“Governo deveria ter a coragem política de discutir o congelamento das propinas”

O congelamento das propinas é prejudicial para o ensino superior, aponta Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, em entrevista.

Há muito que o ensino superior público sofre com o subfinanciamento e, por isso, Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), olha com bons olhos as notícias de que o Governo quer fundos regionais, autarquias ou instituições privadas também a financiar. “Temos de encontrar outros mecanismos de financiamento se queremos desenvolver as nossas instituições de ensino superior, para além do financiamento do Orçamento de Estado”, argumenta o presidente do IST, que, com mais de 11 mil alunos é a maior faculdade da Universidade de Lisboa, a maior do país.

Com a dotação do Orçamento de Estado a representar apenas 80% dos salários no Técnico, a escola de engenharia tem nos seus 25 parceiros empresariais um forte apoio para fazer face aos investimentos em infraestruturas ou outros. O Técnico Innovation Center — estrutura instalada no Arco do Cego, em Lisboa, com abertura prevista para 18 de outubro, com um valor de obra na ordem dos 12 milhões de euros — não teria sido feito sem esse contributo das empresas, assegura Rogério Colaço.

Por isso, o presidente do Técnico pensa numa metáfora quando reflete sobre esta proposta do Governo para reforçar financiamento do ensino superior. “É como aquele filho empreendedor que, para além da mesada dos pais, arranja uns biscates, faz umas entregas, para complementar a mesada. Faz isso sozinho durante muito tempo e lá vai arranjando mais um dinheirinho. Há um dia em que os pais reconhecem isso e dizem ‘parabéns, filho, vamos ajudar-te'”, diz.

Depois de, pela primeira vez em 20 anos, o Governo ter tido a “coragem” de aplicar a fórmula de financiamento do ensino superior, para Rogério Colaço há que haver outro ato de coragem. “Uma vez que teve a coragem de iniciar a aplicação da fórmula de financiamento, o próximo passo deveria ser ter a coragem de discutir as propinas e o congelamento das propinas. O congelamento das propinas é prejudicial para o ensino superior“, considera. No IST a decisão de congelar propinas teve um impacto 1,5 milhões por ano.

Mas não só. Há que dar verdadeira autonomia de gestão às instituições de ensino superior. “As universidades têm gestões, no seio da administração pública e não públicas, bastante eficientes, porque com os subfinanciamentos que têm ao longo de décadas não dão prejuízo, não há casos de corrupção e não há falências. As instituições de ensino superior têm dado suficientes provas ao País que têm maturidade e capacidade de gestão e, portanto, mais do que dinheiro precisamos que o Governo confie em nós e que nos dê autonomia de gestão.

O impacto dos custos de alojamento, a construção de residências — estão a negociar com as autarquias a construção de residências com preços bonificados para estudantes universitários — são outros dos temas abordados.

O governo está a propor que fundos regionais, verbas das autarquias e de instituições privadas contribuam para o financiamento do ensino superior. Faz-lhe sentido?

Antes de responder, deixe-me dar um enquadramento. Este ano, pela primeira vez, o Governo aplica uma fórmula para a distribuição do financiamento diretamente proveniente da dotação do Orçamento de Estado (OE). Essa fórmula estava prevista desde a Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior, de 2003. O Governo fê-lo, pela primeira vez, ao fim de 20 anos, uma medida de louvar porque traz transparência e previsibilidade ao sistema. É uma medida de grande coragem deste Governo, da nossa ministra.

O sistema de ensino superior está subfinanciado, basta dizer que as instituições de ensino superior e as universidades públicas são as únicas instituições públicas em que a dotação do OE não é suficiente para pagar os salários dos seus funcionários, professores e não professores. Não existe mais nenhum caso na Administração Pública. No caso do Técnico, a dotação do OE deste ano cobre cerca de 80% dos salários. Ou seja, o Técnico para funcionar no próximo ano letivo e não só — é assim desde que tenho memória — precisa não só de arranjar financiamento para os 20% dos salários que falta pagar, como para toda a despesa fixa corrente restante, para as despesas de investimento, em instalações, laboratórios, equipamentos. Esta é a medida do subfinanciamento do ensino superior.

