O Banco de Portugal pôs as Fintech no plano estratégico para 2017-2020 e tem uma atitude de abertura, afirma o administrador. Em 2018, vai criar uma porta única de 'entrada' das Fintech.
O Banco de Portugal pôs as Fintech – as startup financeiras de base tecnológica – no programa de atividades 2017-2020. É uma das prioridades, agora que está ultrapassada a pior fase do sistema financeiro, as resoluções bancárias e a sua estabilização. Na semana do Web Summit, Hélder Rosalino, administrador do banco central com o pelouro das Fintech, explica em entrevista o que está em causa e quais são os objetivos. Um deles, para 2018, passa por criar uma porta de entrada única das Fintech no contacto com o Banco de Portugal, “para compreender os players e para lhes poder prestar serviços mais alinhados”.
Qual é o ponto de partida para as empresas financeiras de base tecnológica na perspetiva dos reguladores?
Em primeiro lugar, é preciso fazer o enquadramento ao nível europeu. Este tema das Fintech e do digital banking está na agenda, quer da Comissão Europeia, que tem feito questionários sobre o tema e estudos, está na agenda da EBA, está menos, mas está na agenda do BCE. Mas o que se tem sentido, e eu tive a oportunidade há um mês de ter reuniões em Bruxelas sobre isso, é a ideia do “wait and see”…
Ou seja…
Estamos a ver uma dinâmica das Fintech, mas são startups e ainda não têm uma dimensão muito relevante, ainda não estamos perante um risco para a estabilidade financeira, um problema em matéria de proteção dos consumidores. Portanto, há um entendimento {europeu] de que não é desejável uma intervenção prematura porque pode prejudicar a inovação e os novos ‘entrantes’, vital para o setor financeiro, e a Europa está atrasada em relação aos EUA. Por outro lado, as autoridades europeias reconhecem que não podem ficar indiferentes em relação aos movimentos que estão a acontecer e que prometem uma disrupção de tal ordem que não podem pôr-se na posição de que este é um tema que lhes passa ao lado.
O que está a ser feito em termos europeus?
Foram criados grupos de trabalho, quer na Autoridade Bancária Europeia (EBA), quer no Single Supervisory Mechanism (SSM ou MUS na versão portuguesa), a Comissão Europeia está a analisar os resultados de um questionário europeu que teve 226 respostas, mas a abordagem é ainda relativamente ‘soft’, porque [estas entidades] não querem precipitar-se em criar mecanismos e regulamentos limitadores da inovação no setor financeiro.
Os bancos começam também a mostrar incómodo perante a entrada de novos players sem haver um quadro regulamentar europeu…
Nervosismo… os bancos estão a ficar preocupados, mas os bancos vão passar por várias fases, em primeiro lugar a fase da indiferença, depois a fase da irritação e, finalmente, vão passar para outra fase, em que percebem eles próprios que as Fintech vieram para ficar e têm de as entender como entidades que podem complementar a sua atividade e também serão seus concorrentes.
E em Portugal, o que está a ser feito?
Ainda antes disso, é importante assinalar uma intervenção legislativa europeia que vai ser relevante para as Fintech, é a transposição da diretiva europeia PSD2, a diretiva dos serviços de pagamentos revista, que deverá entrar em vigor no dia 13 de janeiro de 2018. Porquê? A área principal de atuação das Fintech é a área dos pagamentos, ou seja, as Fintech cobrem muitas áreas, mas cerca de 50% estão na área dos pagamentos. Depois, há outras como o crowdfunding, o peer-to-peer lending, o machine learning, mas sobretudo os pagamentos, porque é aqui que está a receita. E, reconhecendo isso, a diretiva revista dos pagamentos vem adaptar-se a nova realidade e traz oportunidades significativas para as Fintech.
Os bancos estão a ficar preocupados, mas os bancos vão passar por várias fases, em primeiro lugar a fase da indiferença, depois a fase da irritação e, finalmente, vão passar para outra fase, em que percebem eles próprios que as Fintech vieram para ficar.
