“Não basta deixar governar… É preciso um entendimento mais extenso entre o PS e o PSD”

Pedro Siza Vieira, advogado e ex-ministro, critica Montenegro e pede entendimentos ao centro nos grandes temas. Foi no podcast ‘O Mistério das Finanças’.

Pedro Siza Vieira assume-se “perplexo” com a crise política e as eleições antecipadas, responsabiliza o primeiro-ministro pela forma como conduziu todo o processo — “devia ter fechado a empresa, devia ter vendido a empresa a um terceiro, devia imediatamente ter dito aos seus clientes todos: “Eu termino todas as relações que temos” — mas tem outra preocupação. No podcast do ECO e da CNN, ‘O Mistério das Finanças’, conduzido pelos jornalistas António Costa e Pedro Santos Guerreiro, o ex-ministro dos governos PS deixa uma alerta: “Se não tivermos isto, o próximo governo vai estar novamente, não só frágil e sem capacidade de tomar decisões de fundo que serão muito difíceis, mas também pode ser tentado a acolher numa solução de governo ou de apoio a um governo, o Chega“. E, para isso, é preciso um entendimento entre os dois maiores partidos nos principais temas políticos, nacionais e europeus.

Depois de mais uma crise política, com eleições antecipadas para 18 de maio, como é que nos vê?

Eu vejo-nos com desafios significativos em várias frentes, mas apesar de tudo como uma história que é de sucesso e é observada pelo mundo fora como uma história de sucesso. E quanto à estabilidade política, convém recordar que nós tivemos vários ciclos muito estáveis do ponto de vista político. Portanto, de facto, é estranho, já não estamos habituados, termos um governo que dura apenas um ano. Não sabemos se este ciclo vai mudar definitivamente ou se vai voltar a haver uma transição, como aliás o Sr. Presidente da República no seu discurso… Disse que esperava que a transição que se fizesse agora entre um Governo e o próximo fosse tão fácil e tão simples como aquela que aconteceu entre o último governo de António Costa e aquele liderado por Luís Montenegro.

Eu acho que é possível haver estabilidade, mas é importante que os protagonistas políticos tenham uma perceção das dificuldades…

Mas estas eleições são normais? Está, no fundo, a normalizar…

Não, não estou a normalizar. Eu já disse que estou perplexo com esta situação. Eu não consigo perceber porque é que um motivo como este desencadeou uma crise com estas dimensões e como é que, depois, acabamos por nos precipitar para umas eleições…

O caso que levou a eleições não é suficientemente relevante para ter motivado, digamos, as exigências de explicações do primeiro-ministro?

Não é isso que eu digo. Aquilo que me parece é o seguinte. O Primeiro-Ministro cometeu um erro de avaliação sobre a sua situação pessoal no momento em que assumiu as funções. E, por outro lado, e isso é que me parece mais sério, a partir do momento em que esta questão se começou a tornar um tema, e reparem que foi uma coisa muito mal construída, faz-me muita impressão que um político tão experimentado como o Luís Montenegro não tenha percebido imediatamente que aquilo que tinha que fazer era muito mais radical, muito mais rápido e muito mais claro do que aquilo que foi. Parece ter sido arrastado pelos acontecimentos e sempre correr atrás do prejuízo. Ou seja, devia ter fechado a empresa…. Devia ter fechado a empresa, devia ter vendido a empresa a um terceiro, devia imediatamente ter dito aos seus clientes todos: “Eu termino todas as relações que temos”. Tinha muitas hipóteses de ter dito “eu não quero que isto constitua uma distração, quer do governo, quer dos portugueses, e portanto devemos pôr fim a isso”.

Não vê um problema ético nos rendimentos da sociedade com aqueles clientes quando Luís Montenegro já estava em funções?