Foi anunciado um reforço no próximo ano de 138 milhões.

80% (dos custos) é já para os 138 milhões. Antes era inferior a 75%.

O problema mantém-se, é o que está a dizer.

Não queria subvalorizar o esforço feito pelo Governo, pela tutela para compensar a universidade dos custos da inflação, do aumento dos salários da Função Pública. Estes 138 milhões ajudaram a compensar, mas não resolvem o problema do subfinanciamento. O esforço que o Governo está a fazer é de louvar, mas não é suficiente. É preciso encontrar formas alternativas de compensar este subfinanciamento. O que tem vindo a ser anunciado pelo Governo são medidas de envolver os programas regionais, as empresas e as autarquias no financiamento do ensino superior. Porquê no ensino superior? Porque a qualificação do país é uma das formas de criar mais-valias, emprego qualificado, valor acrescentado, aumentar o PIB. É preciso que todos estes agentes externos contribuam para a solução deste problema. Todos estes agentes, incluindo universidades.

Os nossos parceiros empresariais “têm já um peso muito grande na nossa capacidade de resposta anual à melhoria das condições que damos aos nossos estudantes. O Técnico Innovation Center não teria sido feito sem os nossos parceiros.

O Conselho de Reitores considera proposta não “exequível” e o Conselho Coordenador dos Politécnicos que terá “forte dificuldades na sua aplicação”. Parece ter uma posição diferente.

O Conselho de Reitores e o Conselho dos Politécnicos diz o que é factual: o sistema está subfinanciado e continua a ser apesar deste aumento. O que digo, é que essa constatação que aumenta a pressão, e bem, sobre o Governo não permite resolver todos os problemas. Enquanto presidente do Instituto Superior Técnico (IST), não posso limitar-me a anunciar que o financiamento não é suficiente para pagar todos os salários e ficar sentado à espera. Sou presidente de uma instituição que tem obrigações, despesas fixas, mas também um compromisso para com a sociedade, que é formar engenheiros, cientistas, matemáticos, físicos. Para fazer isso, preciso de trabalhar a minha capacidade de aumentar as minhas receitas próprias conjuntamente com as empresas — que precisam dos meus alunos — e com a sociedade, dizendo ‘estudar no IST, é uma mais valia para os vossos filhos, para as vossas famílias e no que poderem contribuir, o Técnico está disponível para receber’, devolvendo na formação que dá às pessoas que por aqui passam.

O Técnico tem mais de 20 parceiros empresariais. Com essas empresas poderia encontrar a forma de executar o modelo proposto pelo Governo? Estariam disponíveis?

A rede da rede de parceiros é, neste momento, um instrumento fundamental de alavancagem daquilo que podemos fazer. Temos 25 empresas que confiam e investem no Técnico para terem acesso ao talento e para ajudar a melhorar a qualificação desse talento. Estas empresas, têm-nos ajudado a requalificar os nossos laboratórios, que utilizamos para formar as pessoas que vão para essas empresas e para outras, valorizando o nosso tecido económico. No momento que vivemos, e em que não temos perspetiva de uma grande mudança na estrutura económica do País, este é o caminho que a Universidade deve seguir se quiser ambicionar a dar melhores condições aos seus estudantes.

Qual é o peso do contributo das empresas no orçamento?

A despesa fixa corrente do Técnico em 2023 são cerca de 85 milhões euros. O nosso orçamento total em 2023 ronda os 100 milhões. Temos uma folga de cerca de 15 milhões que nos permite fazer tudo o que é o investimento na nossa infraestrutura, aquisição de materiais de consumíveis de laboratório, a reparação de equipamentos e a requalificação de salas de aula. Tipicamente a nossa folga para fazer face às despesas correntes, mas não fixas, são cerca de 15% do orçamento. Neste momento, 20 a 25% desta folga é proveniente dos nossos parceiros empresariais. Têm já um peso muito grande na nossa capacidade de resposta anual à melhoria das condições que damos aos nossos estudantes. O Técnico Innovation Center não teria sido feito sem os nossos parceiros.

