“É importante esperar” por auditoria do TdC ao Novo Banco, mas “incumprimento também tem custos”, diz presidente do Conselho das Finanças Públicas

A presidente do CFP recomenda cautela na "dramatização" da questão do Novo Banco, diz ser importante esperar pela auditoria do Tribunal de Contas mas reconhece os "custos" do risco de incumprimento.

Em entrevista ao ECO, a presidente do Conselho das Finanças Públicas avisa que não se deve “dramatizar demasiadamente” a questão da injeção do Novo Banco em 2021. Nazaré Costa Cabral considera que o “ideal” seria esperar pela auditoria do Tribunal de Contas para se tomar uma decisão, mas acautela que a “análise é complexa” e é necessário tempo para a fazer. Contudo, também admite que há “riscos de incumprimento e de inconstitucionalidade que também comportam os seus custos”. “Temos que aguardar pelo desenvolvimento da situação e pela análise jurídica que o próprio Tribunal de Contas vai fazer“, recomenda a presidente da entidade que avalia a sustentabilidade das contas públicas em Portugal.

Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho de Finanças Públicas, em entrevista ao ECO - 27NOV20
Nazaré Costa Cabral, presidente do Conselho de Finanças Públicas, na sede do CFP em Lisboa.Hugo Amaral/ECO

Qual é o entendimento do CFP sobre a constitucionalidade da proposta aprovada pelo Parlamento no Orçamento do Estado para 2021 que impede, para já, a injeção no Novo Banco em 2021?

Há dois planos que é preciso distinguir. Por um lado, a questão de saber se, quando o contrato foi feito entre o Fundo de Resolução e os compradores do Novo Banco, a posição do Estado ficou devidamente acautelada. Essa é uma questão e um debate que se pode ter. Podemos discutir se o contrato inicial garantia um equilíbrio entre as partes, nomeadamente neste processo de limpeza do próprio balanço do banco. Esta auditoria que agora é solicitada ao Tribunal de Contas vai nessa linha de verificar como é que a gestão foi feita, se o Novo Banco usou da melhor política para vender um conjunto de ativos que tinha e se as injeções que foram feitas até aqui pelo Estado, através do Fundo de Resolução, no Novo Banco, e se aquelas agora que se trata ainda de fazer se se justificarão ou não. Só nesse caso é que faz sentido termos esta auditoria porque só aí é que o Estado terá um argumento forte para, do ponto de vista jurídico, dizer que ‘não, não iremos fazer mais esta transferência’ e eventualmente até acionar judicialmente o Novo Banco se considerar que a gestão não foi, de facto, a melhor gestão e que a posição das partes envolvidas, nomeadamente a posição do Estado (a parte pública), não foi devidamente salvaguardada.

Mas há também o risco de incumprimento do contrato…

A outra questão é: existe um contrato que foi negociado. Bem sei que como em qualquer negociação as partes tiveram de fazer compromissos na altura. O Estado porventura, através do Fundo de Resolução, teria querido algumas outras soluções que acabaram por não vingar nas cláusulas contratuais, mas a verdade é que assinou esse contrato. O que nós temos aqui é dois riscos. Um primeiro risco de, se esta tranche não for efetuada, haver uma situação de incumprimento relativamente a uma parte do contrato e ao que está previsto no mecanismo de capitalização contingente. Eventualmente, não sabemos qual será a reação do Novo Banco e os seus compradores, mas poderá vir a acionar [algo] do ponto de vista judicial.

O outro risco é a questão da inconstitucionalidade. Temos de lembrar que existe uma norma constitucional, o número 2 do artigo 105.º da Constituição, que é muito clara: nós estamos a falar de uma despesa obrigatória que resulta de um contrato e, de facto, o OE deve prever dotação para assegurar o cumprimento dessa mesma despesa. Nos moldes em que esta alteração foi feita, havendo lugar a uma eliminação de uma dotação de uma despesa do mapa orçamental, isto pode significar que o Estado está a deixar de cumprir uma despesa obrigatória. Mas agora temos que ver, com o evoluir dos acontecimentos — em função do timing da própria auditoria, em função da possibilidade de haver ou não um retificativo que acautele a dotação suficiente para resolver a situação — se a situação se resolverá a tempo e horas.

Qual seria a situação ideal?

É importante esperar para ver o que resulta da auditoria do Tribunal de Contas porque nós já tivemos algumas auditorias e não houve para já a sinalização de nada de muito grave desse ponto de vista para o Estado. Temos de ver o que o Tribunal de Contas vai dizer. Creio que esse é um fator chave porque se se verificar que há aí situações que não foram acauteladas na gestão que podem, em última análise, legitimar uma reação da parte do Estado, obviamente que isso poderá ter uma consequência. Agora não se deixa de notar que, neste momento, com os atuais dados em cima da mesa, estamos perante riscos de incumprimentos e riscos de inconstitucionalidade que também comportam os seus custos. Temos que aguardar pelo desenvolvimento da situação e pela análise jurídica que o próprio Tribunal de Contas vai fazer.

O ideal seria ter os dados da auditoria para depois decidir relativamente à injeção e não tentar já acautelar essa injeção no OE 2021?

