Ao ECO, João Alves, líder da EY em Portugal, fala da chegada do digital que está a mudar as empresas e os setores. Também defende o voto eletrónico. E explica o programa Beyond 2017, agora a decorrer.
Os alertas sucedem-se: a transformação digital está aí. Assim como as conferências para a debater. Já no ano passado, a consultora EY em Portugal tinha realizado uma sobre este assunto. A iniciativa correu bem e mereceu repetição este ano. Em entrevista ao ECO, João Alves, diretor-geral da EY Portugal, que tem grandes clientes do setor público e privado, defendeu que este é um assunto que nunca mais vai ter fim. Defendeu ainda a necessidade de se introduzir o voto eletrónico, assumindo que “tem de estar no horizonte a possibilidade de votar numa app em casa”. E explicou, em linhas gerais, o que é o Beyond 2017, que decorre por estes dias.
Como é o Beyond tem ajudado, e como é que pode ajudar, a pôr a transformação digital na agenda das empresas portuguesas?Queremos que seja uma iniciativa continuada no tempo e não uma iniciativa isolada. A ideia é pôr este tema no centro da agenda em Portugal. Isto porque acreditamos que é um assunto que, no ano passado, já víamos como presente e, passado um ano, ainda mais presente está — e mais acelerado. Mais pessoas tomaram consciência da sua presença. Cremos que, sendo um tema tão estruturante, tão presente e tão importante para o futuro do nosso país, tem de ser constantemente discutido e avaliado. Só assim é que o levamos para a frente.
Mas como é que pode ajudar a pôr realmente este tema na agenda das empresas portuguesas, tendo em conta que haverá ainda muitas empresas de menores dimensões que não estarão tão alerta para esta questão?Nós estruturámos esta iniciativa, primeiro, numa vertente setorial. Identificámos empresas de referência nos setores que elegemos como prioritários. São sete. E quisemos trazer para a discussão opinion makers desses setores. Dentro deles, elencámos temas que pensamos que são os temas prioritários dentro. O que queremos com isso é que, primeiro, as empresas vanguardistas neste tema deem a saber. Com a participação destas empresas, as empresas mais pequenas, menos entusiasmadas para o tema, verão por um lado que há já pessoas a fazer e a pensar no tema. Por outro lado, também saberem dessas pessoas que elas próprias estão a ter dificuldades, dúvidas e incertezas. Não é um caminho já talhado. Este ano partimos de um ponto diferente, já com algumas conclusões firmadas, já com a capacidade de medir alguma evolução sobre aquilo que fizemos no ano passado e a onda já tem outro momentum.
E a onda está mais perto.Não sei se alguma vez vamos ter o problema resolvido. É um problema que vai evoluir. Vamos estar cada vez mais cientes, mais envolvidos, mas penso que é uma dinâmica disruptiva que nunca vai ter o seu fim. Vai ser evolutiva. As primeiras duas conferências deste ano foram muitíssimo bem recebidas e participadas: tivemos cerca de 140 pessoas em cada uma delas, o que é ótimo. Estamos a elencar as conclusões e muito entusiasmados com aquilo que saiu de lá.
Falou de algumas incertezas e problemas que esses opinion makers identificam. Pode concretizar a ideia?"Não sei se alguma vez vamos ter o problema resolvido”
São vários. Por exemplo, o futuro de vários setores está incerto. Não quer dizer que os setores estejam a desaparecer. Não. Os negócios estão a mudar e o ritmo da mudança hoje não tem nada a ver com o ritmo de mudança há cinco ou dez anos. É completamente diferente. É lógico que um gestor hoje, seja de que setor for, tem muito menos certezas sobre o seu negócio daqui a dois ou três anos do que tinha há uma década. É incomparável.
A incerteza não é lá muito positiva para um empresário, não é?É desafiante. O mundo dos negócios, sem incertezas, também não existe. É utópico.