Um artigo do Diário de Notícias apontava que a Fidelidade, parceiro empresarial, teria contribuído com 15% sobre o valor da obra, orçada em 12 milhões. É este tipo de parcerias que julga fazer sentido serem replicadas por outras universidades?

O Técnico Innovation Center foi totalmente construído sem um cêntimo da dotação do OE. Primeiro, não foi construído pelo IST, instituição pública de ensino superior, mas por uma associação privada sem fins lucrativos satélite do IST, a Associação para o Desenvolvimento do Instituto Superior Técnico. O financiamento para a construção veio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR LVT), que financiou em 40%, da Fidelidade que deu um financiamento muito significativo, de um conjunto de receitas próprias e de doações feitas pela nossa rede de antigos alunos, e de um empréstimo bancário com condições favoráveis. O Técnico Innovation Center — vai ser inaugurado no dia 18 de outubro — será uma estrutura que está ao serviço do Técnico, da Universidade de Lisboa, da cidade de Lisboa e do País, totalmente construída sem financiamento da dotação do OE. Temos de encontrar outros mecanismos de financiamento se queremos desenvolver as nossas instituições de ensino superior para além do financiamento do OE.

Notícias de que o Governo considera que se tem de arranjar novas fontes de financiamento, podem ter duas leituras. A menos benéfica é a de que o Governo está a desresponsabilizar-se da sua obrigação. Não faço essa leitura. (…) Usando uma metáfora muito simples é como aquele filho empreendedor que, para além da mesada dos pais, arranja uns biscates, faz umas entregas, para complementar a mesada. Faz isso sozinho durante muito tempo e lá vai arranjando mais um dinheirinho. Há um dia em que os pais reconhecem isso e dizem ‘parabéns, filho, vamos ajudar-te’.

O Técnico é uma instituição conceituada, outras instituições de ensino terão essa capacidade de chegar à sociedade civil? Avançando esse modelo proposto pelo Governo não será mais uma forma de justificar o subfinanciamento do ensino superior?

Este modelo não é uma inovação. Quase todas as universidades públicas americanas têm o seu sistema de fundraising, na Europa é menos frequente, mas há algumas décadas vários casos de sucesso na França, na Suíça, na Inglaterra. Em Portugal não é assim tão comum, sobretudo, de forma assumida, mas existe há vários anos e não só no Técnico. Um dos exemplos mais conhecidos é a NOVA SBE que construiu um campus em Carcavelos num modelo muito semelhante a este do Técnico Innovation Center. Há muitos anos que a maioria das instituições de ensino superior nacionais têm um orçamento total muito superior ao proveniente do OE. Tem acontecido de forma natural.

Notícias de que o Governo considera que se tem de arranjar novas fontes de financiamento, podem ter duas leituras. A menos benéfica é a de que o Governo está a desresponsabilizar-se da sua obrigação. Não faço essa leitura. A que faço é que, finalmente, o Governo está a ajudar as universidades naquilo que têm feito sozinhas, tentar encontrar complementos ao seu financiamento da dotação do OE. Usando uma metáfora muito simples é como aquele filho empreendedor que, para além da mesada dos pais, arranja uns biscates, faz umas entregas, para complementar a mesada. Faz isso sozinho durante muito tempo e lá vai arranjando mais um dinheirinho. Há um dia em que os pais reconhecem isso e dizem ‘parabéns, filho, vamos ajudar-te’. Tenderia, neste momento, em que não se sabe muito mais do que as notícias que têm vindo a público, a fazer essa leitura.

Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, em entrevista ao ECO - 11AGO23
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

No início do ano houve discutiu-se no Parlamento o fim das propinas — foi chumbado –, a OCDE propôs um modelo de pagamento com base em rendimentos. Tem dito que congelar propinas não é bom para o sistema de ensino, nem fomenta o seu acesso. Foram congeladas. Que impacto teve no Técnico? Não é altura de se discutir o tema das propinas a fundo?