Em que sentido?
A diretiva revista vem enquadrar dois novos serviços: os serviços de informação sobre contas e os serviços de iniciação de pagamentos. O que são estes serviços? Sobretudo no primeiro caso, permitem que uma terceira entidade, um prestador de serviços que não é um banco, possa intermediar a relação com uma instituição financeira, acedendo às contas, obtendo informações sobre as contas dos clientes. Estes serviços são altamente inovadores e esta diretiva vem permitir que uma Fintech disponibilize uma solução tecnológica que ajude um cliente a gerir a relação com um banco, que consolide as contas e a situação financeira de um cliente, a gestão do orçamento, os pagamentos… Pode criar um conjunto de serviços de valor acrescentado, prestado por uma terceira entidade, para particulares e até para empresas.
E no caso dos serviços de iniciação de pagamentos, o que está em causa?
Um cliente, quando se dirige a uma loja, a um qualquer prestador de serviços como a Fnac ou a Worten, dá autorização para que possa, ele próprio, iniciar o respetivo pagamento. Pode autorizar que aquele prestador de serviços faça pagamentos por si, entrando na conta, sem necessidade de marcar um código ou de fazer um pagamento por multibanco. Ou seja, “pode iniciar pagamentos em nome do utilizador de forma cómoda e célere sem que este tenha de sair do site do comerciante ao qual está a adquirir um produto ou serviço”. E nós [Banco de Portugal], no PayChallenge – uma conferência que decorre esta segunda-feira à tarde em Lisboa – lançámos um desafio às startups para desenvolverem protótipos de serviços nestas duas áreas.
Como é que esta diretiva vai ser transposta para Portugal, em que condições?
O Banco e Portugal, a pedido do Ministério das Finanças, entregou no final de outubro uma proposta de transposição da diretiva europeia, depois de uma consulta pública e de uma discussão com os bancos. E tivemos, creio que a possa classificar assim, uma atitude de abertura em relação às Fintech. As opções nos diversos domínios colocavam-se entre uma atitude mais protecionista e menos protecionista. Em várias dimensões, tivemos uma avaliação que favorece a inovação, favorece a concorrência e um ambiente de flexibilidade e competitividade no nosso sistema de pagamentos, que é a área tratada neste diretiva. Em cada país, a realidade das Fintech pode ser vista em níveis diferentes… Nós temos seguido este tema ao longo dos últimos anos, mas temos de dizer…
…que não foi uma prioridade?
Exato, não tem sido uma prioridade, porque o país e o Banco de Portugal enfrentaram desafios em relação ao sistema financeiro muito complicados e, portanto, todos os esforços eram poucos para nos concentrarmos nesses temas. Mas não deixamos de seguir o assunto, participamos em grupos de trabalho internacionais, fizemos um estudo em 2014 e 2015 sobre as criptomoedas e publicamos alguns avisos… O Banco de Portugal seguiu este tema, mas não o colocou no topo da agenda, até agora. As Fintech e a banca digital fazem parte central do plano estratégico do Banco de Portugal 2017-2020, temos de seguir este tema, temos de ter uma estratégia e temos que estar próximo do setor. São as três dimensões fundamentais e por isso foi criado um grupo de trabalho que produziu um relatório apresentado em abril, uma análise muito completa sobre as Fintech e a banca digital e o caminho a seguir. Essa análise passa por perceber as dimensões de impacto das Fintech para as responsabilidades do Banco de Portugal e passa também pela nossa própria organização em relação ao tema.
Isso quer dizer o quê?
