O crédito não pára de crescer. Ricardo Mourinho Félix está atento, mas acredita que os "portugueses retiraram ilações da crise financeira". No entanto, diz que a baixa taxa de poupança é um problema.
O Governo de António Costa assumiu o compromisso de repor rendimento às famílias. Fez um esforço nesse sentido, mas as famílias não estão a tirar partido dessa maior disponibilidade financeira para aumentar a poupança. E “uma baixa taxa de poupança deixa as famílias mais vulneráveis para os chamados ‘dias chuvosos’”, reconhece Ricardo Mourinho Félix.
Em entrevista escrita ao ECO, no âmbito do Dia Mundial da Poupança, o secretário de Estado das Finanças reconhece o problema da fraca apetência pela poupança, mas também alerta para a necessidade de monitorizar o crescente endividamento das famílias. “É fundamental acompanhar a evolução do crédito às famílias”, diz.
O contexto de juros baixos fomenta o crédito, mas acaba por diminuir a poupança. Ainda assim, o Estado tem conseguido atrair muitos milhões de euros através dos certificados. Mourinho Félix salienta o sucesso destes produtos, deixando a porta aberta a novidades na forma de subscrição destes títulos de dívida, bem como ao lançamento de mais uma OTRV em 2019.
Portugal regista uma das mais baixas taxas de poupança dos países do euro. É uma preocupação?
A reposição do rendimento das famílias é o maior contributo do Governo para a poupança dos portugueses. Tem sido feito um esforço orçamental muito importante, não apenas na reposição dos salários dos funcionários públicos, mas também das pensões de reforma, na redução do IRS pago pelas famílias, e na subida do salário mínimo, cumprindo a trajetória com que nos comprometemos no início da legislatura. Esta política permitiu a criação de 380.000 postos de trabalho e, por essa via, de rendimento sem o qual não se pode esperar que a poupança aumente. Estamos a conduzir uma política que apoia a poupança das famílias portuguesas com responsabilidade orçamental e com uma credibilidade que é reconhecida.
Obviamente, que gostaríamos que a taxa de poupança fosse mais elevada. Mas o nível da taxa de poupança traduz, ainda, a acumulação de um ciclo de anos sucessivos de austeridade e de perda de rendimento das famílias que depauperou a sua capacidade de poupança. Uma das componentes essenciais para o crescimento da economia portuguesa é o reforço do investimento e, nesse sentido, o aumento da poupança é algo que vemos como importante. Só investindo mais, podemos criar mais rendimento e, por essa via, poupar mais.
É essa baixa poupança que explica o crescente endividamento a que se tem assistido?
O atual ciclo de baixas taxas de juros trouxe muita liquidez ao mercado e os níveis de endividamento de famílias e empresas reduziram-se imenso. Agora que estabilizámos o setor financeiro em Portugal, que os bancos estão mais sólidos, e que as perspetivas de rendimento das famílias melhoraram de forma sustentada é natural que o crédito volte a crescer para financiar as famílias e as empresas.
Claro que o baixo custo do dinheiro cria um risco que é preciso controlar. Neste capítulo, a política macroprudencial desempenha um papel fundamental e cabe ao Banco de Portugal, enquanto autoridade macroprudencial, tomar as medidas que considere adequadas para evitar que se repitam os erros do passado. Foi também neste sentido que o Governo deu um sinal no Orçamento do Estado ao aumentar o Imposto de Selo sobre os contratos de crédito ao consumo.
"Uma baixa taxa de poupança deixa as famílias mais vulneráveis para os chamados “dias chuvosos”.”
A literacia financeira desempenha aqui também um papel primordial. Todos devem ser educados para que a poupança seja feita não apenas por hábito, por princípio ou por convicção, mas por precaução. Mas também acredito que os portugueses retiraram ilações da crise financeira e estão hoje mais preparados.
Tendo em conta o contexto de juros historicamente baixos, mas olhando para os sinais de inversão da política monetária do BCE, acredita que as famílias serão capazes de cumprir com o pagamento dos seus créditos? Ou há o risco de voltarmos a viver uma situação idêntica à de 2011?
Uma baixa taxa de poupança deixa as famílias mais vulneráveis para os chamados “dias chuvosos” — seja por uma redução dos rendimentos, como se verifica em situações de desemprego, doença ou na idade da reforma, seja por um aumento das suas despesas.
O Banco Central Europeu (BCE) aumentará as taxas de juro de forma gradual quando considerar que a economia europeia está sólida e que as expectativas de inflação estão ancoradas no referencial de 2%. As famílias estão hoje mais preparadas para enfrentar um regresso a uma postura neutral da política monetária e estão seguramente conscientes e preparadas para essa possibilidade. Hoje, Portugal vive um período de expansão: a economia cresce, o rendimento aumenta, o desemprego está em mínimos. É nestes momentos que todos devemos prepararmo-nos para essa subida.
