consequentemente, uma vantagem competitiva perante outros concorrentes.

A robustez da proteção concedida pela propriedade intelectual, neste contexto, pode representar ainda um ativo decisivo na captação de investimento, bem como no aliciamento de terceiros para parcerias estratégicas, quando estes se encontrem interessados em colaborar ou licenciar soluções inovadoras.

É, assim, aconselhável que as empresas Startup delimitem, desde a sua génese, a sua própria propriedade intelectual, assim assegurando que as suas soluções sejam reconhecidas e valorizadas, evitando que terceiros as utilizem, diluindo a vantagem competitiva adquirida.

Como agir contra violações de PI em marketplaces digitais e redes sociais?

Por definição, as redes sociais e marketplaces sempre forneceram aos utilizadores a possibilidade de reportar conteúdo que considerassem ilegal ou contrário aos T&C da plataforma em causa.

Uma das razões para a existência destes reportes foi exatamente combater a disseminação de conteúdo ilegal e que violasse direitos de terceiros, incluindo direitos de PI. Estes mecanismos de reporte permitem aos utilizadores (quando justificado) solicitar ao operador da plataforma que remova conteúdos, publicações, produtos, entre outros, que se encontrem em violação de direitos de PI, desta forma garantindo uma maior proteção de todos os que utilizam a internet.

A implementação do Digital Services Act (Regulamento (UE) 2022/2065, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de outubro de 2022) veio, porém, positivar a obrigação de existência de mecanismos de reporte para utilizadores, criando uma obrigação concreta de existência de um mecanismo de notificação e ação em serviços de alojamento virtual (onde se incluem redes sociais e marketplaces) que permita aos utilizadores denunciar conteúdo ilegal (como o que viole direitos de PI), para que o mesmo seja removido. Assim, passou a ser obrigatório para estes prestadores de serviços permitir aos utilizadores denunciar violações de direitos presentes na rede, estabelecendo-se também prazos apertados para a tomada de decisão.

Esta é, de momento, a principal forma de combater violações de PI nestes ambientes digitais, fora os processos comuns de notificação judicial do infrator, ou mesmo até processos judiciais e providências cautelares nos casos mais sérios de violação de direitos.

Se a empresa for capaz de definir uma estratégia interna eficaz, com políticas consolidadas sobre a proteção destes ativos, tal pode representar uma “receita para o sucesso”. Um exemplo claro da importância e valor das patentes no mercado é o da indústria farmacêutica, que dispõe de vastos portfolios de patentes e que nos últimos anos tem visto um aumento de litigância relacionado com a garantia do direito exclusivo, em virtude de as patentes serem componente essencial do seu core business”

Como a due diligence de PI impacta avaliações e negociações em M&A?

Os ativos intangíveis, nos quais se incluem os direitos de propriedade intelectual e industrial, é reconhecida uma indiscutível importância económica, enquanto recursos chave que potenciam comprovadamente o valor e o crescimento das empresas e conferem aos seus titulares uma clara vantagem competitiva face aos seus concorrentes.

A relevância comercial deste tipo de ativos, no entanto, e o seu potencial transacional, está necessariamente dependente da possibilidade de lhes ser atribuído um determinado valor (em particular, económico). Daqui decorre a crescente importância da realização de avaliações exaustivas e criteriosas, por entidades qualificadas, que permitam ao respetivo titular aferir (e mensurar contabilisticamente) o valor do seu portfólio de propriedade intelectual, que será determinante para a definição da estratégia a adotar no contexto da negociação de eventuais transações comerciais.

Por sua vez, e no que concerne à salvaguarda da posição de eventuais investidores, será também essencial a realização de due diligences criteriosas e eficazes no sentido de aferir questões como sejam a origem, titularidade e situação jurídica atual dos ativos, a (in)existência de limitações à utilização dos mesmos, o respetivo valor, entre outros, por forma a estimar o risco associado à sua transação que é suscetível de impactar, naturalmente, as operações de M&A.

Na sua visão, quais setores terão os maiores conflitos de PI nos próximos anos?

Ainda que já se assista a muita litigância no setor audiovisual desde 2023 face aos impactos da inteligência artificial, não poderemos deixar de o mencionar como um setor que irá despoletar discussões jurídicas complexas ao nível da propriedade intelectual.

Neste domínio, a doutrina tem discutido modelos de receitas económicas adicionais em prol dos autores para fazer face ao recurso exponencial de ferramentas de IA, que estão, comprovadamente, a prejudicar a oferta de trabalho – em particular, a Academia debate a viabilidade de um “AI levy”.

Por outro lado, os Tribunais serão confrontados com litígios que procuram debater matéria de direito de autor, desafiando a interpretação do conceito de “originalidade” há muito consolidado na jurisprudência e doutrina, e que é agora posto em xeque pelo recurso à IA generativa.

Noutra perspetiva, o recente Regulamento que estabelece o Espaço Europeu de Dados de Saúde (Regulamento (UE) 2025/327, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de fevereiro de 2025) trará novos desafios aos segredos de negócio e à proteção das bases de dados de saúde.

No âmbito do procedimento de acesso a dados de saúde para utilização secundária, ficará a cargo do organismo responsável pelo acesso aos dados de saúde analisar se existe alguma proteção de propriedade intelectual sobre os dados e/ou segredo comercial a favor do detentor dos dados, e bem assim, de determinar quais as medidas adequadas para a sua proteção.

Além das dificuldades que esta matéria irá impor ao procedimento de acesso aos dados de saúde, poderá também significar uma renovação da importância do direito de autor sui generis concedido às bases de dados, ao abrigo do Decreto-lei n.º 122/2000, de 4 de julho.

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