O ideal seria, mas não sabemos. Não podemos pressionar o Tribunal de Contas. Isto é uma análise complexa, que tem os seus timings. Já sabemos que as auditorias levam o seu tempo. O Tribunal de Contas terá de ter o seu tempo para fazer o seu trabalho.

Do ponto de vista internacional, esta decisão do Parlamento pode ter impacto reputacional para Portugal relativamente ao acesso aos mercados?

Creio que neste momento a situação está controlada desse ponto de vista. Não me parece muito desejável dramatizar demasiadamente a situação. Eu chamo atenção para este ponto: as questões do sistema financeiro são questões sempre muito complexas, muito difíceis, e é preciso olhar para elas com muita cautela, mesmo nas mensagens que se transmitem. Há coisas que no sistema financeiro que funcionam muito na base das expectativas…

E da confiança.

E da confiança, exatamente. Há profecias que acabam por se auto realizar. Aqui temos de ter serenidade, calma e esperar para ver como as coisas evoluem. Não vale a pena estarmos a antecipar cenários mais catastróficos e problemáticos quando, por agora, a situação parece estar controlada.

O CFP tem apelado ao “rigor e prudência” nas contas públicas. Não acha que prever logo à partida a injeção no OE 2021 sem conhecer a auditoria é estar a passar um cheque em branco ao Novo Banco?

Não vou tão longe. Trata-se de facto de assegurar o que está comprometido e que tem vindo a ser feito nos últimos anos.

Mas têm surgido notícias que alegadamente podem indiciam que do lado do Novo Banco esteja a haver um incumprimento parcial do contrato.

Creio que colocaria também os decisores numa situação um pouco delicada o facto de pura e simplesmente não preverem qualquer dotação para este efeito. Em todo o caso, como sabemos, houve negociações neste sentido e aquilo que acabou por ser a decisão foi um valor bastante menor do que aquele que inicialmente estava pensado do ponto de vista do Governo. Já tinha havido uma certa negociação política nesse sentido. Foi a decisão de cautela que o Governo tomou — não quero estar agora a pronunciar-me especificamente sobre ela — e penso que foi tomada no sentido de assegurar o cumprimento daquilo que seriam as exigências mínimas do próprio contrato.

As questões do sistema financeiro são questões sempre muito complexas, muito difíceis, e é preciso olhar para elas com muita cautela, mesmo nas mensagens que se transmitem.

Nazaré Costa Cabral

Presidente do CFP

CFP não antevê injeções na banca “para já”

Prevê que possa haver mais injeções na banca nos próximos anos por causa da crise pandémica?

Para já, não antevejo. Neste momento, o que sabemos é que existem situações de créditos que beneficiaram de moratórias e que não estão a ser pagos pelos credores aos bancos. Sabemos que tem havido um recurso ao crédito, embora não nos valores que tivemos no passado, que gera situações de endividamento. Sabemos que o Estado concedeu garantias no âmbito de certas linhas de crédito que determinadas empresas solicitaram. Há fatores de desconhecimento. Nós não sabemos como é que a economia vai evoluir, como é que a capacidade de liquidez e solvências das empresas e das famílias vai evoluir nos próximos tempos para que elas possam honrar esses compromissos que estão pendentes e, portanto, em última análise não sabemos quais vão ser os fatores de pressão sobre o sistema financeiro e se isso vai ter algum impacto sobre o Estado, apoiando e amparando se for necessário.

O que nós sabemos é que todas estas políticas que foram adotadas beneficiaram de um forte apoio por parte da autoridade bancária europeia (EBA). Ou seja, isto é matéria que está devidamente enquadrada no âmbito das normas regulatórias europeias. Não digo que houve um relaxamento, mas houve alguma tolerância relativamente à aplicação dos próprios rácios de capital para permitir que esses mecanismos de partilha de risco entre os vários setores pudessem ocorrer face à gravidade da situação. Mas as regras de capital estão lá, apesar da tolerância momentânea, e serão recuperadas e os bancos vão ter de mostrar que continuam com as mesmas condições de resiliência e solidez.

Portugal é um dos países onde as moratórias mais foram utilizadas quando vistas em percentagem do total do crédito. É um sinal preocupante?

É um fator que nos merece atenção e por isso mesmo o Conselho das Finanças Públicas assinala esse risco descendente como um dos que se tem de estar atento. De novo, não vale a pena antecipar cenários catastróficas, mas obviamente que a questão tem de ser acompanhada com atenção, nomeadamente ao longo do próximo ano.

Há responsabilidades contingentes públicas com as linhas de crédito Covid-19 pelo que aí os bancos terão perdas muito limitadas. O Estado ficou com demasiada responsabilidade nesse instrumento?

Não temos ainda atualização dos dados, mas chamamos em setembro a atenção para termos um grau de exposição efetiva na ordem dos 5,5 mil milhões de euros, o equivalente a 2,7% do PIB, no âmbito destas linhas de crédito Covid.

Que se junta ao que já existia…

Exatamente, junta-se a todo o histórico de responsabilidade contingentes. É uma tendência. Esta questão não é apenas portuguesa, faz-se sentir na generalidade dos países. No caso português tínhamos já uma herança passada que torna a situação mais arriscada a complicada.

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