Também por isso, é fundamental acompanhar a evolução do crédito às famílias. Em especial, o crédito ao consumo deve ser acompanhado com muita atenção para evitar um aumento imprudente. O Banco de Portugal, enquanto autoridade macroprudencial, adotou um conjunto de medidas e está a avaliar a sua eficácia de forma a prevenir a acumulação de riscos.
É essencial monitorizar a evolução do crédito na nossa economia. Sem uma adequada avaliação de risco, o aumento do crédito a particulares é mais uma visão de curto prazo do que uma estratégia de futuro. Como já disse, o Governo também um sinal no Orçamento de Estado ao aumentar o Imposto de Selo sobre o crédito ao consumo.
Da poupança dos portugueses, boa parte está em depósitos. Mas muito desse dinheiro está à ordem, sem render juros. É uma gestão eficiente?
Num período de taxas de juro baixas torna-se mais difícil ao setor bancário incentivar a poupança. Agora, é preciso recordar também que a baixa remuneração do dinheiro permite às famílias reduzir os custos com a prestação do crédito à habitação e por essa via liberta rendimento que pode e deve ser poupado.
Os portugueses, antes de qualquer agência de rating, perceberam e confiaram na estratégia económica que estamos a prosseguir.
É também preciso recordar que Portugal tem um produto de poupança, que foi inovador em toda a Europa, os Planos de Poupança-Reforma (PPR). Neste Governo foram tomadas medidas (como a flexibilização da composição do património) para assegurar que o PPR continua a ser um produto atrativo para os portugueses. Mas queremos mais do que isso, queremos voltar a ser pioneiros na Europa em matéria de produtos de poupança e, para isso, queremos ser um dos primeiros países a lançar o PEPP (Pan-European Personal Pension Product).
O Estado tem contribuído para o aumento da poupança com o lançamento de vários produtos, nomeadamente os CTPC e as OTRV. Está prevista alguma alteração a estes produtos? Ou o lançamento de um novo? Se sim, qual?
A colocação de produtos de dívida pública no retalho tem sido um enorme sucesso. Os portugueses, antes de qualquer agência de rating, perceberam e confiaram na estratégia económica que estamos a prosseguir. Esses produtos são para continuar e certamente que em 2019 faremos mais uma emissão de OTRV (Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável).
Os certificados de aforro estão a perder dinheiro há quase dois anos. Está a ser preparada alguma alteração à remuneração deste produto histórico? Pode dar pormenores?
Os certificados de aforro (CA), desde 2015, perderam cerca de 1.000 milhões de euros em valor subscrito. Contudo, nos certificados de Tesouro (CT), as subscrições mais do que compensam os resgates líquidos do outro produto. No conjunto dos CA e dos CT, o saldo vivo dos produtos de retalho tem crescido continuamente. A alteração mais importante que este Governo fez relativamente aos CA e aos CT teve que ver com os canais de venda. Desde há precisamente um ano os CA e os CT passaram a estar disponíveis nas Lojas do Cidadão. Queremos continuar a dinamizar outros canais de comercialização dos produtos de poupança do Estado e isso pode passar por plataformas eletrónicas, com versões para aplicações móveis.
A estabilidade dos produtos e das suas condições é um elemento muito importante para a poupança. Por esse motivo, não está a ser preparada nenhuma alteração para os CA e os CT.
Até que ponto o facto de Portugal ter saído de “lixo” em todas as grandes agências de notação financeira limita as taxas que pode oferecer aos particulares?
A subida do rating da dívida portuguesa é uma das maiores vitórias do país. Esta subida, juntamente com a saída do procedimento por défices excessivos, a redução do défice e do rácio da dívida, permitiu poupanças de juros de mais de 1.400 milhões de euros que estão a ser investidos na Saúde, na Educação, na Cultura. Isso tem de ser sempre visto como algo de muito positivo. É um investimento nos portugueses. Além disso, as taxas de juro das obrigações do Tesouro (OT) não são a única referência para a definição da remuneração dos produtos de retalho.
Qual a meta do Governo em termos de detenção da dívida do país pelos particulares nacionais?
Atualmente, CA, CT e ORTV representam cerca de 15% da nossa dívida pública. É um valor de que desde logo nos orgulhamos e que se deverá manter, porque traduz a confiança dos portugueses no futuro do seu país e na natureza estrutural do trabalho que temos feito.
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