As propinas decorrem da Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior que diz que o ensino superior é financiado de três formas: financiamento diretamente proveniente do OE; financiamento de contratos de programa estabelecidos com o Estado ou com outras entidades públicas; e daqueles que usufruem da formação, as propinas.

Podemos discutir se é justo as famílias ou os estudantes de instituições superiores públicas pagarem pela sua formação superior. Não vou dizer a minha opinião pessoal, não é relevante. As propinas do ensino superior no montante em que estão neste momento, menos de 1.000 euros, não é um fator limitador para todas as famílias. Introduzimos desigualdade quando dizemos que nenhuma família paga frequência no ensino superior, porque as que podem e vão usufruir do benefício não pagam e alguém paga por essas famílias. Quem? Todos os contribuintes, incluindo aqueles que optaram, no final do 12.º ano por ir trabalhar e não beneficiar do ensino superior. Portanto, quando se fala de propinas como injustiça social, temos que fazer uma avaliação cuidada.

O congelamento das propinas é uma medida que permite ao Governo não falar de um assunto polémico. Assim que se usa a palavra propina, a conversa tende logo a ficar irracional, mas isso não pode servir de desculpa para manter o sistema totalmente desregulado como está neste momento.

Uma coisa um bocadinho diferente é a decisão que o Governo tomou há dois anos — e essa não posso concordar e manifestei o meu desacordo publicamente, ao meu Reitor, à ministra e ao secretário de Estado do Ensino Superior — do congelamento das propinas. É a desregulação total do sistema. Com as propinas congeladas, o que assistimos é instituições de ensino superior públicas em que umas por um mestrado na área X cobram 12.000 euros de propinas e outras, como o IST, no mestrado na área Y, até têm custos de formação maiores, cobram 820 euros. Isto seguramente não está correto. O congelamento das propinas é uma medida que permite ao Governo não falar de um assunto polémico. Assim que se usa a palavra propina, a conversa tende logo a ficar irracional, mas isso não pode servir de desculpa para manter o sistema totalmente desregulado como está neste momento.

No Técnico que impacto teve esse congelamento?

O impacto do congelamento no IST foram 2.5 milhões de euros por ano.

Das discussões em torno do financiamento, imagino que seja um dos temas, há alguma indicação do que poderá advir?

Neste momento está a congelado, não pode estar mais congelado do que está. O que posso e tenho de fazer é um apelo à nossa tutela para discutir isso. Uma vez que teve a coragem de iniciar a aplicação da fórmula de financiamento, o próximo passo deveria ser ter a coragem de discutir as propinas e o congelamento das propinas. O congelamento das propinas é prejudicial para o ensino superior, mesmo porque causa uma competição espúria. Dando um exemplo. Um mestrado em Informática na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Lisboa custa 1.250 euros de propinas, no IST custa 820 euros. Uma vez que as universidades são muito perto umas das outras, temos o receio da deslocalização de alunos. Nenhum estudante com talento pode ficar fora do ensino superior se não tiver capacidade de pagar as propinas ou, mais do que as propinas, de pagar outros custos, nomeadamente os de alojamento que, em Lisboa, são absolutamente proibitivos. Mas aí temos que ver se o financiamento dos serviços de Ação Social e o apoio às bolsas aos alunos necessitados e aos alunos excluídos; se a Ação Social chega também a pessoas com dificuldades não cobertas. Ninguém pode ficar de fora do ensino superior por não ter capacidade financeira de o frequentar. Uma pequena economia aberta como Portugal a única coisa que não pode fazer é desperdiçar talento. Não podemos ter pessoas fora da formação superior por questões financeiras, mas isso não está diretamente relacionado com o valor das propinas.

A OCDE fez uma proposta no sentido de se alterar o modelo de pagamento. Falou há pouco de ‘justiça social’ por alguém pagar por uma formação que não usufrui. Nesse caso, devo pagar de acordo com os rendimentos?