Aquilo que me parece evidente, vou falar muito francamente, aquilo que me parece evidente é que a partir do momento em que a questão foi revelada, era extremamente difícil ao primeiro-ministro justificar, porque ia sempre haver opiniões diferentes sobre a matéria. Era muito difícil [para Luís Montenegro] sair disto limpamente, sem dizer “vou livrar-me desta questão. Não quero que isto… Isto é uma coisa que eu acho que não tem fundamento. Vou-me desfazer-me desta situação para não haver mais equívocos”. E isto tinha sido ultrapassado, tenho a convicção, muito mais facilmente do que neste contexto para que agora estamos.

Dá-me a impressão, além do mais, e é a terceira coisa que me faz impressão, A maneira como o processo foi gerido pela parte do Governo, com exigências que nunca se foram percebendo muito bem, também me leva a pensar que o primeiro-ministro entendeu que provavelmente tinha uma vantagem qualquer política em ir para eleições, em disputar as eleições tão cedo quanto possível, em vez de continuar a governar, isso também me faz impressão.

Para um homem político, a liderança do governo do país tem que ser a tarefa mais elevada, mais significativa, mais importante, a que todo o resto na sua vida se secundariza. Portanto, não consigo perceber como é que se diz que não se tem que sacrificar a família ou as relações com clientes ou o seu património por causa do exercício da função de Primeiro-Ministro.

Pedro Siza Vieira, advogado e antigo ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, em entrevista ao programa/podcast "O Mistério das Finanças" Hugo Amaral/ECO

E para si?

Se for essa a escolha, para mim não havia hesitação. E faz-me muita impressão que troque a possibilidade de estar à frente do governo de Portugal, num momento tão difícil do ponto de vista internacional, por aquilo que é. O motivo na origem poderia ter sido resolvido de outra maneira, e acho que a forma como chegamos a eleições, para mim, é bastante incompreensível, como imagino que para a maior parte dos portugueses, que são chamados a votar, são chamados a resolver um problema que o sistema político e partidário não foi capaz de responder e vão votar com enfado, mas estou eu convencido, com sentido de responsabilidade.

Está a responsabilizar o primeiro-ministro pelas eleições?

Estou, obviamente. Não gostei de nada da maneira como esta discussão foi sendo tida, quer por parte dos partidos de oposição, quer por parte da comunicação social, mas sobretudo por parte do Governo. Na origem disto está uma situação pessoal do Primeiro-Ministro que não soube resolver a tempo e acho também que aquilo que finalmente determina a queda do Governo e a convocatória de eleições é a apresentação de uma moção de confiança que o Governo sabe, desde o primeiro momento, que fosse qual fosse a circunstância, nunca poderia ser aprovado.

Um Governo que é minoritário pode governar perfeitamente, a nossa Constituição dá-lhe as ferramentas para isso. O programa de governo não tem que ser expressamente aprovado pela maioria. Basta que não haja uma rejeição do programa. Portanto, a nossa Constituição foi preparada para haver governos minoritários que pudessem governar estavelmente e parece-me que este governo não o quis fazer E, aliás, desde o primeiro momento, eu que fui bastante defensor na minha intervenção pública da possibilidade deste governo durar a legislatura e ter as ferramentas para assim o fazer, na verdade, até a própria atitude que desde o primeiro momento foi tendo, muito provocatória relativamente às oposições, particularmente ao Partido Socialista, acabou por ir quebrando as pontes que num momento de crise precisava de ter.

Iliba o líder do PS deste resultado final?

No tempo da Guerra Fria havia uma expressão muito curiosa que se chamava brinkmanship, a ideia de que dois adversários num determinado jogo vão fazendo jogadas cada vez mais arriscadas até ao momento em que nenhum deles consegue recuar e acabam por precipitar um resultado que nenhum deles, no início, tinha querido. E aqui é um bocadinho isto, é brinkmanship levado ao extremo numa coisa que claramente não teria justificado. Mas queria dizer o seguinte: O líder do Partido Socialista, ao longo deste tempo, foi dando sucessivas oportunidades ao governo de se manter em funções.

