O Instituto Português de Corporate Governance quer alargar o espetro de empresas que monitoriza, que para já inclui sobretudo as cotadas do PSI. As empresas públicas estão na mira.
O presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), João Moreira Rato, acredita que o caráter voluntário e interativo do acompanhamento que o IPCG faz às empresas, para que estas melhorem as práticas de governança, permite uma maior adoção das recomendações. Realça que, depois de criados os mecanismos formais, é importante que as recomendações sejam de facto postas em prática, e num universo cada vez maior: está em conversações para alargar o número de empresas monitorizadas e espera vir a incluir empresas públicas.
Quais as empresas que são monitorizadas pelo IPCG e quais são os perfis?
Neste momento monitorizamos 36. Todas elas ou estão no PSI, ou são emitentes, ou têm valores mobiliários cotados. 35 são emitentes e há uma, que é a Caixa Geral de Depósitos, que voluntariamente decidiu prestar-se a este exercício. Outra questão que é importante de realçar: no futuro, gostávamos de atrair mais empresas para que elas voluntariamente aderissem ao código. Portanto, nós temos ativamente falado com empresas para as incentivar a aderirem ao código, para alargar este espetro.
Mas fora do universo de emitentes?
Sim. Inclusivamente empresas públicas. Podem criar algumas dificuldades, porque, por razões óbvias, as empresas públicas não podem cumprir todas as recomendações, porque
têm limitações, mesmo em termos de governança. Há muitas questões em que as empresas públicas têm a sua própria governança, que tem a ver com a forma como o Estado é proprietário e exerce a sua propriedade. Isto cria limitações à adoção do código, o que não quer dizer que não haja uma boa parte do código que elas não possam adotar.
Mas com que empresas, mais especificamente, estão em conversações para que sejam monitorizadas?
Muitas dessas conversas estão ligadas a outra das funções do IPCG, que é a parte da formação. O IPCG tem participado em algumas formações em governança corporativa, e
algumas das empresas que participam tendem a evoluir para serem monitorizadas. Ou seja, são empresas que têm um interesse específico em governança corporativa. Temos
todo o interesse em abordar, por exemplo, a Direção-Geral do Tesouro ou o Ministério das Finanças, para tentar alargar o escopo da nossa atuação para o setor público empresarial.
Há vantagens para as empresas públicas em se aproximarem, em certas áreas, das empresas privadas.
Então, essas empresas com quem estão a falar são essencialmente privados ou públicos, que já tinham as vossas formações.
Sim, mas ainda estão em processo de decisão.
Mas faz sentido haver uma diferença entre a governança das empresas públicas e a governança das empresas privadas?
Eu acho que podem haver algumas diferenças, porque as empresas públicas são públicas porque têm outros objetivos além dos objetivos normais da empresa privada. Podem
ter objetivos com um cariz político. Daí elas serem tuteladas pelo Ministério das Finanças e pelo ministério do setor. Mesmo em termos de escrutínio, têm um escrutínio diferente, que tem muito a ver com o escrutínio democrático e o escrutínio parlamentar. Portanto, há diferenças entre o privado e o público. Agora, acho que há vantagens para as empresas públicas em se aproximarem, em certas áreas, das empresas privadas. A existência de órgãos de fiscalização, as funções dos órgãos de fiscalização… Pode trazer vantagens em termos da forma como as empresas públicas são geridas, mesmo em termos da forma como gerem os seus riscos, mas também a forma como desenham a sua estratégia.
Mas faria então sentido ter um código relativamente diferente para as empresas públicas?
Eu penso que a lógica do código é não ser one size fits all. E daí a vantagem de ser voluntário e de ser um código que, de alguma forma, se não obedecer às recomendações, a empresa explica porquê. E isso permite o código abarcar um universo de empresas maior. Nesta última monitorização, 17% das empresas são empresas que não aderiram ao código ou que não foram monitorizadas da última vez.
E o que justifica essa adesão?
Eu penso que houve esta adesão porque o código tem uma boa reputação e uma boa imagem. E, portanto, as empresas querem associar-se ao código. Porque, além de ter uma certa qualidade, o processo de monitorização, como está desenhado, permite às empresas irem melhorando ao longo do tempo. Porque é um processo interativo. As empresas do PSI, que são as empresas que têm sido monitorizadas de forma mais constante ao longo do tempo, têm adotado cada vez mais recomendações, o nível de adoção tem aumentado. Isso, para mim é uma boa imagem do sucesso do código. Em termos de recomendações, não tem havido grande evolução no nível de adoção, mas porque entram novas empresas que estão mais atrás.