A Itália tem esse mecanismo de pagamento progressivo das propinas. Conheço relativamente bem o sistema italiano e, do meu ponto de vista, é bastante complexo de aplicar no terreno. Uma instituição com 40.000 ou 50.000 alunos a fazer a triagem das declarações de rendimentos, depois dos casos excecionais… É mais simples aplicar a propina única e depois a compensação com bolsas de ação social — baseadas nos rendimentos do ano passado — ou de emergência social, para acudir a quem tem uma situação de emergência financeira. É um meio mais expedito e talvez até com maior justiça.

Uma pequena economia aberta como Portugal a única coisa que não pode fazer é desperdiçar talento. Não podemos ter pessoas fora da formação superiores por questões financeiras, mas isso não está diretamente relacionado com o valor das propinas.

Em julho foi notícia que havia uma dívida de 60 milhões em propinas dos alunos às universidades e politécnicos. É uma realidade no Técnico?

Nesses 60 milhões existem coisas bastante diferentes. Nas instituições públicas de ensino superior a propina constitui-se como dívida no início do ano letivo, a lei obriga a fazer o registo dessa forma. Um montante significativo dessa dívida (dos 60 milhões) resulta de situações em que as pessoas se inscrevem num curso no início do ano e depois, por razões diversas, desistem de estudar e não pagam a propina constituída como dívida. Depois há um conjunto que, no Técnico é significativamente menor, de dívidas de propinas de pessoas que se mantêm como estudantes e não conseguem pagar.

Quando diz “significativamente menor” falamos de que dimensão?

Diria que 80% são estas dívidas que não são reais, no sentido que a pessoa saiu da escola, e 20% dívidas de estudantes que continuam a frequentar o Técnico e não têm capacidade de fazer o pagamento. Estes 20% são os que nos preocupamos. Nos últimos quatro anos, temos talvez 150 bolsas de doadores que dão dinheiro para permitir a estas pessoas pagar a sua dívida de propinas e se manter a frequentar. Os estudantes que deixam de frequentar o Técnico por dívida de propinas é um valor muito residual.

A palavra propina é um grande atrator. Tudo o que são dificuldades de frequência no ensino superior tendemos a concentrar na propina. Mas nos outros 80%, há muitas situações de pessoas que saem porque não conseguem suportar os custos de vida, dos quartos, das habitações, 10 a 15 vezes superiores ao valor da propina em cursos de engenharia na cidade de Lisboa.

A curto prazo a construção de residências mitiga o problema, mas é uma proporção baixa face às necessidades. Não tenho nenhuma solução para isto. Sei que a Câmara de Lisboa e das regiões limítrofes estão atentas e disponíveis a tentarmos estabelecer protocolos, no sentido de criar condições de alojamento local a preços bonificados para estudantes universitários.

No último ano e meio, com a inflação e os custos da habitação, têm sentido mais abandono por questões económicas?

Todos os anos fazemos o estudo do abandono externo, isto é, o estudante que num ano está num curso e no outro, não tendo concluído esse curso, não está no Técnico. Não teve, curiosamente, uma grande flutuação (em relação à Covid), talvez até tenha reduzido um bocadinho. É ligeiramente inferior a 10% e compara com as taxas de abandono normais em outras instituições de ensino superior estrangeiras. É muito difícil nestes 10% de abandono perceber quais as razões. Primeiro, porque é difícil de contactar a pessoa e segundo há uma vergonha associada às dificuldades financeiras. Temos visto isso nos nossos estudantes que se mantêm. Temos bolsas para oferecer da nossa rede alumnae e é difícil identificar os alunos que necessitam.

A Universidade de Lisboa, do qual o IST faz parte, tem 20 residências, 14 para estudantes, com um total de 1.300 camas. Parece manifestamente pouco. O que é que a universidade está a fazer para responder às necessidades de alojamento dos estudantes?

O que existe é manifestamente insuficiente. A Universidade de Lisboa está a acabar de construir uma residência na Cidade Universitária, por trás da Biblioteca Nacional, mais 300 ou 400 camas, tem mais três em construção. Mas, no final do dia, resultará em cerca de 2.000 camas para quase 50.000 estudantes da Universidade de Lisboa. No caso do Técnico, nas residências que estão adstritas, temos 370 ou 380 camas para 12.000 estudantes.