Mas estamos a falar de um time frame muito mais curto.Isso é que é o desafiante. Hoje em dia temos as empresas a mudarem. E porquê? Porque o seu meio envolvente está a mudar. O consumidor, a forma como consome, as suas exigências, estão a mudar radicalmente. É alucinante. As empresas estão constantemente a ajustar-se. O que eu tenho verificado em empresas com que trabalhamos é que os planos de negócio que se faziam a cinco anos já não servem para nada.
Qual é o tempo para o qual se trabalha agora? Se cinco anos é longo, faz-se para o semestre? Para o trimestre?Cinco anos é muito. Acho que um a dois anos é um horizonte sensato. Obviamente, depende do setor. Mas falando até por experiência própria da nossa empresa, aquilo que pensávamos que iria ser o mercado há três anos, hoje não é assim. É um mercado diferente. A dinâmica de mudança dos clientes é rapidíssima.
Isso acontece nas empresas com que a EY trabalha. A EY trabalha com empresas de dimensão maior. Tem conhecimento do que se passa nas PME? Há efetivamente algum estado de alerta para a digitalização, ou é uma cosia que lhes passa completamente ao lado?Os planos de negócio que se faziam a cinco anos já não servem para nada.
Eu diria que haverá seguramente um pouco de tudo. Agora, o que eu acho extremamente positivo é, primeiro, as PME — e trabalhamos com algumas boas PME — por ser uma economia muito mais aberta, têm acesso à informação, às oportunidades. As economias já são menos fechadas, menos opacas e menos favoráveis às grandes empresas. Hoje, uma PME tem muito mais condições para competir. O campus está mais nivelado.
O que está a dizer é que a transformação trouxe desafios, mas também trouxe oportunidades.Trouxe oportunidades, evidentemente. E as PME, em vários exemplos, até têm muito mais agilidade para se ajustarem ao dinamismo do que uma grande empresa com shareholders públicos, com governance, com estruturas mais pesadas. Uma PME, por definição, é muito mais ágil.
É correto dizer que há muito mais incentivos à internacionalização, no sentido em que a economia está muito mais global?Absolutamente. Não há barreiras. Hoje só há barreiras se nós as quisermos impor. As pessoas estão em contacto, as empresas estão em contacto, o mercado é aberto, uma grande empresa tem à sua disposição meios digitais iguais aos de uma PME. Penso que o acesso à tecnologia já não é uma barreira à entrada no mercado.
Qual é o setor que considera ter mais resistência à transformação digital?Todos os setores estão a ser fortemente impactados. Por exemplo, o setor automóvel: está numa transformação profunda. E já não estou a falar nos carros elétricos, isso já passou. Estou a falar em mobilidade. Já não é carros, é mobilidade. O setor da saúde é um setor muito interessante, também vai sofrer alterações profundas e talvez seja um dos mais resistentes.
Que perigos é que podem advir dessa resistência?Os perigos para as empresas são evidentes. A transformação, a disrupção, a inovação estão aí. É como se fosse uma onda. Ela vem e vai passar. Quem está em cima dela, está. Quem não está, fica para trás. O risco da negação é muito sério.
O setor público está preparado para essa transformação?O Estado está ciente. Estamos a trabalhar muito com autarquias locais, que têm uma vontade muito grande de avançar nesse sentido. Estamos a falar de smart cities e, dentro das próprias autarquias, há muito espaço para essa evolução. É o contacto com os munícipes, as eleições autárquicas que tivemos há não muito tempo e também as legislativas. Confesso que, para mim, é um bocadinho estranho saber que, num certo dia, tenho de sair de casa, tenho de ir para um sítio que me dizem onde é e tenho de expressar a minha vontade num papel com uma cruzinha. Parece-me um bocadinho do século passado, comparado com tudo o resto que estamos a ver à nossa volta. Tem de estar no horizonte a possibilidade de votar numa app em casa. É evidente.