Mas têm algum objetivo em termos do alargamento do número de empresas que vão ser monitorizadas?
Como é voluntário é difícil ter um objetivo. Gostávamos de trazer mais empresas mas, por exemplo, para uma PME é difícil adotar o código como ele está, porque as recomendações são provavelmente muito ambiciosas para a estrutura das PME. O código permite sair do one size fits all, mas também não demasiado. Se nós tivéssemos 100% de taxa de adoção, dava-nos dois sinais: ou as empresas eram espetaculares ou o código era pouco exigente. O código também desempenha um papel aspiracional, mas se as empresas têm um ponto de partida muito mais baixo, faz sentido olharem para versões simplificadas dos princípios que estão por detrás do código. E começar o caminho de outra forma. Daí a colaboração que temos com o Business Roundtable, de forma a disseminar as melhores práticas de governança corporativa também pelas PME.
Considera aceitável a taxa de acolhimento das recomendações atual? Isto porque estamos a falar no geral de empresas grandes, com recursos. É justificável que ainda não tenham uma taxa superior?
Eu gostava aqui de enfatizar a evolução que tem acontecido. Quando o código apareceu em 2018, e até o código da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em 2013, a governança das empresas estava num estado muito mais primitivo do que está agora. Portanto, o próprio código também tem ajudado, o anterior a este, a uma evolução da governança dentro do grupo das maiores empresas portuguesas, o que eu acho que é positivo. Agora, é engraçado observar que as recomendações que são mais acolhidas são as que de alguma forma são mais nucleares. São as bases do sistema. Têm a ver com a divulgação de informação, com a elaboração de atas das reuniões do órgão de administração e a fixação das remunerações por comissão… Ou seja, isto são quase os building blocks da governança corporativa. As que são menos acolhidas têm a ver com a forma como selecionam os independentes, a forma como esses independentes se organizam, se existe um coordenador dos independentes ou não independentes, o papel da comissão de fiscalização — se a comissão de fiscalização é chamada para opinar sobre a estratégia da empresa — ou seja, recomendações que são importantes, mas que são evolutivas em relação às que são mais acolhidas.
As empresas portuguesas estão a avançar o suficiente nestas matérias da governança, tendo em conta a premência das mesmas e a capacidade que têm de implementar as melhores práticas?
Eu penso que sim. Este exercício de monitorização é baseado na informação pública. Portanto, é importante que, além de avançarem na formalização de todos estes processos e da organização do governo societário, as empresas também o ponham em prática. E essa é uma parte que nós não avaliamos aqui. Isso não é função do processo de monitorização. Mas é importante que depois, na prática, muitos destes processos funcionem nas empresas. E até podem existir, em alguns casos, obstáculos culturais a pô-los em prática. Acho que se nota uma evolução, uma formalização de uma boa governança corporativa. O que nós podemos fazer é ter uma postura pedagógica e chamar a atenção para a importância de que a governança corporativa penetre toda a cultura da empresa.
Que recomendações é que considera mais urgente que sejam adotadas e sobre as quais o IPCG, simultaneamente, tem insistido com mais vigor para convencer as empresas à respetiva adoção?
É difícil realçar uma ou outra, mas eu acho que é importante o papel da comissão de fiscalização em termos de se pronunciar sobre políticas de risco e estratégias da empresa. Como acho que também é muito importante a questão da nomeação e da escolha de independentes. Também é importante o papel do coordenador dos independentes quando o chairman não é independente. Para nós, a questão dos independentes é importante por várias razões. O independente desempenha um papel importante não só em questões de partes relacionadas, mas também na representação no board do interesse da empresa, como disse, a longo prazo, que tem a ver com o interesse dos stakeholders. O exemplo típico é: este ano temos inflação alta. Portanto, a atualização dos salários é uma questão importante. Mas os acionistas, estando a olhar mais para os resultados do próximo ano, pode haver alguma pressão para que esses salários não sejam atualizados. Os independentes estão numa posição ideal para avaliar a situação e para pensar assim: a prazo, só continuaremos a crescer e só asseguramos a nossa sustentabilidade se tratarmos os trabalhadores se calhar até melhor do que os outras empresas do setor, acompanhando a subida da inflação com a subida dos salários. E para esse tipo de conversa os independentes estão idealmente posicionados.