Alugar quartos e casas em Lisboa não é impeditivo, mas começa a ter impacto mesmo em famílias em que antes não tinha. Uma família de classe média que não seja de Lisboa e que tenha dois filhos a estudar em Lisboa, o impacto no orçamento familiar, sobretudo o alojamento, é muito significativo. A curto prazo a construção de residências mitiga o problema, mas é uma proporção baixa face às necessidades. Não tenho nenhuma solução para isto. Sei que a Câmara de Lisboa e das regiões limítrofes estão atentas e disponíveis a tentarmos estabelecer protocolos, no sentido de criar condições de alojamento local a preços bonificados para estudantes universitários. Poderá ser uma maneira de aumentar a oferta, nomeadamente nas instituições.

Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, em entrevista ao ECO - 11AGO23
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, em entrevista ao ECOHugo Amaral/ECO

Já está a acontecer, está a ser discutido? Com a Câmara de Lisboa, por exemplo?

As autarquias são das entidades que mais valorizam terem ensino superior nas suas regiões e, portanto, têm muita disponibilidade — tenho sentido isso enquanto presidente do Técnico — para encontrar soluções que fixem as instituições de ensino superior e os estudantes. Os estudantes trazem valor ao território, nas suas regiões. É uma questão que não é fácil de resolver e que, neste momento, é talvez, o maior desafio que as universidades têm é a de criar condições mais abrangentes para permitir aos estudantes deslocados terem acesso a residências.

A Universidade de Lisboa está (a negociar), nomeadamente, com a Câmara de Lisboa. Temos uma residência, frente ao Técnico, que está a acabar de ser construída pela Câmara Municipal de Lisboa, que temos protocolo para ser uma residência estudantil. É preciso continuar a desenvolver esforços em Lisboa, mas também nas câmaras limítrofes que podem oferecer também soluções. Em Oeiras temos estado em conversações para se tentar fazer mais uma residência, e mais uma oferta de camas no nosso campus no Tagus Park.

As universidades têm gestões, no seio da administração pública e não públicas, bastante eficientes, porque com os subfinanciamentos que têm ao longo de décadas não dão prejuízo, não há casos de corrupção e não há falências. As instituições de ensino superior têm dado suficientes provas ao País que têm maturidade e capacidade de gestão e, portanto, mais do que dinheiro precisamos que o Governo confie em nós e que nos dê autonomia de gestão.

Quando é suposto abrir essa residência frente ao Técnico?

Já no início deste ano letivo, em setembro, ainda não está em condições, mas deverá abrir no início de 2024. Está em fase de acabamento.

Neste ano letivo, aumentaram o número de vagas nos cursos com maior procura?

Temos sempre aumentado as nossas vagas nos nossos cursos de maior maior procura, nos que têm a nota mínima de seleção mais elevada e nos que têm um índice de qualidade de procura superior a dois, isto é, que têm duas vezes mais candidatos na primeira opção do que as vagas que temos. Temos seis cursos nessas condições: Física Tecnológica, Engenharia Biomédica, Matemática Aplicada em Computação, Gestão Industrial e Engenharia Aeroespacial. Neste momento, estamos muito no limite da nossa capacidade de resposta. É preciso confiar mais na universidade e dar mais autonomia de decisão e de gestão à universidade. O que quero dizer com isto? A Lei do Orçamento de Estado implica que os aumentos da massa salarial com novas contratações de professores não possam ser superiores a 3% do ano anterior. Se quisermos aumentar as vagas, precisamos de contratar mais professores. As universidades têm gestões, no seio da administração pública e não públicas, bastante eficientes, porque com os subfinanciamentos que têm ao longo de décadas não dão prejuízo, não há casos de corrupção e não há falências. As instituições de ensino superior têm dado suficientes provas ao País que têm maturidade e capacidade de gestão e, portanto, mais do que dinheiro precisamos que o Governo confie em nós e que nos dê autonomia de gestão.

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