Como é que se garante a integridade, tendo em conta que um dos riscos da digitalização é precisamente a criminalidade informática?A evolução tem sempre riscos, mas há muita gente competente a trabalhar nas questões da cibersegurança. Mas esse risco não me assusta mais do que, por exemplo, um auto piloto num avião. As coisas têm de ser vistas de forma relativa.
A cibersegurança é um dos riscos mais perenes da transformação digital e a EY, inclusivamente, tem um departamento que presta serviços nessa área. Vimos recentemente a Deloitte a ser alvo de um ciberataque, que afetou algumas grandes contas. Parece que nenhuma empresa está absolutamente imune a um ataque. Enquanto líder da EY em Portugal, isso preocupa-o seriamente? E que medidas é que toma para mitigar o risco?Tem de estar no horizonte a possibilidade de votar numa app em casa
Genericamente, nenhuma empresa está imune a isto. Aliás, já ouvi dizer que não é uma questão de se acontecer, é quando.
Diz-se que há dois tipos de empresas: as que já foram atacadas e as que não sabem que foram atacadas.Sim, há várias observações dessa natureza. Quem anda à chuva está sujeito a molhar-se, não é? Num mundo atual da tecnologia, é óbvio que isso é um risco e é um risco sério. Mas, como penso que todas as empresas responsáveis estão a tomar medidas de proteção nesse sentido, há também, assim como hackers muito eficazes, planos de contingência muito eficazes. Temos pessoas dedicadas a isso sempre e os nossos sistemas estão constantemente a serem atualizados.
Portanto, considera que o plano de contingência da EY é um plano muito eficaz.Bom, não tivemos qualquer problema até agora. Isso satisfaz-me bastante. O que sei é que vamos continuar sempre a procurar que não haja nenhum problema nos nossos sistemas e junto dos nossos clientes.
O ambiente colaborativo é outra grande tendência. Qual é a visão da EY sobre este tema? Vão buscar inovação também lá fora, a outras empresas? Até ao nível da cibersegurança: partilham informação?"Como penso que todas as empresas responsáveis estão a tomar medidas de proteção nesse sentido, há também, assim como hackers muito eficazes, planos de contingência muito eficazes.”
As exigências das nossas empresas mudam bastante. São cada vez maiores. Querem cada vez mais, pelo dinamismo do mercado, pela dificuldade que cada empresa tem em ser autossuficiente. É muito difícil uma empresa hoje dizer que é autossuficiente e que tem tudo aquilo de que precisa. Para uma empresa como a nossa, para dar resposta a um leque de solicitações cada vez mais vasto, temos de facto a necessidade de colaborar com parceiros. Também é uma forma de acelerarmos a curva de aprendizagem porque, normalmente, entre desenvolver internamente ou ir comprar um produto que está desenvolvido, o time to market é fundamental. É muito mais fácil, económico, eficiente e rápido trazer know-how de fora e fazer parcerias com empresas.
Isto vai ser cada vez mais colaborativo?Absolutamente. Os dias em que podíamos dizer que somos tudo para todos acabaram. Já não é possível dizer isso. Mas a economia colaborativa é ótima. Apresenta oportunidades, é muito eficiente no mercado, porque vai buscar os recursos mais eficientes e penso que é algo altamente positivo.
Ficou alguma coisa por dizer?Falaria apenas um pouco sobre o nosso programa Beyond. Já fizemos duas conferências, correram bastante bem. Temos cinco mais por fazer. Pelo meio há sessões de aceleração, que são sessões de brainstorming sobre os seis temas e tudo isto, este programa, vai ser fechado numa conferência que vamos fazer a 12 de dezembro, onde iremos apresentar as principais conclusões de todo esta fase deste projeto plurianual, assim como casos de sucesso e esperemos ter também orientações cada vez mais claras do rumo que sugerimos que seja tomado pelas empresas.
As conclusões serão divulgadas ao público?A sessão final é pública.
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Líder da EY: “O digital é uma onda. Quem está em cima, está. Quem não está, fica para trás”
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