Mas há alguma recomendação que vos seja particularmente difícil de passar em termos de pedagogia, por não fazer tanto parte da cultura das empresas ou das suas prioridades?
A questão dos independentes é uma alteração grande na forma como as empresas estão habituadas a trabalhar. As recomendações que mais subiram, e algumas delas que vêm de níveis mais baixos, muitas delas tem a ver também com a questão dos não executivos. O novo código já saiu, e trouxe novidades em termos de sustentabilidade.
Porquê a atenção reforçada a esta componente?
Havia muito pouco no código sobre a sustentabilidade. Isto é o reconhecimento de que é um problema que as empresas têm de levar cada vez mais em consideração, porque esses riscos existem. Estão lá e estão identificados claramente por reguladores e supervisores, e não fazia sentido não estarem considerados explicitamente no código. A direção em que se vai é tornar algumas dessas preocupações mais explícitas, ao nível dos princípios do código. É claro que, de alguma forma, os órgãos de governo têm de olhar mais explicitamente para quais são os seus planos em termos de sustentabilidade, em termos de impacto ambiental e social, e estar mais explicitamente dito no código que faz sentido que esses planos existam e que sejam conhecidos, muito em linha com os relatórios não financeiros. A própria CMVM tem vindo a publicar possíveis modelos de divulgação de informação não financeira.
Então a revisão do código vai beber um pouco daí e das novas diretivas.
O código deve sair de outros códigos de legislação, até de outros países, de outros continentes, de trabalho académico nesta área e de requisitos de investidores específicos. O código pretende, de alguma forma, integrar e atualizar o que hoje em dia se faz nesta área. Pretende-se, de forma independente, avaliar quais são as correntes atuais e integrá-las no código, obviamente sempre em diálogo com as empresas, porque isto é um mecanismo de autorregulação. Isto faz-se passo a passo e a intenção é que a adoção aumente.
"Uma boa governança corporativa formal não é suficiente, como se viu em casos anteriores.”
Esta revisão é mais aprofundada do que outras ou de alguma forma mais disruptiva?
A tendência tem sido para que as alterações sejam graduais. Não vale a pena avançar muito mais rápido do que as empresas estão preparadas, até porque o código é revisto a cada dois anos.
Preferem o método do comply or explain para atuar junto das empresas. Esta abordagem é mais eficaz do que uma abordagem mais sancionatória?
O comply or explain é mais abrangente e adapta-se melhor a este caminho evolutivo que o código tem feito. Porquê? Porque obviamente há a parte legal. Há certas obrigações legais a que os emitentes têm que obedecer. Isto vai para além do legal. Permite-se uma certa flexibilidade e uma certa evolução das empresas. E eu acho que isso é a grande vantagem do comply or explain. A questão que se põe aqui é: se não se cumpre, porque é que não se cumpre. Isso permite uma certa flexibilidade que permite passar além da pura aplicação de leis e permite também dar espaço às empresas para evoluírem. Eu acho que é mais eficaz a entrar na cultura das empresas. Assim há uma parte pedagógica, voluntária, à procura do mútuo interesse. A governança corporativa ajuda a ter uma estratégia mais sólida, controlo de riscos melhores, menos desalinhamento entre a gestão e os acionistas, essa é a principal razão pela qual é criada. Agora, uma boa corporate governance formal não é suficiente, como se viu em casos anteriores. O Banco Espírito Santo…
…Portugal Telecom…
…. sim, na teoria, parecia que a governança corporativa funcionava, mas depois, na prática, não funcionava exatamente como estava formalmente estabelecida.
A forma de trabalhar do IPCG ajuda a que esse gap entre o papel e a realidade seja menor?
Eu espero que sim. Acho que sim. Exatamente porque há toda uma parte pedagógica nisto. Que é a única maneira de o IPCG influenciar. Explicar e explicar. Não é só obrigar, o comply, mas explicar quais são os benefícios do comply. E é importantíssimo o IPCG manter-se uma organização muito aberta. Seja quem for que esteja interessado em governança corporativa, devia vir ter connosco. Estamos abertos a quem seja, de onde venha, para nos ajudar nisto. Estamos todos aqui de qualquer maneira em pro bono. Portanto, nós temos que ser um porto de acolhimento para as boas práticas, para quem queira difundir, participar ou aprofundar as práticas de governança corporativa.
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