Há uma coisa que Pedro Nuno Santos faz, numa entrevista já dada depois da rejeição da moção de confiança, que foi dizer que o próximo governo deve merecer do principal partido da oposição uma não rejeição do programa de governo e uma aprovação do primeiro orçamento. Porventura, se tivesse dito isto no momento em que, digamos assim, o governo que agora caiu iniciou funções, tudo tinha sido muito mais claro.
tinha sido muito mais claro, porque na verdade, aquilo que proporcionou ao governo que agora caiu foi precisamente governar durante…

Vamos assumir esse cenário. Acha possível que continuemos em governos minoritários, com pouca força no Parlamento? Não vamos estar, daqui a um ano, outra vez em eleições. Ou seja, nós estamos a caminhar para um sistema à italiana, com sucessões de governos…

A proposta de Pedro Nuno Santos, que ao fim e ao cabo corresponde ao comportamento que adotou nos últimos de 11 meses, é aquela que faz sentido. Portanto, aquilo que Pedro Nuno Santos propõe é uma coisa que faz sentido em tempos normais. Eu acho que nós não estamos em tempos normais.

Porquê?

Estamos com uma guerra instalada no continente europeu e não está excluído que ela venha a escalar, temos que fazer escolhas muito grandes ao nível da organização da União Europeia, vamos ter que decidir como é que vamos redistribuir recursos públicos ou alocar mais recursos públicos a funções como a defesa, vamos ter que eventualmente comprometer cidadãos portugueses que estão nas forças militares em teatro de guerra. Isto precisa de um governo muito forte.

Pedro Siza Vieira, advogado e antigo ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, em entrevista ao programa/podcast "O Mistério das Finanças" Hugo Amaral/ECO

Qual é a saída?

Na minha perspetiva, aquilo que vamos precisar a seguir às eleições não é só, digamos assim, aquilo que o Pedro Nuno Santos sugere, o “vamos deixar-te governar”. Eu acho que é preciso um entendimento muito mais extenso sobre estes temas… o país, com o apoio dos partidos centrais, vai estar disponível para estas coisas.

Mais formal, mais informal?

É preciso ser mais claro para a população, mais claro do que os dois partido têm sido. Vou dizer mais uma coisa, e vou medir as palavras: Se não tivermos isto, o próximo governo vai estar novamente, não só frágil e sem capacidade de tomar decisões de fundo que serão muito difíceis, mas também pode ser tentado a acolher numa solução de governo ou de apoio a um governo, o Chega. E há uma coisa que temos que ter a noção. O Chega, em termos europeus, faz parte do partido designado dos Patriotas, liderado por Vítor Orbán. É a figura mais destacada desse partido. O Chega, portanto, faz parte de uma coligação europeia de partidos que estão objetivamente ao serviço de interesses estrangeiros e apostados em enfraquecer a União Europeia. É muito importante que o nosso próximo governo, que vai ter que tomar decisões muito difíceis em termos europeus e em termos nacionais, possa contar com o apoio daqueles que estão empenhados no sucesso dos desafios que a União Europeia e Portugal têm pela frente e que não sirva assim, digamos assim, de porta de entrada para aqueles que objetivamente…

Uma coligação…

Não sei se é uma coligação, se é um acordo de incidência parlamentar, se é um acordo de regime sobre determinadas questões, mas claramente penso que é preciso, sobretudo aqui, que o PSD resista à tentação de estar no governo com um acordo com este partido, que faz parte de um partido europeu que está totalmente nos antípodos do Partido Popular Europeu, de que faz parte do PSD, e esteja disponível para, seja o partido mais votado, seja o segundo partido, permitir uma solução governativa sobre os grandes desafios europeus.

Luís Montenegro manteve o “não é não é”.

É uma coisa que, aliás, assinalo desde há mais de um ano e que, por isso, também mereceu o meu respeito na forma muito clara como se posicionou relativamente a esse tema. E aquilo que eu espero é que, seja Luís Montenegro, seja qualquer outro líder do PSD, mantenha claramente a visão… tenha claramente a visão de que o Chega está coligado com inimigos da União Europeia.

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