Parece simples, mas é complexo. O Banco de Portugal tem múltiplos departamentos a acompanhar o setor bancário e o tema das Fintech impacta com a estabilidade financeira, com a supervisão prudencial e os modelos de negócio dos bancos, com a supervisão comportamental, até da condução da própria política monetária, o tópico, aliás, que mais preocupa os bancos centrais apesar de ser o mais longínquo. Mas também com as questões sancionatórias, porque, no limite, estas Fintech podem facilitar o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Por exemplo, uma das principais preocupações que as critptomoedas trazem é a possibilidade de se fazerem pagamentos fora do circuito financeiro. Andamos a reforçar cada vez mais as regras de prevenção do branqueamento de capitais, as pessoas politicamente expostas, um rendilhado quase kafkiano para os bancos que têm de fazer um esforço enorme de preparação das suas estruturas de compliance para responder às exigências cada vez maiores.
O nosso plano para 2018 também passa por aí, por criar uma porta de entrada única para as Fintech acederem ao Banco de Portugal, para compreender os players e para lhes poder prestar serviços mais alinhados.
Mas, o que é que o Banco de Portugal já fez?
Foi criado um grupo de trabalho permanente debaixo de uma estrutura que já existe, a Comissão Especializada para o Sistema e Estabilidade Financeiro, que tem representantes dos vários departamentos do Banco de Portugal e que eu próprio coordeno. Estamos a fazer agora debates internos e reflexões internas sobre o impacto das Fintech. Em simultâneo, estamos a abordar os interlocutores…
Está a falar com as Fintech?
Sim, uma das grandes iniciativas que vamos fazer é a conferência Pay Challenge, em parceria com a Cionet, para o qual convidamos as Fintech a participarem. Identificamos um conjunto de interlocutores chave, já tivemos uma reunião com o CEO da Easypay, Sebastião Lancastre, já há um conjunto de outras reuniões agendadas, queremos perceber o sentimento em relação ao banco e a primeira interação foi muito esclarecedora…
A avaliação das Fintech é a de que o Banco de Portugal não olha para este tema.
Sim, mas ficam surpreendidos com a nova dinâmica do Banco de Portugal e a aproximação a este setor, a promoção de eventos. Estão a perceber que o Banco de Portugal está a olhar para as Fintech, queremos fazer os Fintech Meetings no próximo ano. Também já estivemos em reunião com a secretária de Estado da Indústria, Ana Lehmann, e queremos desenvolver iniciativas conjuntas. No fundo, é aquilo que estão a fazer alguns bancos centrais que têm mais iniciativa nesta área.
Qual é a banco central de referência?
O Banco Central da Holanda é o que está à frente, criou um ‘Inovation Hub’, uma ‘sandbox’ que, basicamente, o que faz é levar estas Fintech para dentro do banco central e apoiá-los na abordagem à inovação tendo em conta os requisitos que existem. Neste trabalho que desenvolvemos, identificamos também o Banco de Inglaterra, criou um Fintech Accelerator, mas que não serve de comparação, porque têm a ‘City’ e querem ter o mercado financeiro, e não estão na zona euro e vão sair da União Europeia. O Banco da Holanda é o que está mais desenvolvido, mas há outros dois relevantes. O Banco de Espanha criou um grupo interno para avaliar os riscos internos associados às Fintech, nomeadamente de estabilidade financeira, que é basicamente o que nós já fizemos. O Banco de França fez uma coisa um pouco mais interessante, criou um ponto único de entrada das Fintech.
Qual é a vantagem desse modelo?
Hoje, o que é que acontece? As solicitações das Fintech aparecem por todos os departamentos. Precisam de se relacionar com o Departamento de Supervisão Prudencial para terem uma autorização, depois, relacionam-se com o Departamento de Supervisão Comportamental porque querem disponibilizar um serviço, mas depois precisam de falar com Departamento de Pagamentos. Portanto, o nosso plano para 2018 também passa por aí, por criar uma porta de entrada única, compreender os players para lhes poder prestar serviços mais alinhados. O que o Banco de França fez também foi um Fintech Fórum. Nós, no Banco de Portugal, estamos também a preparar uma grande conferência de pagamentos, em que envolvemos os bancos e as fintech. E queremos fazer outras iniciativas como a que fizemos com o ECO em abril deste ano [conferência New Money], em que sentamos os bancos e os novos ‘entrantes’, para criar um ambiente de partilha e de reflexão.
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