“É importante que haja profissionais exclusivamente dedicados à resolução de litígios, como árbitros, sem exercerem advocacia”

Catarina Monteiro Pires fundou um projeto dedicado à resolução de litígios e arbitragem. À Advocatus, assegura que os árbitros portugueses têm algo para oferecer.

Catarina Monteiro Pires fundou um projeto dedicado à resolução de litígios e arbitragem. À Advocatus, assume que não são advogados mas antes uma boutique dedicada a opiniões “independentes” e “imparciais”.

Assegura que os árbitros portugueses têm algo para oferecer e que é importante que haja profissionais “exclusivamente dedicados à resolução de litígios, como árbitros, sem exercerem advocacia”.

O que a levou a deixar os grandes escritórios, como a Morais Leitão, e apostar num projeto próprio centrado na resolução de litígios e arbitragem internacional?

Criar um projeto diferente e inovador, com uma identidade definida: dedicação exclusiva à resolução de litígios, em particular à resolução alternativa de litígios, na vertente de decisão, e não de representação de clientes.

Não somos advogados, somos uma boutique dedicada a opiniões independentes e imparciais, nomeadamente através de pareceres escritos, e a atuações como árbitros em litígios nacionais e internacionais. No fundo, decidimos e ajudamos a decidir.

Além disso, está no nosso ADN um forte compromisso com a academia, com o conhecimento e com a internacionalização: estamos baseados em Lisboa, mas atuamos em várias jurisdições europeias, americanas e africanas. Onde estiver o litígio. O facto de estudarmos vários direitos estrangeiros, permite-nos compreender várias jurisdições além da portuguesa.

Pessoalmente, minha experiência de 19 anos de advocacia deu-me as ferramentas essenciais para poder hoje decidir litígios, sabendo o que é o trabalho do advogado, compreendendo por que razão surgem os litígios e quais são as preocupações das empresas, que são os usuários principais dos métodos de resolução alternativa de litígios.

Catarina Monteiro PiresHugo Amaral/ECO

Como está a correr esta nova aventura? O feedback que tem recebido tem sido positivo?

Muito bem.

É um privilégio poder trabalhar a partir de Lisboa, para várias jurisdições. Os árbitros portugueses têm também algo para oferecer. Somos por vocação uma comunidade aberta ao exterior, curiosa por outras culturas, fluente em outras línguas.

É importante que haja profissionais exclusivamente dedicados à resolução de litígios, como árbitros, sem exercerem advocacia. Os usuários dos métodos de resolução alternativa de litígios reconhecem isto. É essencial assegurar independência, imparcialidade e também especialização. Não quer isto dizer que não possa haver árbitros advogados, mas não tenho dúvidas que o perfil do árbitro e jurisconsulto independente é um perfil diferenciado baseado numa profissionalização exclusiva.

Qual é o estado da arbitragem no nosso país, tanto arbitragem doméstica como internacional?

A resolução de litígios através de arbitragem em Portugal é facilitada por uma Lei de Arbitragem com soluções equilibradas e por tribunais judiciais que, não sendo hostis à arbitragem e respeitando a jurisdição privada, exercem o controlo que devem exercer.

Os agentes económicos procuram uma jurisdição privada independente das partes e sem vieses na compreensão dos casos, que ofereça ao mesmo tempo um grau de especialização adequado e a uma decisão em tempo razoável.

Catarina Monteiro Pires

Considera que a arbitragem começa a ser uma solução “mais popular” no nosso país?

A arbitragem comercial é a solução mais popular na resolução de litígios comerciais e empresariais, sobretudo quando estão envolvidas partes de diferentes países ou litígios que envolvem o comércio internacional. Os agentes económicos procuram uma jurisdição privada independente das partes e sem vieses na compreensão dos casos, que ofereça ao mesmo tempo um grau de especialização adequado e a uma decisão em tempo razoável.

Hoje em dia, a arbitragem expande-se para outras áreas como arbitragem de consumo ou arbitragem tributária, mas a razão de ser nestes casos é diferente e prende-se sobretudo com a necessidade de aliviar os tribunais estaduais.

Quais são as áreas onde a arbitragem é mais recorrente?

Como disse, a área central é a arbitragem comercial internacional. Dentro desta, distinguem-se várias áreas, sendo as mais relevantes a de litígios relativos à aquisição de empresas, litígios relativos à relação entre acionistas, litígios relativos a contratos de construção de unidades industriais e de infraestruturas, litígios com entes públicos, nomeadamente relativos a contratos de concessão, e litígios relativos a transportes marítimos.

E quais são as principais vantagens da arbitragem?

Em primeiro lugar, a flexibilidade na condução do procedimento. O processo arbitral pode ser completamente adaptado ao caso concreto: o número de peças processuais, o tipo de prova a produzir, que tipo de perícia, que tipo de depoimentos, documentos próprios ou alheios, o número de audiências, a forma como se organiza a audiência, a possibilidade de dividir o processo em várias fases etc. Não há um Código de Processo Civil preparado pelo legislador: a marcha do processo é pensada caso a caso.

Em segundo lugar, a especialização dos decisores. Um árbitro com experiência está mais preparado para uma decisão, seja do ponto de vista jurídico, pela especialização, seja do ponto de vista técnico, por exemplo, dominando aspetos de contabilidade ou de engenharia civil relevantes para o caso.

Catarina Monteiro PiresHugo Amaral/ECO

No que concerne à arbitragem internacional, como é que lida com os desafios impostos pelos diferentes sistemas jurídicos e jurisdições?

No plano internacional, não só as leis são diferentes, como as culturas jurídicas são diferentes. O essencial é procurar afastar vieses na compreensão do direito, aceitar as diferenças jurídicas e ter presente que um olhar exterior e neutro pode, por vezes, permitir alcançar uma visão mais adequada e uma solução mais justa. Os desafios são também muitas vezes as vantagens de um árbitro internacional.

Que características considera que tem de ter um advogado ligado à área de arbitragem? E um árbitro?

Nos advogados, capacidade de lidar com casos complexos, dedicação ou mesmo resistência e atenção aos detalhes. Também espírito de equipa: os grandes litígios envolvem mais do que um advogado.

No árbitro, equanimidade, equilíbrio, sentido deontológico no exercício da função jurisdicional e capacidade decidir de forma justa e fundamentada em diferentes sistemas jurídicos. Também disponibilidade. O árbitro deve dedicar ao caso o tempo que o caso exige.

Catarina Monteiro PiresHugo Amaral/ECO

O que considera ser mais gratificante em trabalhar na área de arbitragem?

Poder contribuir para resolver litígios entre empresas de países diferentes e, com isso, contribuir para uma estabilização das relações comerciais internacionais e para a garantia das liberdades individuais. Num mundo globalizado com forte circulação de bens e direitos, é essencial uma justiça independente, adequada, célere e eficaz.

Qual é a sua previsão para a arbitragem internacional nos próximos anos?

Desenvolvimento em países em que o recurso ainda não é tão evidente. Por exemplo, dentro dos países da lusofonia, Angola e Moçambique. E uma valorização de novas “sedes de arbitragem”

Em Portugal, a arbitragem enquanto método de resolução alternativa de litígios beneficiaria de alterações legislativas? Em que áreas?

Creio que beneficiaria da publicação de uma lei de arbitragem societária para resolução de litígios relativos a sociedades comerciais. É uma área de forte especialização e muito importante para as empresas.

Qual foi o melhor conselho que deram na sua carreira?

Estudar, mas não estranhar, o que não conheço.

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